Folha de S. Paulo
Pesquisas indicam mal-estar, economia não
explica pessimismo, que cresce
A leitora diria que o clima no país está bom?
É pergunta vaga, que suscita respostas impressionistas. Mas é apenas de um
jogo, um exercício mental. Desconsidere, por ora, avaliação mais objetiva sobre
condições materiais de vida ou sobre o estado da política, por exemplo. Como
parece o humor de seus concidadãos?
Vivemos o "melhor Natal" desde 2013. A expressão vai entre aspas porque costuma apenas descrever balanços de vendas do comércio ou de indicadores como salário médio ou renda per capita. As pessoas podem estar insatisfeitas com sua situação econômica ainda que tenham melhorado de vida. Podem ter insatisfações gerais mesmo que reconheçam melhoras na economia.
Em 2023, a renda (PIB) per capita
voltou ao pico anterior, de 2013. Em 2024, será a maior desde sempre. O salário
médio será o maior. O nível de pobreza será o mínimo. O consumo médio por
pessoa será pelo menos igual ao do recorde de 2013. A desigualdade não mudou a
ponto de alterar o peso desses números, se mudou.
A avaliação do presidente Lula está
em nível medíocre (35% de "ótimo/bom", 34% de
"ruim/péssimo"), segundo o Datafolha de
dezembro. Em relação aos últimos seis meses, a economia está pior para 40%
(eram 29% em setembro de 2023), segundo pesquisa Ipec de dezembro. Nos próximos
seis meses, vai melhorar para 39% (ante 51% em setembro de 2023).
Deixamos para trás uma década de depressão. O
problema é que saímos faz pouco tempo do buraco e talvez não exista segurança
de que a melhora persista? A maioria da população não está informada quanto a
previsões macroeconômicas ou pacote fiscal. Não vem daí o mau humor.
Uma década ruim deixou traumas? Tivemos Junho
de 2013, decepção pós-eleição de 2014, Lava Jato, impeachment,
Grande Recessão de 2014-16, prisão de Lula, estagnação de 2017-19, Covid, a
grande miséria de 2021 (quando o povo sem emprego foi largado na fome por Jair
Bolsonaro).
A confiança do consumidor medida pela FGV
(Fundação Getulio Vargas) jamais se recuperou da crise que começou em 2014. É
um indicador de avaliação de situação e expectativa quanto à economia, à
condição financeira da família etc. Confiança abaixo de 100 significa que há
mais avaliações negativas do que positivas. O índice não passa de 100 desde
dezembro de 2013. Excluindo o período da epidemia, foi ao fundo do poço em
setembro de 2015 (64,5). Subiu à casa de 95 em setembro de 2023 e em novembro
de 2024. Em dezembro, ficou em 92.
Considere-se um indicador aproximado de
otimismo com o país, de uma pesquisa do centro Pew (EUA). Em 2010, 53%
dos brasileiros achavam
que o Brasil "um dia será" "uma das nações mais poderosas do
mundo"; "nunca será": 20%. Em 2017, os números eram
respectivamente 31% e 48%. Neste 2024, 38% e 34%, ainda longe de 2010. A
satisfação com o "funcionamento da democracia" sob Dilma 1 era de
66%; em 2024, de 44%.
Há "polarização", política,
cultural, religiosa. Para quem votou em Bolsonaro em 2022, o país está no
"caminho errado" para 82%, segundo pesquisa Ipec; no "caminho
certo" para 13%. Para os eleitores de Lula, 23% e 72%, respectivamente.
Década e meia de expansão de redes sociais e
a disseminação do ódio e da desrazão não ajudam. O temor de golpe,
autoritarismo e violência política, assim como os mitos do risco de comunismo e
de opressão "identitária", pioram o clima.
Ainda assim, o mal-estar é intrigante.
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