segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Tarcísio reforça alinhamento com bolsonarismo

Por Cristiane Agostine e Lilian Venturini / Valor Econômico

Governador adota pautas como anistia a Bolsonaro, ataques ao STF, defesa de prisão perpétua e cita El Salvador como exemplo de modelo de segurança a ser seguido

Cotado para ser o candidato da direita na disputa presidencial de 2026, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), reforçou seu alinhamento com o bolsonarismo e tem feito gestos para demonstrar sua lealdade ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), preso após condenação por tentativa de golpe de Estado. Tarcísio adotou pautas como a anistia e o indulto a Bolsonaro, articula no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar garantir a prisão domiciliar do ex-presidente e definiu como uma de suas bandeiras a linha-dura na política de segurança, com a defesa até mesmo de prisão perpétua para criminosos no país.

Entrevista | Direita vive atritos sem sinalização de Bolsonaro sobre sucessor

Por Joelmir Tavares / Valor Econômico

Fragmentação em 2026 pode beneficiar Lula, diz cientista política Graziella Testa

Preso na última semana, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) “não está fora do jogo eleitoral”, mas pode ver seu campo político chegar dividido à eleição de 2026, por ter aberto mão de organizar a sucessão política na direita antes de começar a cumprir sua pena, o que pode favorecer o projeto de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A análise é de Graziella Testa, doutora em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Bolsonaro - que foi condenado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) a uma pena de 27 anos por tentativa de golpe de Estado e está inelegível até 2060 - deverá ainda ser um cabo eleitoral relevante no próximo ano, na avaliação da especialista, mas é exagerado esperar uma transferência automática de votos do ex-presidente, seja para alguém da família ou não.

Os governadores cotados para a corrida presidencial, como o de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tendem a continuar na “tentativa de equilibrar pratinhos”, diz Testa, sobre a postura de evitar um rompimento com o bolsonarismo e acenar ao centro, faixa do eleitorado que ela considera decisiva no resultado.

Apesar dos problemas na oposição, Lula vive uma situação na relação com o Congresso que “sempre tem como ficar pior”, analisa a professora, ao comentar as rusgas com os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). A proximidade cada vez maior das eleições e o poder anabolizado de partidos do Centrão ajudam a explicar as novas tensões, diz ela.

A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Mito? Por Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

O problema que se coloca é o de como o bolsonarismo pode sobreviver sem um líder

A imagem do ex-presidente Bolsonaro, em vídeo gravado sobre a violação da tornozeleira eletrônica, é devastadora, fazendo desmoronar sua figura pública. No exercício da Presidência, transmitia a mensagem da masculinidade em motociatas que atravessavam o País, apresentando-se, em casaco de couro, como um mito imbatível, capaz de superar toda e qualquer adversidade. Começou a fraquejar quando a tentativa de golpe se mostrou inviável, dada a intervenção do Alto Comando do Exército, recluindo-se cada vez mais. Após ter se tornado réu, recolheu-se à prisão domiciliar, culminando nessa cena patética de um homem que confessa, abatido, candidamente, para uma agente penitenciária, que violou a tornozeleira eletrônica com um ferro de solda. Ela, inclusive, se dirige a ele como “seu Jair”, sem nenhuma consideração para com sua prerrogativa presidencial.

Sem vencedores na guerra entre Poderes, por Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

A análise aos vetos pode replicar o que atingiu a Lei de Licenciamento Ambiental

A frase “vencer uma guerra é tão desastroso quanto perdê-la”, de autoria da escritora britânica Agatha Christie (1890-1976), certamente se aplica aos embates atuais entre o governo Lula e o Congresso Nacional. Seria compreensível se o comportamento de ambos os lados se justificasse ao menos pela necessidade de sobrevivência, ou seja, evitar ser obliterado eleitoralmente no pleito de 2026. Mas não é assim.

No Legislativo, a oposição faz o que oposições fazem para marcar posição, custe a quem custar. E o Centrão trata de mostrar quem dá as cartas – até mais do que de fato suas atribuições permitem. Lula, do outro lado, estaria decidido a não ceder às pressões do Congresso ou a não fazer o ramerrame necessário da articulação política, crente de que o esperneio legislativo será compreendido em ano eleitoral como um jogo das elites, acima do qual ele pretende pairar impávido.

Europa está numa encruzilhada histórica, por Oliver Stuenkel

O Estado de S. Paulo

A União Europeia consegue operar em um cenário de rivalidade entre grandes potências?

Depois de séculos exercendo um papel central na ordem internacional e projetando poder para além de suas fronteiras, a Europa encontra-se na defensiva, tentando administrar e conter o peso de China, EUA e Rússia dentro e ao redor de seu território. Esse fenômeno, apelidado de “corrida pela Europa” por analistas como Gideon Rachman, no Financial Times, reflete o novo cenário em que atores de fora disputam influência no continente. A dificuldade europeia de responder à altura à invasão russa à Ucrânia, à concorrência tecnológica chinesa e às tarifas dos EUA são reflexo de sua atual fragilidade e divisão interna.

A lei é definitiva, até mudar, por Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

O arranjo é conhecido há décadas: o vencimento básico fica abaixo do teto, mas aí se somam os penduricalhos

À primeira vista, parece não existir qualquer exagero ou problema econômico na remuneração dos servidores públicos. Desses, segundo um estudo por amostragem, apenas 1,34% recebem acima do teto constitucional de exatos R$ 46.336,19 mensais. Haveria aí, no máximo, um problema moral — a desigualdade salarial dentro do funcionalismo —, mas nenhum dano econômico substantivo para as finanças do país.

É verdade que existe um problema moral nessa história —, mas não é a desigualdade. Ou, pelo menos, a desigualdade não é o principal desequilíbrio. A verdadeira questão aparece numa segunda vista, quando se olha quem recebe as remunerações acima do teto. São principalmente os juízes — cuja função é fazer cumprir as leis.

Tornozeleira fala, por Miguel de Almeida

O Globo

Muitos ouvem vozes. São sintomas da democracia. Até escolher mal faz parte

Quando escrevi aqui que Bolsonaro parecia ouvir vozes, leitores me condenaram. Não direi felizmente, mas agora ele mesmo confessou o fato ao tentar romper a tornozeleira. Acreditou que o aparelho emitisse mensagens — talvez alienígenas. Dá para entender, enfim, a lógica por trás de seus seguidores e de hábitos tão estranhos quanto ajoelhar-se e rezar para um pneu.

Nesse cenário existem dois atores — o ex-presidente e seus simpatizantes radicais. A mão e a luva. O político não existiria sem eles. Suas parvoíces, insultos e preconceitos encontram eco — e voto — numa parcela da população.

O capitão deu rosto ao “tiozão do zap”, o personagem doméstico que repassa fake news e tem opinião até sobre embargos infringentes. O tiozão pode ser o tio, o cunhado ou aquele parente que nunca se interessou por política. Claro que é um comportamento importante, porque traz ao debate público personagens ausentes. Mobiliza.

Reparação racial é necessária, por Irapuã Santana

O Globo

Não se trata só de reconhecer o racismo, mas de efetivar a responsabilidade civil do Estado de forma concreta

O STF retomou recentemente o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 973, ação que traz à luz o debate imprescindível sobre as violações maciças de direitos da população negra no Brasil.

Nesse cenário, é imperativo iniciar a análise com um justo e necessário elogio à postura do ministro Luiz Fux, cujo voto demonstrou sensibilidade ímpar e compromisso republicano ao reconhecer a omissão histórica do Estado brasileiro no enfrentamento ao racismo.

O ministro, com a dignidade que o cargo exige, não se furtou a diagnosticar a gravidade do cenário, denunciando medidas que visaram a impor à população negra um ciclo perverso de exclusão e violência, tornando sua relatoria um marco de reconhecimento institucional que merece todos os aplausos da sociedade civil e trazendo um filtro antidiscriminatório ao Direito Constitucional brasileiro, que servirá de estudo para as futuras gerações.

O apoio silencioso que pode virar o jogo a favor de Messias no Senado, por Malu Gaspar

O Globo

Enquanto mapeiam votos e fazem as costuras políticas no Senado, aliados de Jorge Messias acreditam que ele vá contar com um apoio importante, mas silencioso, na batalha para driblar a resistência do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e conseguir os 41 votos necessários para confirmar a sua indicação para o Supremo Tribunal Federal (STF).

Pelo menos cinco aliados de Messias ouvidos reservadamente pelo blog calculam que muitos senadores evangélicos, inclusive os bolsonaristas, podem votar favoravelmente mesmo que nunca admitam em público.

A análise da indicação de Messias está marcada para o próximo dia 10 e o voto é secreto, o que abre margem para traições de todos os lados.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

PL do devedor contumaz merece tramitação célere

Por O Globo 

Proposta só avançou depois de operações contra PCC e Refit. Não é preciso esperar outra para aprová-la

Foi preciso autoridades estaduais e federais deflagarem a megaoperação contra o grupo do setor de combustíveis Refit, apontado como maior sonegador do país, para que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciasse o relator do projeto de combate a devedores contumazes, deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP). Espera-se que não haja mais procrastinação. É inaceitável que empresas usem a inadimplência fiscal como estratégia de negócio, deixando de pagar impostos de forma intencional e reiterada para levar vantagem sobre a concorrência.

A proposta cria o Código de Defesa do Contribuinte para coibir a atuação de fraudadores. De autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ela toma o cuidado de não atingir empreendedores de boa-fé em dificuldades financeiras. Não será afetado quem tiver aderido a programas de regularização com o Fisco ou questione a dívida nas esferas administrativa ou judicial, tendo apresentado garantias ou amparado por teses de repercussão geral.

Democracia parece valor secundário para parte da elite política brasileira, por Lara Mesquita

Folha de S. Paulo

Punição a golpistas convive com um eleitorado disposto a flexibilizar a defesa da democracia e aceitar desvios autoritários

Racionalidade semelhante orienta setores da elite política de oposição ao governo Lula, ainda que não necessariamente bolsonaristas

A recente condenação e prisão de um ex-presidente e de militares de alta patente por planejarem e tentarem derrubar o regime democrático brasileiro deveria revigorar nossas esperanças na resiliência da democracia.

Ainda assim, esse tipo de evidência judicial e institucional precisa ser interpretado com cautela, pois pesquisas mostram que eleitores podem relativizar princípios democráticos quando outros valores pesam mais.

Pesquisas de opinião reforçam essa impressão. Levantamento do Datafolha realizado a pedido da OAB mostra que 74% dos entrevistados afirmaram que a democracia é sempre melhor que qualquer forma de governo, sugerindo um consenso normativo em torno da democracia.

O que não mata a democracia a fortalece? Por Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

A punição aos envolvidos no complô terá efeito dissuasório; mas, isso já ocorrera porque o desfecho foi o não evento

O que teria ocorrido sob o contrafactual do encarceramento de Getúlio após o Estado Novo?

Mitrídates 6º foi rei do Reino do Ponto, um estado localizado no norte da Anatólia. Seu pai, Mitrídates 5º, governou o Ponto até ser assassinado por envenenamento. Temendo sofrer destino semelhante, Mitrídates 6º passou a ingerir diariamente pequenas doses de diferentes tipos de veneno como forma de desenvolver tolerância. Ironicamente, essa estratégia teve consequências inesperadas: ao tentar suicidar-se após a invasão do Ponto pelo Império Romano, não teve sucesso devido ao elevado grau de imunidade que havia adquirido. O que o levou a ordenar que um guarda o assassinasse.

A prática deu origem ao termo "mitridização", o processo pelo qual organismos vivos, mediante exposição contínua e crescente a determinadas toxinas, desenvolvem resistência ou imunidade a elas. Trata-se de um mecanismo baseado na sensibilização progressiva e na produção de defesas específicas contra o agente tóxico.

Congresso é a maior fonte de risco fiscal antes das eleições, por Silvio Cascione

O Estado de S. Paulo

Pautas-bomba surgem de repente, e é difícil prever o próximo movimento e quanto ele custará

O maior risco fiscal antes das eleições de 2026 não vem do Poder Executivo, mas do Congresso. Iniciativas legislativas de forte apelo social e alto custo têm avançado sem coordenação com a equipe econômica e sem indicação de fontes de financiamento. A mais emblemática é o PLP 185, aprovado por larga maioria no Senado, que cria aposentadoria especial com integralidade e paridade para agentes comunitários de saúde e de combate a endemias. Trata-se de um debate legítimo sobre o papel central desses profissionais no SUS, mas que hoje é instrumentalizado politicamente para impor uma derrota ao governo, num momento em que as tensões entre Planalto e Congresso são mais visíveis.

Eu gostaria de saber o que está acontecendo com o Brasil, por Ivan Alves Filho

“Se todos quisermos, poderemos fazer deste país uma grande nação. Vamos fazê-la”. Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes

Eu gostaria de saber o que está acontecendo com o Brasil uma vez que apresentamos quase quarenta cinco mil assassinatos por ano. 

Eu gostaria de saber o que está acontecendo com o Brasil quando os dados apontam que existem cerca de trinta e cinco mil acidentes fatais de trânsito anualmente. 

Eu gostaria de saber o que está acontecendo com o Brasil quando, entre as 20 cidades mais perigosas do mundo, duas são brasileiras, a saber, Rio de Janeiro e São Paulo.

Eu gostaria de saber o que está acontecendo com o Brasil quando duplicamos, em 15 anos, se tanto, o número de pessoas morando em favelas, hoje em torno de 16 milhões de brasileiros.

Poesia | Poema em linha reta, de Fernando Pessoa

 

Música | Roberta Sá e Zeca Pagodinho - Pago pra ver (Nelson Rufino e Toninho Geraes)

 

domingo, 30 de novembro de 2025

Opinião do dia - Norberto Bobbio* (Democracia)

“Na memória histórica dos povos europeus, a democracia apresenta-se pela primeira vez através da imagem da agorá ateniense, a assembleia ao ar livre onde se reúnem os cidadãos para ouvir os oradores e então expressar sua opinião erguendo a mão. Na passagem da democracia direta para a democracia representativa (da democracia dos antigos para a democracia dos modernos), desaparece a praça, mas não a exigência de “visibilidade” do poder, que passa a ser satisfeita de outra maneira, com a publicidade das sessões do parlamento, com a formação de uma opinião pública através do exercício da liberdade de imprensa, com a solicitação dirigida aos líderes políticos de que façam suas declarações através dos meios de comunicação de massa.”

*Norberto Bobbio (1909-2004), filósofo político, historiador do pensamento político, escritor e senador vitalício italiano. Teoria Geral da Política - A Filosofia Política e as Lições dos Clássicos. P.387.Editora Campus, Rio de Janeiro. 2000.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Supersalários são combustível da desigualdade

Por O Globo

Remuneração acima do teto recebida pela elite do funcionalismo custa R$ 20 bilhões ao ano, conclui estudo

Não é surpreendente, mas nem por isso deixa de ser estarrecedor o quadro exposto pelo estudo a respeito de supersalários no poder público realizado pelo pesquisador Sérgio Guedes-Reis para as organizações da sociedade civil República.org e Movimento Pessoas à Frente. O gasto brasileiro com pagamentos acima do teto salarial estipulado na Constituição somou nada menos que R$ 20 bilhões entre agosto de 2024 e julho deste ano — ou dois terços do que o governo busca para cumprir a meta fiscal do ano que vem. Por qualquer parâmetro, o Brasil é o país que mais gasta com a elite do funcionalismo numa amostra de 11 países.

O gasto brasileiro com supersalários — cerca de US$ 8 bilhões pelo critério de conversão adotado — equivale a 21 vezes o que gasta a Argentina, segundo país com mais pagamentos acima do teto. Depois vêm Estados Unidos e México,únicos com gastos acima de US$ 200 milhões. França, Itália, Colômbia, Portugal e Alemanha despendem menos de US$ 4,2 milhões, ao redor de 0,05% do total brasileiro. A distorção é tão grande que o excedente do teto constitucional pago no Brasil a 40 mil servidores públicos daria para financiar um salário mensal de R$ 2.200 a 9,1 milhões de brasileiros — ou 18,8% dos empregados com carteira assinada.

Crise de lógica, por Merval Pereira

O Globo

Para punir o governo, a Câmara aprovou o projeto que concede gratificação especial para agentes de saúde, sem dizer de onde vai sair o dinheiro.

A escolha pelo eleitor de candidatos a deputado estadual ou federal deveria ser feita pelo partido ou coligação de que ele participa, e não por suas qualidades pessoais. Essa escolha pessoal serve mais para as disputas majoritárias, especialmente Governador ou presidente da República. Se o eleitor desse prioridade à organização partidária, tenderia a votar para dar aos candidatos majoritários o apoio necessário para que governassem. Se as legendas partidárias significassem alguma coisa lógica com seu programa oficial, não aceitariam certos candidatos, por fragilidade moral ou desencontro ideológico. Mas o que importa é o voto na urna, que aumenta os fundos de financiamento.

No Brasil, dificilmente o governante tem a maioria na Câmara dos Deputados ou na Assembleia Legislativa. Esse desencontro obriga a que o candidato majoritário eleito tenha que fazer alianças fora de seu arco partidário, o que invariavelmente inclui acordos com parlamentares de campos opostos, e mesmo distintos ideologicamente. Esses acordos são regidos por interesses pessoais, que desvirtuam o sentido da coalizão partidária estendida, muitas vezes sem nenhuma lógica.

O Congresso não derrotou o governo. Derrotou o país, por Míriam Leitão

O Globo

Na semana em que o Brasil puniu golpistas pela primeira vez, parlamentares impõem um retrocessos brutal, com ameaças ao meio ambiente

A democracia brasileira não permite descanso. Na mesma semana em que o Brasil atravessou uma fronteira histórica para fortalecer os pilares do regime das liberdades, o Congresso humilha o país mostrando que é capaz de tudo para atender a interesses menores. Não foi o governo que o Congresso derrotou com suas pautas-bomba e destruição das leis de proteção ambiental e do patrimônio histórico. Foi o país.

O Brasil nunca havia punido golpistas. Passou toda a história republicana assombrado por golpes, tentativas de golpes, quarteladas e pela ideia dos militares de que lhes cabia tutelar o poder civil. Prender generais e um ex-presidente condenados após o devido processo legal por tentativa de golpe é um passo gigante. Os que têm a democracia como valor supremo poderiam, quem sabe, depois disso, descansar um pouco da grande batalha.

As encrencas de Augusto Heleno, por Elio Gaspari

O Globo

O general Augusto Heleno, condenado a 21 anos de prisão, revelou durante um exame médico que convive com o mal de Alzheimer desde 2018. Um ano depois desse diagnóstico, ele passou a ocupar a chefia do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

A trama golpista de 2022/2023 não foi a única encrenca pela qual Augusto Heleno passou. Na manhã de 21 de outubro de 1977, o capitão Augusto Heleno era ajudante de ordens do ministro do Exército, general Sylvio Frota, que acabara de ser demitido pelo presidente Ernesto Geisel. Por volta das 10 horas da manhã, do carro de seu chefe tentou telefonar para o general Fernando Bethlem, comandante das guarnições do Sul, convocando-o para reunião do Alto Comando na qual Frota pretendia emparedar Geisel. Não o achou, pois Bethlem foi para o Palácio do Planalto, onde recebeu o convite para assumir o ministério.

Um ano depois, Augusto Heleno era vigiado pelo Serviço Nacional de Informações: “Vale lembrar que o capitão de cavalaria Augusto Heleno, ex-ajudante de ordens do general Sylvio Frota e que com o mesmo continua a manter estreita ligação, e o capitão de infantaria paraquedista Burnier (filho do brigadeiro Burnier) e ligado ao general Hugo Abreu, irão cursar a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais.”

Homens ocos, por Dorrit Harazim

O Globo

Melhor sair logo da escuridão e da indignação fácil. E encarar quem somos nós, que aceitamos o que vemos

Três meses atrás, no Festival de Veneza, a estreia mundial do filme “A voz de Hind Rajab” recebeu ovação histórica de 23 minutos. A diretora tunisiana desse longa híbrido acredita que ele consiga ser um dos favoritos ao Oscar de Melhor Filme Internacional em março de 2026. Ele reconstitui as últimas horas de vida da menina palestina Hind, de 6 anos, passadas dentro de um automóvel que acabara de ser perfurado por 335 disparos. O tio, a tia e três primos espremidos nos dois bancos do carro familiar foram morrendo a seu lado. E a menina, agora sozinha, aciona o número de emergência do Crescente Vermelho que toda criança ou adulto de Gaza sabe de cor. A voz infantil tem urgência adulta e é indelével:

— Estou com medo, por favor, venham.

O fato ocorreu em 29 de janeiro de 2024. Como se sabe hoje, ninguém veio —ou melhor, os dois socorristas que tentaram chegar até Hind de ambulância foram igualmente metralhados pelas Forças de Defesa de Israel (FDI). O conjunto de corpos em carcaças retorcidas ali ficou por 12 dias até ser recolhido.

A Igreja dos pobres, por Bernardo Mello Franco

O Globo

Movimento chacoalhou a América Latina ao aproximar o catolicismo das lutas populares

No fim dos anos 1970, os militares que mandavam em El Salvador adotaram um lema macabro: “Seja patriota, mate um padre”. O país era refém da miséria e da ditadura. Na ausência de uma oposição livre, a tarefa de defender os mais vulneráveis sobrava para a Igreja Católica.

O arcebispo de San Salvador, dom Óscar Romero, era a face pública da resistência. Chamado de “porta-voz dos que não têm voz”, notabilizou-se por criticar a violência do regime e defender uma Igreja solidária aos pobres. Em março de 1980, foi assassinado em plena missa por um atirador do Exército.

Um novo ciclo político se abre diante de uma onda reacionária global, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Mas falta direção estratégica. Falta o movimento político mais profundo do que a agitação radical, que permita avançar na modernização em bases democráticas

A percepção de que há uma corrida mundial para reinventar o Estado não é nova, mas nunca foi tão flagrante e urgente. As mutações tecnológicas, a reconfiguração das subjetividades na chamada “sociedade líquida” e a crise dos mecanismos tradicionais de representação, como os partidos, o parlamento e a imprensa, colocaram os países diante de escolhas dramáticas. No turbilhão, democracias representativas parecem correr atrás dos acontecimentos, enquanto regimes autoritários, por concentrarem poder, reprimir dissensos e eliminar freios e contrapesos, conseguem produzir respostas mais rápidas e, em certos casos, mais eficazes à necessidade de modernização.

A Arábia Saudita talvez seja o exemplo mais eloquente dessa contradição: moderniza sua economia com velocidade quase futurista, mas à custa de liberdades civis, participação política e direitos humanos. Já no Ocidente, democracias centrais como a França se contorcem diante da pressão das ruas, da polarização ideológica, da erosão de partidos tradicionais e da incapacidade de produzir reformas que mobilizem consenso.

Chega de intermediários! Por Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Grande vitorioso com a prisão de Bolsonaro, Centrão se torna principal adversário de Lula

O grande vitorioso com a prisão de Jair Bolsonaro é o Centrão, que se descola do ex-presidente e pega em armas contra o presidente Lula no Congresso para fazer jus ao próprio apelido, tornar-se alternativa à polarização política e aventurar-se por mares nunca dantes navegados: a disputa da Presidência da República. Chega de intermediários! É hora de candidatos próprios.

Assim, o grande adversário de Lula em 2026 deixa de ser o bolsonarismo e passa a ser o Centrão, que nada mais é do que direitão e ocupa o vácuo eleitoral criado pela prisão, soluços e delírios de Jair Bolsonaro, a beligerância antipatriótica de Eduardo Bolsonaro e o salve-se quem puder na turma e na família.

Hora de pensar no interesse nacional, por Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Trump elevou de 25% para 50% a tarifa sobre a Índia por causa da importação do petróleo russo

A fragilidade da ordem mundial se tornou ainda mais evidente nos últimos dias, com as tensões entre China e Japão e os obstáculos a um cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia. O Brasil importa 90% dos fertilizantes que consome, dos quais 25% vêm da Rússia e 20% da China.

Estudo do Insper Agro Global lista os riscos comerciais, geopolíticos e logísticos dessa dependência. O Brasil, cuja economia é fortemente impulsionada pelo agronegócio, responde por 23% das importações mundiais de fertilizantes. Dessa maneira, a economia fica exposta às variações de preços, que dependem diretamente do custo do gás e do carvão. De 2020 para cá, a energia subiu 105% e os fertilizantes, 129%.

A urgência do crescimento, por Ana Paula Vescovi*

Folha de S. Paulo

Brasil precisa criar consensos mínimos, capazes de orientar reformas

Falta engajar a sociedade no desafio de crescer mais e de modo sustentado

Europa discute um dos temas mais relevantes desde a criação da União Europeia. O relatório Draghi e o estudo da London School of Economics recolocaram no centro da agenda uma pergunta que deveria ser simples, mas que raramente recebe respostas claras: o que precisa ser feito para que o continente volte a crescer de forma sustentada? A partir disso, formou-se algo novo: os movimentos em busca de um consenso de longo prazo, capaz de sobreviver a governos, orientar investimentos estratégicos e manter a coesão entre os países.

O diagnóstico europeu claramente é que, sem crescimento, não há como financiar a transição energética, a defesa do continente, lidar com o envelhecimento populacional e garantir autonomia tecnológica em um mundo mais competitivo. Tudo passa por produtividade e inovação, integração de padrões industriais e segurança institucional. A região escolheu discutir um novo projeto; se vai prosperar, a história há de contar.

O Brasil com menos empregados domésticos, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Proporção de trabalhadores domésticos no total cai ao menor nível de que se tem registro

Mercado de trabalho vai bem, mas esfria; mulheres fogem de emprego na casa dos outros

Os empregados domésticos nunca foram tão poucos em relação ao total dos trabalhadores, ao menos desde 2012, desde quando há estatísticas comparáveis, e desconsiderados os números distorcidos da época da epidemia. Em outubro deste ano, eram 5,4% do total. Em março de 2012, eram 6,8% (e sempre mais de 6,3% até a Covid-19). Sim, mais de 1 de cada 20 pessoas ocupadas no país é doméstico. São 5,6 milhões, mas não atraem tanta atenção quanto os trabalhadores por aplicativo, 1,7 milhão. Continuam quase invisíveis no debate público —é secular.

São dados baseados na Pnad do IBGE. Dizem algo sobre mudanças no mundo do trabalho e até sobre a inflação e a taxa de juros do Banco Central.

Direita precisa se perguntar: valeu a pena? Por Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Graças a Bolsonaro, morreu todo o trabalho de décadas que PSDB e PFL fizeram para livrar a direita da associação com a ditadura militar

Bolsonarismo atrapalhou processo orgânico de crescimento de uma direita com enraizamento social

Agora que Jair está em cana, opa, calma aí, não consigo abandonar esse começo de frase ainda não, me deixe saborear, agora que o Jair está em cana, rapaz, que gostinho de justiça e bolo da vovó que sinto após dizer isso em voz alta.

Vou ter que dizer de novo, agora que o Jair está em cana, olha só, se o golpe tivesse dado certo, eu teria sido assassinado no pau-de-arara.

Se está achando ruim, vá ler outra coluna, quero mais é dizer de novo, agora que Jair está em cana por ter tentando roubar o voto dos pobres e usar as armas da República para matar seus adversários.

Desculpa, foram anos ouvindo gente dizer sem rir que o charlatão do Guedes era competente, mas OK, parei, agora que o Jair está em cana por ter tentado roubar o voto dos pobres e usar as armas da República para matar seus adversários, Vacina! Vacina!

Legalidade é o melhor remédio, por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

O histórico de escândalos nas altas esferas poderia colocar o país no lugar de paraíso de ilegalidades

A boa notícia é que desde a redemocratização muitas malfeitorias explodiram, mas várias foram implodidas

Quatro ex-presidentes presos, dois impeachments em 24 anos, cinco ex-governadores de um só estado (RJ) com passagens pela cadeia é um portfólio e tanto, para o bem e para o mal.

Diz muito sobre a conduta das autoridades, mas diz muito também sobre o histórico nacional de tolerância com os poderosos, não só da política estrito senso, como atividade profissional.

Até o início da década dos 1990, os barões do jogo do bicho no Rio de Janeiro eram tratados como celebridades, financiadores de campanhas eleitorais em cena aberta.

Uma gafe muito instrutiva, por Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Lapso verbal de Lula é acidente de percurso que deixa claro que o problema da droga é também de linguagem

As estruturas burocráticas de repressão travam uma guerra de enxugar gelo contra a narcocracia internacional

Todo homem de Estado comete gafes. O chanceler alemão Friedrich Merz disse estar "contente" por deixar Belém e retornar a seu país, que "é lindo". Fez feio. Em Bolsonaro, a frase "eu não sou estuprador, mas se fosse não iria estuprar porque ela não merece", a propósito de uma parlamentar, não é gafe, mas exposição de um "self" maligno: ele próprio foi uma gafe republicana.

Lula é reincidente. A sua última merece discussão por um possível mal-entendido. Ele deixou escapar algo como "traficante é vítima do usuário". Literalmente, a frase é um absurdo para o senso minimamente ciente do mal que o narcotráfico inflige à sociedade e às famílias. Cansaço ou falta de concentração prejudicam o processamento mental, levando a lapsos de linguagem.

Poesia | Não se mate, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Simone - O que será

 

sábado, 29 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Congresso promove retrocesso ao derrubar vetos de Lula

Por O Globo

Para atingir Executivo, Parlamento deteriora proteção ambiental e quadro fiscal. Maior derrotado é o Brasil

Congressistas podem ter mirado no governo, mas atingiram duramente o Brasil ao derrubar, na quinta-feira, vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva interpostos a dois projetos: o que muda regras de licenciamento ambiental e o que estabelece o Programa de Pleno Pagamento das Dívidas dos Estados (Propag). No primeiro, abriram a porteira à devastação do meio ambiente, mandando às favas qualquer preocupação com a preservação e ameaçando as metas ambientais brasileiras, logo depois do fim da COP30, em Belém. No segundo, beneficiaram estados endividados pondo em risco o equilíbrio das contas públicas. Em suma, um desserviço ao país.

Girando em falso, por Marco Aurélio Nogueira

O Estado de S. Paulo

A insistência em viver a disputa eleitoral como um choque entre polos enraivecidos dificulta que forças de mediação entrem em campo

Numa bela passagem de Minha Formação (1900), Joaquim Nabuco estampou um pensamento que permanece instigante mesmo depois de ter atravessado tempos e gerações. Escreveu: “Há duas espécies de movimento em política: um, de que fazemos parte supondo estar parados, como o movimento da Terra que não sentimos; outro, o movimento que parte de nós mesmos. Na política são poucos os que têm consciência do primeiro, no entanto esse é, talvez, o único que não é uma pura agitação”.

A frase famosa pode nos ajudar a refletir sobre o Brasil.

Fazemos parte da política que se movimenta, mas não supomos estar parados. Imaginamos estar na vanguarda dela, conduzindo-a. Na verdade, mais colidimos do que interagimos com ela. Os mais dinâmicos e espertos fazem da política uma via de ascensão. Nossa política é movimento permanente, desatento ao que importa.

Mutações não podem desvirtuar a essência da Constituição, por Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

Sistema político brasileiro passa por acentuado processo de mutação

Força está migrando para o Poder que tem menos confiança da população

O sistema político brasileiro vem passando por um acentuado processo de mutação no que se refere à relação entre os Poderes. Embora não se deva cravar que abandonamos o chamado presidencialismo de coalizão, fica cada vez mais claro que o presidente perdeu a posição de dominância em relação ao Legislativo, tornando-se cada vez mais dependente do equilíbrio de forças dentro do Supremo Tribunal Federal.

derrubada dos vetos presidenciais à nova lei de licenciamento ambiental e a ameaça de não ratificação da nomeação de Jorge Messias para o STF confirmam esse processo de realocação de forças, em que o Parlamento busca ao mesmo tempo impor maiores custos de governabilidade ao Executivo e reduzir a influência do Executivo na composição do Supremo. Afinal, o Supremo não apenas tem jurisdição criminal sobre os membros do Parlamento como também decide vários temas de interesse dos parlamentares.

Autoritarismo global se inspira nos EUA, por Fareed Zakaria

O Estado de S. Paulo

Suprema Corte permissiva e Congresso submisso transformam Executivo no terror da democracia

A presidência passou de um cargo modesto para uma superpresidência que centraliza poder

Em uma conversa com um amigo paquistanês, lamentei a recente decisão do Paquistão de conceder poderes ampliados ao chefe do exército, incluindo imunidade vitalícia contra processos judiciais. Meu amigo respondeu: “Estamos apenas seguindo os passos dos EUA. A Suprema Corte americana não decidiu que o presidente poderia assassinar seu oponente político e ainda assim ser imune a processos na Justiça?”

Se os Pais Fundadores dos EUA retornassem e analisassem seu legado, a presidência moderna sem dúvida seria algo que os surpreenderia. Eles projetaram o sistema político americano para fragmentar o poder. Eles estavam reagindo contra uma monarquia e a “acumulação de todos os poderes nas mesmas mãos” (Federalista n.º 47).

Bolsonarismo arrefece, e aliados já cogitam Tarcísio sem Bolsonaro, por Thaís Oyama

O Globo

Aliados começam a semear a ideia de convencer governador a se candidatar sem o apoio do ex-presidente

‘Se for o Macaco Tião contra Lula, eu prefiro o Macaco Tião.’ Com a frase, o deputado Eduardo Bolsonaro, líder do bolsonarismo selvagem, reiterou ontem o que havia dito dias antes em entrevista ao UOL: não descarta apoiar uma eventual candidatura do governador Tarcísio de Freitas ao Planalto, ainda que no contexto de um segundo turno.

— Se o Tarcísio for esse candidato [contra Lula], a gente vai acabar falando, sim, de Tarcísio de Freitas — disse.

Ninguém arrisca um pão com leite condensado na garantia de que a afirmação do deputado se sustentará. Mas merece atenção ela ter sido feita num momento em que uma conjuntura inédita se desenha.

De um lado, pesquisas mostram o arrefecimento do apoio popular a Jair Bolsonaro, definitivamente preso e reduzido de Mito a “seu Jair” — por obra da delicadeza de uma policial penal que, ao analisar a calcinada tornozeleira eletrônica do ex-presidente, dirigiu-lhe o tratamento benevolente que se costuma dar a pessoas idosas e frágeis quando fazem algo que não deveriam. Do lado de Tarcísio, o vetor aponta para a direção oposta. Em fase animada, ele retoma suas falas de presidenciável e prospecta cenários para avaliar que nome daria um bom vice.