sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Desafio fiscal das prefeituras será maior que o previsto

O Globo

Gastos das capitais cresceram como proporção das receitas — e logo será inviável fechar as contas

No mandato iniciado em 2020, os prefeitos das 26 capitais tiveram uma oportunidade ímpar de melhorar a saúde fiscal de seus municípios. Com a pandemia, o caixa foi reforçado por transferências extraordinárias da União, e foram impostas restrições a gastos com pessoal. Passada a emergência, a recuperação do setor de serviços — principal fonte de arrecadação municipal — superou as expectativas. Só entre janeiro e outubro de 2024, a arrecadação cresceu 7,2% descontada a inflação, na comparação com o período no ano anterior, segundo dados da Aequus Consultoria. O fôlego maior era um momento propício para melhorar a gestão financeira e evitar instabilidade no futuro. Infelizmente não foi o que aconteceu. Houve uma profusão de gastos eleitoreiros. Agora, os prefeitos que assumem seus mandatos nesta semana — 16 deles reeleitos — terão pela frente um desafio fiscal bem mais complicado que o sugerido nas promessas de campanha.

As políticas que definirão nosso futuro - Fernando Luiz Abrucio

Valor Econômico

A eleição de 2026 é a bússola daqui para diante. O desafio será casar a definição dos presidenciáveis e das alianças com suas propostas de políticas públicas

O ano novo político começará cheio de expectativas. Qual será a agenda dos novos presidentes da Câmara e do Senado? Qual será a feição da reforma ministerial do governo Lula? Que pauta legislativa aproximará e qual afastará os Poderes (incluindo o STF)? Haverá novos ajustes fiscais? O orçamento das emendas será provavelmente modificado, mas em que medida? Tantas questões antecedem a bússola principal daqui para diante: a eleição de 2026. O desafio, neste caso, será casar a definição dos presidenciáveis e das alianças com suas propostas de políticas públicas. Sem isso, o avanço do país será lento, ou haverá retrocesso.

As últimas duas eleições presidenciais foram contra algo, e não a favor de uma agenda de políticas públicas. O programa de governo de Bolsonaro em 2018 era risível, feito por gente inexperiente e radicalizada por chavões que não eram capazes de dar o suporte a uma gestão presidencial. Não por acaso seu mandato foi marcado pela ausência de políticas estruturadas na maior parte dos setores, perdendo-se em debates sobre valores e se propondo, como disse o próprio ex-presidente em frase célebre, mais a desconstruir do que a construir novos paradigmas de ação governamental. O resultado foi a piora substancial em áreas como Saúde, Educação, Assistência Social, Habitação, Meio Ambiente, Relações Internacionais e Direitos Humanos.

José de Souza Martins - Incertezas do rescaldo de 2024

Valor Econômico

Um fato de certo modo novo aconteceu. A mentalidade de senzala está escapando da chibata do capitão do mato. Ganhou visibilidade na direita e na esquerda

Dezembro de 2024 foi bem diferente de dezembro de 2023. Provavelmente, foi a primeira vez em nossa história que a passagem de ano foi algo bem diverso da mera festa de mudança na numeração cronológica das eras.

Em dezembro de 2022 o país se defrontara com a possibilidade de que nada mudaria com a passagem de ano, não obstante a eleição de um novo presidente da República, em outubro. Havia sinais de que algo estava errado.

O presidente da República se evadira do país, ausentando-se sem permissão do Congresso Nacional. Fê-lo para não passar a faixa presidencial ao sucessor legítimo. Um conjunto extenso de boatos e de inverdades circulava pelas redes a contestar a legitimidade do voto na urna eletrônica e do resultado eleitoral.

EUA ruma ao imprevisível - Vera Magalhães

O Globo

Impacto será maior quando maquinações de Trump atingirem China e Rússia, onde há líderes dispostos a responder na mesma moeda

Quando a principal potência econômica, política e bélica do mundo escolhe mergulhar na imprevisibilidade, o mundo tem razões concretas para prender a respiração. E os Estados Unidos avançam de forma vertiginosa nessa direção.

Falta pouco mais de duas semanas para a volta de Donald Trump ao poder. Sua saída da Casa Branca foi marcada pela invasão do Capitólio, e seu regresso se dá poucos dias depois dos eventos ainda não esclarecidos, com grandes suspeitas de ser ataques terroristas de alguma forma conectados, em Nova Orleans e Las Vegas.

Trump, é claro, se apressou em tirar conclusões antes mesmo de o FBI iniciar as investigações, associando sem nenhuma evidência os ataques a imigrantes ilegais. Essa forma descuidada de lidar com questões sérias é apenas uma das muitas características que representam motivos reais para apreensão global com um presidente que os americanos conhecem bem e, ainda assim, decidiram reconduzir ao poder.

Pedras no caminho – Flávia Oliveira

O Globo

A ONG Rio de Paz escolheu o último sábado de 2024 para ratificar a luta travada contra a violência que, em quatro anos, ceifou a vida de 49 crianças no Estado do Rio. Instalaria na Lagoa Rodrigo de Freitas, um dos cartões-postais da capital fluminense, fotografias de cada menina e cada menino mortos por bala perdida desde 2020. Dias antes, exibira as mesmas imagens em ato nas areias da Praia de Copacabana, cenário igualmente marcante de atuação da organização. O fim de ano seguiria seu curso, não fosse a decisão do prefeito Eduardo Paes de mandar retirar, sem aviso prévio, os cartazes de uma manifestação que, há quase uma década, ocupa o mesmo endereço sem licença oficial.

A psicologia do futuro - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Pesquisa Datafolha flagra contraste entre otimismo local e pessimismo global, um dos muitos vieses cognitivos de nossa espécie

A lógica e o pensamento racional são só um efeito colateral da miríade de impulsos cognitivos com que a evolução natural nos dotou. A melhor prova disso está na lista telefônica de vieses e erros sistemáticos que marcam nossos raciocínios.

Nutrimos um excesso de confiança em relação a nós mesmos e nossas capacidades (otimismo local) pareado com um irrazoável catastrofismo no que diz respeito ao mundo exterior (pessimismo global).

O auto do vale-peru - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Magistrados e tribunais exibiram contorcionismo para descumprir regra do teto salarial

Nos dias finais de 2024, os tribunais brasileiros encenaram mais um espetáculo de exibição de privilégios. Em três atos, magistrados da primeira à última instância, mostraram o contorcionismo que fazem todos os anos para preservar auxílios, gratificações e indenizações que se somam a seus salários.

A abertura ficou por conta do presidente do STF. Quando a questão dos supersalários tomou forma na discussão sobre o ajuste fiscal, Luís Roberto Barroso reagiu a uma proposta que não deveria ofender ninguém: seguir o que está na Constituição e limitar o valor pago a qualquer servidor público, incluindo juízes.

Violência policial expõe direita tosca - Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Melhor fariam governadores do Sudeste, a começar por Tarcísio de Freitas, se contivessem abusos e matança

A reação de governadores de direita ao decreto do governo federal sobre uso da força pela polícia é mais um atestado da estupidez que vem ganhando projeção num país cada vez mais ignaro, violento e abandidado.

Em São Paulo, Tarcísio de Freitas, o preferido do bolsonarismo, das finanças e do ruralismo para disputar a Presidência em 2026, insiste em dar provas de truculência. Não apenas na segurança pública, embora com especial afinco nesta área.

Nomeou como seu secretário um ex-policial que se orgulha de ter matado "vagabundos" e gosta de repetir, em seu chocante despreparo, a retórica do apologista da tortura que o inspira, o famigerado Jair Bolsonaro.

Roubança nas emendas parlamentares - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Auditorias e PF mostram baderna, desperdício e bandalheira; buraco deve ser mais fundo

Ainda que não se furte ou se desperdice o dinheiro das emendas parlamentares, sabe-se que o modo pelo qual senadores e deputados modificam o Orçamento muita vez não tem planejamento, cálculo de eficiência, de prioridade ou picota recursos escassos em investimentos que podem até ser um campo de futebol society.

Sim, mas se furta. A comissão pode ser de 12%, segundo conversas captadas pela Polícia Federal, relatadas pela revista piauí. O resultado do trabalho da PF, de auditorias da Controladoria-Geral da União e, mais recentemente, do ministro Flávio Dino, do STF, são amostras de um buraco profundo, que começa com desperdício e ineficiência.

A saga do Papai Noel de Brasília – Fernando Gabeira

O Estado de S. Paulo

A verdade é que todos os setores, governo, STF e Parlamento, têm dificuldades de cortar gastos e chegar a um nível de austeridade compatível com as necessidades do País

Todos os setores, governo, STF e Parlamento, têm dificuldade para chegar ao nível de austeridade de que o País precisa.

Um pouco ofuscado pelas festas de fim de ano, Brasília viveu mais um drama em torno das emendas parlamentares. O ministro Flávio Dino bloqueou um lote de R$ 4,2 bilhões em emendas por não cumprirem os requisitos básicos de transparência e rastreabilidade. Para finalizar, Dino pediu à Polícia Federal (PF) que abrisse um inquérito sobre o tema. O maior suspeito é Arthur Lira, que articulou a aprovação das emendas e destinou grande parte do dinheiro para Alagoas.

O que se sucedeu foi um vaivém de notas e reuniões entre os Poderes, encerrando o ano com uma autêntica reprise do que vivemos ao longo desses últimos meses. O Parlamento se apossou de uma parte substancial do Orçamento e a utiliza de forma que nem as instituições nem a sociedade possa controlá-la.

Diplomacia para diplomatas - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

2025: com a COP 30 e a presidência dos Brics e sem Nicolás Maduro e Daniel Ortega

O governo Lula inverteu sua posição: se entrou em 2024 bem na economia e mal na política externa, começa 2025 titubeando na economia e firme na política externa, depois de uma atuação positiva e elogiada na presidência rotativa do G20, assumindo a presidência também rotativa dos Brics e se preparando para um evento que tem tudo a ver o Brasil, mas deixa um frio na barriga sobre como vai ser: a COP 30.

O que comunicar e não se estrumbicar - Celso Ming

O Estado de S. Paulo

O presidente Lula decidiu substituir o ministro Paulo Pimenta pelo publicitário e marqueteiro Sidônio Palmeira para comandar a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom).

A falha recorrente que o governo quer agora corrigir é a de que a área de Comunicação não está funcionando bem, porque não consegue transmitir para a sociedade os bons resultados obtidos na economia e na política social do governo.

Também estão escancaradas, para o governo e para as principais alas do PT, as falhas de comunicação nas redes sociais, que os políticos da direita conseguem utilizar melhor.

A questão principal está longe de ser de incompetência do ministro Paulo Pimenta, embora ela também possa pesar no desempenho da Secom.

É preciso, sim, colocar um filtro nas bobagens que o presidente Lula tem dito, como a de que a democracia na Venezuela se resume a mudanças de narrativa, e não às práticas ditatoriais do governo Maduro. Ou, então, a de que o governo de Israel esteja submetendo a população de Gaza a um genocídio equivalente ao do Holocausto colocado em prática pelos nazistas comandados por Hitler.

Desejo amor ao Brasil - Cristovam Buarque*

Correio Braziliense

Apesar de tardio, agora é ainda mais necessário o desejo de que os brasileiros coloquem o Brasil acima dos interesses de grupos corporativos

Neste primeiro dia do ano, desejo que meu país seja descoberto por seus cidadãos. Isso deveria ter ocorrido há décadas, ou séculos, para que o Brasil tivesse seu berço: um sistema nacional único de educação com qualidade e equidade para todas as nossas crianças, independentemente de renda e endereço. Mas não aconteceu. Por isso, apesar de tardio, agora é ainda mais necessário o desejo de que os brasileiros coloquem o Brasil acima dos interesses de grupos corporativos. 

Desde o início, somos divididos socialmente entre escravos e senhores, ricos e pobres, doutores e analfabetos, favelas e condomínios e, politicamente, em sindicatos, partidos, igrejas, municípios, estados, cada um se colocando acima do país. No último mês, esse divisionismo se mostrou descaradamente diante da constatação de que esgotamos os recursos fiscais do país. Mas, quando o ministro da Fazenda apresenta proposta para equilibrar as contas, cada setor da sociedade se levanta e diz: "Não no meu pedaço do orçamento".

Parlamentares extrativistas - José Pastore*

Correio Braziliense

À intenção do governo de dificultar as remunerações inconstitucionais, os parlamentares responderam com a criação de uma aprovação facilitada — de costas para a Carta Magna e para o povo

O leitor deve estar estranhando esse título. Explico. Fiquei espantado com o desfecho final do pacote de corte de gastos recentemente aprovado. O que foi apresentado pelo governo era de baixa potência para reequilibrar as contas públicas. E o que saiu do Congresso Nacional, ficou pior. 

Refiro-me especificamente à proposta de eliminação dos supersalários e demais penduricalhos dos altos funcionários da República, em especial, os do Poder Judiciário, Ministério Público e órgãos fiscalizadores. 

O tempo e a democracia - José Sarney

Correio Braziliense

A democracia é um regime que é melhor do que os outros porque sobrevive às crises e sabe absorvê-las. O Brasil vive as excelências de um regime democrático, pluralista e aberto

A liberdade tem grande poder criativo. Até mesmo os excessos o seu exercício corrige. É necessário, para entendê-la, compreender o que é o tempo. Leonardo da Vinci escreveu, numa noite, em seus angustiados cadernos, que "a justiça é filha do tempo". Um dia, em Hong Kong, em companhia do embaixador Miguel Osório, que naqueles anos procurava desvendar o mistério do que ocorria com a Revolução Cultural na China, ouvi a afirmativa de um velho poeta, com o sabor de sabedoria milenar, de que nós, do Ocidente, não sabíamos o que era o tempo.

Quando, em 1989, eu me encontrei com Deng Xiao Ping, em Pequim, ele mencionou o mesmo conceito e me falou entusiasmado de seu país dali a 100 anos como se dissertasse sobre o dia seguinte. Descreveu-me empolgado as metas dos próximos 20 anos como se comentasse a madrugada que viria.

Poesia | A Vida Bate, de Ferreira Gullar

 

Música | Heitor Villa Lobos - Rasga o coração Choros Nº10

 

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Decreto sobre ação policial abre oportunidade

O Globo

Governadores devem entender necessidade de diálogo com Brasília para enfrentar crise na segurança

Ao longo do ano passado, o governo federal rompeu a inércia e começou enfim a tomar iniciativas no campo da segurança pública, uma das maiores preocupações dos brasileiros. Primeiro, elaborou a PEC da Segurança — que amplia as atribuições das polícias federais (PF e PRF) e tenta suprir as lacunas que limitam o funcionamento do Sistema Único de Segurança Pública (Susp). No fim do ano, o Ministério da Justiça e Segurança Pública baixou normas para regular a ação policial. Ambas as medidas encontraram resistência entre os governadores.

É compreensível que os governos estaduais critiquem o que consideram uma invasão de suas prerrogativas constitucionais. No caso específico das normas destinadas a coibir abusos da polícia, é legítima a preocupação com o risco de paralisia, num momento em que a população mais precisa das forças da lei. Mas as normas que constam do decreto federal são sensatas. Nada mais fazem além de estabelecer regras para o uso progressivo e racional da força pelos policiais, com base em princípios de “legalidade, precaução, necessidade, proporcionalidade, razoabilidade, responsabilização e não discriminação”. A profusão de cenas de abusos recentes da polícia justifica que o governo formalize o óbvio — a força só deve ser usada em último caso — e imponha condições para isso, como condicionar ao respeito às regras o acesso a recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP).

Segurança em primeiro lugar - Merval Pereira

O Globo

O Sistema Único de Segurança Pública, o SUS da segurança, precisa ser implementado imediatamente para libertar os estados do jugo de milicianos e narcotraficantes

Apesar de ser uma reafirmação do óbvio, o decreto do presidente Lula que regula o uso da força policial foi rejeitado por governadores conservadores do Centro-Sul e Sudeste do país, inclusive do Rio de Janeiro e São Paulo, estados dos mais atingidos pela violência policial, como se fosse uma intervenção do governo federal na autonomia dos governos estaduais. O que deveria ser uma cooperação nacional contra o inimigo comum transformou-se em instrumento político da polarização que nos envolve e tolhe a capacidade de reação da cidadania.

Essa atitude é mais uma etapa da disputa política que nubla a visão de longo prazo de políticos que têm interesses estreitos de curto prazo. O decreto presidencial, no entanto, tem uma amplitude que complementa a política nacional de segurança pública proposta pelo ministro da Justiça Ricardo Lewandowski, que não avança por absoluto descaso, quando não por influência da maioria conservadora que apoia o armamento dos cidadãos como solução.

Felizes com a vida, não com o governo - Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

Reduzir o problema do governo à falta de comunicação adequada de seus feitos parece ser grosseiro simplismo

A grande maioria dos brasileiros terminou o ano de bom humor e com muitos sentimentos positivos com relação a 2025. É o que revela a pesquisa Radar Febraban, realizada pelo Ipesp no começo de dezembro. Segundo a sondagem, 70% dos entrevistados se declararam satisfeitos com sua situação pessoal. Diante de outra pergunta, 46% responderam que as coisas melhoraram; 34% disseram que ficaram como estavam; e nada menos de 80% se disseram esperançosos, alegres e confiantes, pois acreditam que podem melhorar ainda mais neste novo ano.

São também otimistas as perspectivas que enxergam para o país. Só 2 em cada 10 pessoas acham que as coisas vão piorar.

O otimismo tem bases reais. A economia cresceu acima do previsto pelos especialistas, a taxa de desemprego é a menor e o salário médio é o maior desde 2017, quando uma coisa e outra começaram a ser medidas pela Pnad-Contínua.

Quanto vale um ministério? - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Freio no acesso à verba deve levar o centrão a diversificar suas ferramentas de poder

voracidade do Congresso na apropriação das emendas orçamentárias provocou um desarranjo radical nas relações entre o Executivo e o Legislativo. Ao longo da última década, parlamentares conseguiram a garantia de uma verba gorda para seus redutos políticos sem depender da generosidade do presidente ou de seus ministros.

Nesse processo, o controle de gabinetes na Esplanada dos Ministérios passou a valer menos para os grupos partidários na extração de benefícios do poder. A indicação de integrantes para o primeiro escalão ainda oferece prestígio e acesso a dinheiro público, mas deixou de ser fator absoluto nas negociações para a formação de coalizões políticas.

Economia mundial em 2025: apertem o cinto - Assis Moreira

Valor Econômico

Impactos de medidas de Trump podem moldar significativamente o cenário econômico global

O ano começa com uma incerteza brutal na economia mundial com o retorno de Donald Trump à Casa Branca a partir do dia 20. A escolha geopolítica mais importante de Trump será mesmo como lidar com a China, concordam analistas. E ele parece não se impor limites para lançar mão de toda a capacidade da maior potência do mundo para enfraquecer seu grande rival. Isso terá evidente impacto no comércio, investimentos, acesso a tecnologias relevantes, entre outros. A pressão sobre parceiros vai crescer em função das relações com a China, incluindo sobre o Brasil.

O fiscal, o monetário e a estabilidade da dívida pública - Benito Salomão

Valor Econômico

Apesar de todas essas pressões, o resultado primário do setor público não vem piorando desde o início do colapso do teto de gastos em 2022

A dívida pública brasileira vem crescendo a taxas preocupantes. Desde o início deste governo, ela avançou cerca de 7 pontos percentuais, saindo de 71,4% do PIB em 1/2023, para 78,6% em 10/2024 (dados da Dívida Bruta do Governo Geral). Se essa trajetória não for interrompida, é possível chegar em agosto de 2026 - durante a eleição - com uma DBGG próxima a 85% do PIB, fechando o último ano desta legislatura, em dezembro, acima dos 86%.

Consequências indesejáveis surgem de um endividamento tão elevado. Em artigo empírico publicado em 2023, demonstro que endividamentos públicos superiores a 84% do PIB são prejudiciais ao crescimento econômico. Isso sem contar seus efeitos sobre as taxas de juros, nas pontas curta e longas da estrutura a termo. Em outras palavras, se essa trajetória da DBGG não for interrompida, grandes são as chances de termos problemas à frente.

2025 começa com Judiciário à frente dos outros Poderes - César Felício

Valor Econômico

O país inicia 2025 com a reafirmação da prevalência do Judiciário sobre os outros dois poderes da República. O Executivo cada vez mais depende de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). E o Legislativo cada vez mais é tolhido por elas. O protagonista do momento é o ministro Flávio Dino, que bloqueou o pagamento das emendas parlamentares de comissão que tenham o DNA do Orçamento Secreto, tanto da Câmara quanto do Senado, inclusive daquelas já empenhadas pelo Executivo.

A Advocacia Geral da União (AGU) e o ministro debateram em público esta segunda sobre a questão, em uma sucessão de petições e despachos, em um confronto com aspectos de jogo jogado. Se o rigor da decisão de Dino pode criar constrangimentos para o governo cumprir a despesa constitucional para a Saúde, como alega o AGU, no atacado as decisões do Supremo têm favorecido o governo desde o momento da eleição de Lula.

O bom combate de Flávio Dino - Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

O Congresso não pode levar à frente essa sistemática disparatada de aprovação e destinação de dinheiro público sem o devido escrutínio social

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino está promovendo uma moralização necessária na questão das emendas parlamentares. A gestão, a governança e a destinação desses expressivos recursos públicos precisam ser fortemente iluminadas.

Consultado, o povo brasileiro avalizaria a lambança que se tem promovido por meio dessas emendas? A Constituição não avaliza, como mostram os textos das decisões de Dino nesse assunto.

O Orçamento de 2024 prevê R$ 47,9 bilhões em emendas parlamentares. Esse impressionante volume de recursos inclui as emendas individuais, as de bancada estadual, as de comissões e (ainda) as de relator-geral.

O pagamento de tais previsões orçamentárias, isto é, aquilo que já saiu do caixa da União (até o dia 29 de dezembro), incluindo os restos a pagar, corresponde a R$ 39,5 bilhões. Em 2020, eram R$ 21,5 bilhões; em 2019, R$ 10 bilhões, e em 2016, R$ 3,7 bilhões.

2025: economia depende da política - Celso Ming

O Estado de S. Paulo

A cantoria da virada fala em muito dinheiro no bolso e, na ceia do réveillon, recomendam-se boas garfadas em um prato de lentilhas, com o mesmo objetivo de atrair melhoras na vida financeira. Mas 2025 promete menos, começa mais ranheta do que 2024.

Lá fora, é Donald Trump na Casa Branca despejando dardos para os quatro cantos da Terra. É mais “America first”, mais protecionismo, mais subsídios à indústria local e mais negacionismo a recobrir a crise ambiental.

O Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, avisou que vai acionar menos seu fole dos juros e isso significa menos crescimento econômico global, provável queda nos preços das commodities e valorização do dólar em relação às outras moedas.

Refém das circunstâncias - William Waack

O Estado de S. Paulo

O governo Lula não se adapta a condições externas e domésticas em mudança

Pesa sobre a segunda metade do atual mandato de Lula a definição de estratégia (repetida várias vezes aqui) fornecida por Mike Tyson. “Todo mundo tem um plano até levar um soco na boca", disse quem sabia nocautear mas também foi nocauteado.

Ou seja, o sucesso de qualquer planejamento é a capacidade de adaptação a circunstâncias em mudança. Lula não entendeu (repetido várias vezes aqui) como mudaram as condições políticas e econômicas desde seu primeiro mandato, e insiste no mesmo plano. Exibe a mesma dificuldade para entender a rapidez com que dois conjuntos de circunstâncias estão se alterando. Um deles é externo, sobre o qual nunca teve qualquer controle. O segundo é doméstico, e também ameaça escapar do controle.

Lula quer repactuar aliança com centro-direita - Vera Rosa

O Estado de S. Paulo

Presidente começa a segunda metade do mandato, e seu governo tem, a partir de agora, como meta a reeleição em 2026

No horizonte, estão reforma ministerial, tentativa de ampliar bancada no Senado e negociação com MDB, PSD e PP.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciou a segunda metade do seu mandato, neste ano novo, no modo reeleição. Embora nem a cúpula do PT saiba se Lula vai mesmo disputar mais uma vez o Palácio do Planalto, em 2026, toda a organização do governo, a partir de agora, tem como meta esse cenário político.

Há um diagnóstico no Planalto de que os principais ministérios da área social, como Saúde e Educação, precisam acelerar o passo para construir vitrines. O slogan do terceiro mandato do PT é União e Reconstrução, mas o País continua dividido, e o julgamento da trama golpista neste ano promete acirrar ainda mais os ânimos dos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Poesia | Evocação do Recife, de Manuel Bandeira

 

Música | Maria Bethânia - Frevo nº 1 Recife ( Antônio Maria)

 

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ano-Novo traz velhos problemas para o governo

O Globo

As dificuldades de 2025 na economia, na segurança, na infraestrutura, na educação e no meio ambiente

O ano de 2025 dará trabalho ao Brasil. Da economia à segurança, da infraestrutura à educação, há muito a fazer. O cenário externo mudou. A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos traz um misto de incerteza e adversidade, justamente quando o governo e o Congresso relutam em enfrentar a crise fiscal. A escalada do endividamento exige ações robustas de ajuste das contas públicas. A crise de confiança não foi debelada. Novos cortes de despesas serão necessários, e brigar com o Banco Central diante do inevitável aumento dos juros que se desenha só tornará a situação pior. Esse, sem dúvida, é o desafio mais urgente.

Brasil carrega crises para 2025 - Vera Magalhães

O Globo

O segundo ano do terceiro mandato de Lula mostrou que o presidente e seus principais ministros seguiram à deriva

O ano começa com crises velhas, cuja resolução ou foi empurrada com a barriga ou escapou à capacidade de articulação dos Três Poderes. O desajuste na relação entre Executivo, Legislativo e Judiciário, aliado à pressão de inflação e juros sobre a economia, são as heranças de 2024 que comprometem, desde a largada, o sucesso de 2025.

O governo Lula foi um espectador entre atônito e inerte de uma virada de ano em que as suas maiores fraquezas foram evidenciadas de forma alarmante e cara.

A disparada do dólar e o impasse das emendas mostraram que o Executivo está de mãos atadas tanto para vencer a falta de confiança dos agentes econômicos quanto para instituir uma governabilidade que não seja comprada caro à custa de transferência de dinheiro público para uma base que não morre de amores pelo projeto de Brasil do PT.

Esperanças de Ano-Novo – Roberto DaMatta

O Globo

As semanas, como os meses, 'voam', mas os anos 'passam' e indicam atraso, doença, guerra, mais do mesmo e, eventualmente, progresso

Um esperançoso e inédito 2025 começa numa recorrente quarta-feira. Logo pensamos nas cinzas terminais do símbolo maior de nossas ambiguidades: o carnaval que — entra e sai ano — não acaba porque nossos administradores públicos, instalados em seus palácios e gabinetes, “cuidam” para que o Brasil não mude.

Inventamos o tempo aprisionando-o em segundos, minutos, horas, semanas, meses, anos, séculos, milênios e eras. Uma gradação cuja fase mais significativa é a bíblica semana de sete dias, nos quais o Senhor Deus Todo-poderoso criou o mundo, reservando o domingo para seu descanso e louvação. A modernidade, sempre em busca dos infinitamente menores, inventou uma realidade individualizada — partida em pedaços. Desse modo, vamos das Eras aos dias da semana partidos em dias e horas que, por sua vez, repartem-se em minutos e segundos, e por aí vai, como os elefantes que seguram o mundo no mito indiano...

Lições para a defesa da democracia - Marcelo Godoy

O Estado de S. Paulo

José Carlos Dias faz advertências em livro que conta a sua trajetória dentro e fora dos governos

Em setembro de 2017, o Tribunal de Justiça de São Paulo resolveu homenagear o advogado José Carlos Dias. A cerimônia serviu para reconhecer as “relevantes contribuições à cultura jurídica e ao Poder Judiciário, em especial pela defesa dos direitos de presos políticos durante a ditadura e seu trabalho na Comissão Nacional da Verdade”.

Em seu discurso, Dias fez referência aos casos de corrupção de então: “Sinto que é meu dever dizer algumas palavras sobre nosso país, golpeado, esquartejado pela corrupção e pelos desmandos cometidos por agentes públicos dos três Poderes. O que se espera hoje do Judiciário, especialmente do STF? Como conciliar rigor absoluto no combate à corrupção, com absoluta intransigência no respeito ao devido processo legal e às garantias penais esculpidas na nossa Constituição?” A reflexão do criminalista permanece atual. Assim como outras reunidas no livro Democracia e liberdade: a trajetória de José Carlos Dias na defesa dos direitos humanos, de Ricardo Carvalho e Otávio Dias.

Jimmy Carter foi um grande presidente – Elio Gaspari

O Globo

Faltando poucas semanas para o retorno de Donald Trump à Casa Branca, lá se foi Jimmy Carter. Tinha 100 anos e governou os Estados Unidos de 1977 a 1981. Batido por Ronald Reagan, teve um só mandato. Assumiu empunhando a bandeira da democracia e dos direitos humanos, mas foi moído por uma inflação de 9,9% e por suas virtudes de homem simples.

O balanço de sua presidência acompanhou os necrológios que lhe deram os créditos negados na eleição de 1980. O Brasil deveu a Carter o corte do cordão umbilical que ligava a ditadura ao beneplácito de Washington.

Jimmy Carter a diplomacia da convicção - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Presidente americano perturbou ditaduras ao dizer que EUA não deveriam tolerar repressão 'em troca de vantagens temporárias'

Em fevereiro de 1976, o general Ernesto Geisel recebeu Henry Kissinger. O presidente brasileiro disse ao secretário de Estado americano que estava incomodado com o que era dito sobre o Brasil nos EUA: "Nossa imagem é uma imagem de ditadura e violência. Isso não corresponde à realidade do Brasil moderno".

A ditadura não tinha problemas com o governo do republicano Gerald Ford, que seguia uma doutrina que tratava o regime como aliado contra o comunismo. Na conversa, Kissinger disse a Geisel que questões domésticas eram uma preocupação do Brasil, num sinal de que os americanos não criariam tensões sobre a violação de direitos humanos.

Desarranjo político - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Flávio Dino está certo em cobrar transparência nas emendas parlamentares, mas problema não desaparecerá enquanto não vier maneira melhor de dividir o poder

Como já escrevi aqui algumas vezes, por mim não existiriam as famosas emendas parlamentares ao Orçamento. Elas são uma forma pouco democrática de perpetuar incumbentes em seus cargos, atomizam e tiram a eficácia dos gastos públicos e ainda relegam vastas áreas do país (aquelas que não são reduto eleitoral de nenhum congressista) à penúria. Vários países vivem bem sem elas.

Mas as emendas são também o modo de repartição do poder entre Executivo e Legislativo que acabou se impondo ao longo da última década. É um arranjo subótimo, mas não dá simplesmente para eliminá-lo sem colocar outra coisa no lugar.

Um acordão nacional para a dívida - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Conta de juros está perto dos níveis recordes; entenda como cresceu o endividamento

No último ano, o governo federal pagou o equivalente a 6,7% do PIB em juros da dívida. Em valores corrigidos pela inflação, são R$ 787,2 bilhões.

Essa conta jamais foi tão alta, desde 1997, a não ser em cinco meses de 2015 e 2016, quando o país passava pela Grande Recessão. De 1997 a 2014, a média foi de 4,1% do PIB. De 2015 a 2019, de 5,2%. A série de dados do Tesouro começa em 1997.

A conta de juros recente é uma aberração, mesmo para padrões brasileiros. Os motivos imediatos são dívida maior, com juros costumeiramente altos, e a perspectiva de crescimento sem limite da dívida pública, dados os grandes déficits primários.

A receita do governo é ora de 17,92% do PIB. A despesa primária, que não inclui a conta de juros, é de 19,81% do PIB. Mesmo sem a conta de juros, a receita, pois, não dá para cobrir a despesa primária (Previdência, servidores, saúde, educação, Bolsa Família etc.). A conta de juros é paga com mais dívida. A dívida que vence é também paga com dívida nova.

Paz e prosperidade - Fernando Haddad

Folha de S. Paulo

A tranquilidade é construída diariamente, com diálogo, atenção às necessidades do próximo e muito trabalho

O Brasil encerrou mais um ano de crescimento econômico expressivo, com avanços na condição de vida da nossa população, mais igualdade de renda e mais oportunidades. Uma agenda legislativa robusta permitiu reformas fundamentais, que melhoraram a competitividade do país, enquanto milhões de brasileiros encontraram novas oportunidades de trabalho, gerando renda e prosperidade.

Não há fórmula única para o crescimento econômico, mas a tranquilidade é um ingrediente essencial. É ela que permite às pessoas trabalharem em paz, dedicarem-se aos seus sonhos e prosperarem com o apoio da sociedade. Foi ela que ajudou o Brasil a fechar 2024 com o menor nível de desemprego da história, mais 3,5 milhões de empregos gerados, uma indústria de transformação em crescimento após anos de retração e exportações vigorosas, mesmo diante de desafios climáticos em diversas regiões. É um cenário em que os investimentos voltam a crescer, sinalizando aumento de produtividade e um futuro promissor.

Evangelizar ou pregar para convertidos - Wilson Gomes

Folha de S. Paulo

Lula ignora que o debate público é hoje uma guerra de guerrilhas, disputada trincheira a trincheira, a todo momento

Dentre as razões alegadas por Lula para mudar a comunicação governamental está a convicção de que, sendo o maior comunicador do seu partido, caberia a ele falar mais sobre as ações do governo, participar de programas e conversar com jornalistas em coletivas.

Não serei eu a subestimar o impacto de entrevistas, sonoras e citações de Lula na imprensa e na mídia em geral. Assim como nunca subestimei o corpo a corpo de Bolsonaro no "cercadinho do Alvorada", as lives das quintas-feiras, sua presença digital ou participações em podcasts, que pautaram o jornalismo e os "trending topics" da conversa social.