O Globo
Insistência do ministro do STF em regular a
liberação das emendas adquire um potencial de paralisia do governo
Já havia entre deputados e senadores o temor
de que Flávio Dino se eternizasse como uma espécie de xerife das emendas
parlamentares, mantendo a relatoria de toda e qualquer ação que ingressar no
Supremo Tribunal Federal a respeito do tema e solicitando à Polícia Federal a
abertura de inquéritos em série para fiscalizar a destinação dos recursos
orçamentários. A nova decisão do ministro, suspendendo novamente a destinação
dos recursos, reforçou essa percepção.
Emendas são foco de corrupção desde que o mundo é mundo. Com o alargamento, a partir do governo Jair Bolsonaro, do quinhão do Orçamento da União a que os congressistas têm acesso, a partir de diferentes rubricas e de expedientes de pouca transparência, as denúncias de desvios de recursos explodiram.
Dino não foi o primeiro a tentar colocar um
freio no trem desgovernado. A agora aposentada ministra Rosa Weber foi a
primeira a pôr o dedo nessa ferida que o Executivo não tinha, como ainda não
tem, força para estancar sozinho. Daí por que a insistência do STF em regular o
tema seja vista, por parte de um Parlamento acostumado a só trabalhar mediante
a injeção de doses cada vez maiores de dinheiro nas bases de seus integrantes,
como uma dobradinha silenciosa entre o Judiciário e o governo.
Os ministros de Lula parecem, de fato,
vendidos nesse jogo. Negociam com a Câmara e o Senado as votações, agilizam a
liberação dos recursos e sabem que operam na bacia das almas, pois, sem isso,
propostas como o pacote de corte de gastos simplesmente não passariam. Se há
alguma combinação com Dino, a percepção é que ela se dá diretamente entre ele e
Lula, sem testemunhas. Só que esse seria um expediente de altíssimo risco para
um presidente que termina o segundo ano de mandato no fio da navalha em termos
de governabilidade e de avaliação junto ao eleitorado.
A supressão do combustível das emendas no
momento em que os acordos fechados para as eleições das Mesas das duas Casas
têm de ser cumpridos é uma notícia capaz de tirar o espírito natalino de Arthur
Lira e Davi Alcolumbre, os principais operadores desse mecanismo no Congresso.
Lira acabara de dar um dos seus famosos
sprints em prazos para entregar a votação do pacote de corte de gastos,
essencial para Lula e Fernando Haddad fecharem o ano com um mínimo de
credibilidade junto aos agentes econômicos preservada.
As investigações a respeito das emendas
tendem a se concentrar em Alagoas, estado de Lira e destino de grande parte dos
recursos cuja liberação está sob a lupa de Flávio Dino e da Polícia Federal.
Não custa lembrar que o STF o livrou da investigação sobre suspeitas de desvios
em kits de robótica quando ele ainda tinha muito tempo na cadeira de presidente
da Câmara e a caneta cheia. Uma nova investigação, já começando na PF, não
teria os alegados vícios de origem que levaram à anulação da anterior e poderia
se dar sobre um Lira de volta à planície.
Como ele é uma das peças do xadrez da reforma
ministerial que deverá ser feita por Lula entre janeiro e fevereiro para tentar
justamente articular um bloco para seus dois últimos anos de governo e para a
reeleição, a insistência de Dino em regular a liberação das emendas ganha uma
dimensão para além do curto prazo, adquirindo potencial de paralisia do governo
e dano político ainda difícil de mensurar.
É isso que faz com que muitos ministros, pegos no contrapé pela nova paralisação dos repasses, duvidem que Lula tenha pedido a Dino que continuasse pisando no acelerador. Predomina a avaliação de que ele resolveu achar para si um nicho de atuação permanente. Assim como Alexandre de Moraes vai se eternizando como baluarte da democracia, Dino ficaria indefinidamente como fiscal das emendas. O pesadelo natalino de deputados e senadores.
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