O Globo
Em agosto de 1954, Getúlio Vargas puxou o
gatilho e saiu da vida para entrar na História. Ao ouvir a notícia, Carlos
Drummond de Andrade pôs papel na máquina e começou a bater a crônica do dia
seguinte. “Súbito, a pessoa do presidente deixou de interessar ao debate
político. As queixas contra ele desaparecem, e a paixão se cala, como vazia de
seu objeto”, escreveu.
Após meditar sobre o respeito aos mortos, o poeta anotou que a carta-testamento dividia a nação “em dois grupos que guerreiam: o dos pobres e humilhados e o dos ricos e opressores”. “Entre os que, de consciência limpa, divergiam do presidente, estavam muitos dos melhores e mais puros homens do país, e não mereciam ser tratados como inimigos do povo”, protestou.
Em abril de 1964, os militares derrubaram
João Goulart. Antigetulista de carteirinha, Drummond não lamentou o golpe, mas
registrou sua descrença nas quarteladas. “É com tristeza misturada a horror
que, ao longo da vida, tenho presenciado generais depondo presidentes, por
piores que estes fossem. Será que jamais aprenderemos a existir politicamente?”
Em dezembro de 1968, a repressão explodiu uma
agência de anúncios do Correio da Manhã. Ao ver a loja destruída, o poeta se
lembrou dos edifícios de Londres bombardeados pelos nazistas. “O que pretendem
os lançadores de bombas: fazer parar a vida?”, questionou.
O cronista saiu em defesa do diário, que
ainda tentava resistir à asfixia imposta pela ditadura. “É um jornal, nada mais
que um jornal, maço de papel que registra os fatos, comenta e critica os
poderosos. Pode eventualmente cometer injustiças, porém não comete o erro de
calar”, exaltou.
Inéditas em livro, as crônicas de Drummond
estão no recém-lançado “A intensa palavra”. A seleção também resgata textos
atemporais, como um divertido glossário da política nacional. Redigidos em
março de 1954, alguns verbetes permanecem atualíssimos.
Partido: “Agremiação fundada para defender
certos princípios enquanto não for possível trocá-los”. Coerência: “Traçado
moral, reto, que permite variações curvilíneas”. Justiça Eleitoral: “Aparelho
de precisão destinado a verificar como o povo se enganou, e a fazer respeitar
esse engano”. Voto: “Substância aparentemente pouco nutritiva, que não enche
barriga de eleitor, mas da qual o eleito extrai muita vitamina”.
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