Valor Econômico
Três posturas diferentes são esperadas dos EUA nas organizações internacionais a partir de agora
O desdém de Donald Trump por alianças
multilaterais e seu desejo de mudar unilateralmente as regras do jogo, conforme
a exclusiva conveniência dos Estados Unidos, deverão causar mais turbulências
na cena global.
Em meio a questões cruciais como mudança
climática, crises humanitária e de saúde, mais desigualdade econômica,
inteligência artificial, nos últimos tempos começaram a aparecer tentativas de
criação de foros plurilaterais (reunindo um certo número de países) para
negociar entendimentos e depois tentar expandi-los multilateralmente.
Agora, é preciso ver como isso pode ainda
ocorrer com a postura isolacionista e imperial de Trump 2.0.
Pode-se esperar pelo menos três tipos de postura do líder do ‘Make America Great Again’ envolvendo governança global multilateral.
Primeiro, o governo Trump vai ser mais
agressivo em algumas organizações internacionais. Começou com a saída americana
da Organização Mundial da Saúde (OMS) e também do Acordo do Clima de Paris. A
Agenda 2030 da ONU (reduzir a pobreza e permitir uma transição verde para
desenvolvimento sustentável) será atingida, assim como questões de gênero.
Regras serão negligenciadas, ausências americanas serão sentidas em reuniões
cruciais e agendas serão pressionadas a serem alteradas.
Segundo, no ‘miolo’, ou seja, na maior parte
das organizações internacionais, Trump manterá o funcionamento básico mas sem
dar-lhes importância. A expectativa é que a área de segurança, incluindo o
Conselho de Segurança das Nações Unidas e toda a parte de operações de paz em
torno do mundo vão continuar ativos, mas sem meios de agir realmente. Uma
reforma para aumentar o número de membros do Conselho de Segurança da ONU,
incluindo países como Brasil, Japão, India e Alemanha, não tem a menor chance
de prosperar nos próximos quatro anos. A própria ideia do governo Lula de a ONU
organizar em setembro uma conferencia de revisão da Carta das Nações Unidas
parece comprometida.
Em algumas organizações técnicas como a União
Internacional de Telecomunicações (UIT) e a Organização Mundial de Propriedade
Intelectual (OMPI), o governo Trump será mais agressivo para reconquistar
influencia perdida para os chineses.
Terceiro, os EUA vão buscar instrumentalizar
mais várias organizações e agencias da ONU em conformidade com seu "Make
America Great Again" (MAGA, façam os EUA grandes novamente). Em boa parte
delas, a grande fatia do orçamento, de 50% a até 80%, vem de contribuições
voluntárias dos países para projetos específicos. A expectativa é que o governo
Trump buscará redirecionar programas da Unicef e da FAO (agência da ONU para
Agricultura e Alimentação), por exemplo. Também o Alto Comissariado para Refugiados
está na mira, para manter imigrantes perto de seus locais de saída, em vez de
tentarem chegar perto das fronteiras americanas.
Rapidamente, organizações internacionais
buscam se adaptar à disrupção trumpiana. O diretor-geral da FAO, um chinês,
baixou esta semana ordem de reduzir o custo de pessoal em 10%, primeiro não
preenchendo vagas que estavam abertas.
A OCDE busca como se acomodar usando a
experiencia com Trump 1.0, podendo diminuir agendas como de gênero ou de
liberdade de expressão – mas que não vão desparecer, graças ao posicionamento
da social-democracia europeia.
Até onde irá o antimultilateralismo trumpiano
sobre regulação de Inteligência Artificial, o evento mais transformador da
humanidade daqui para a frente? Até que ponto vai tentar fazer tudo sozinho?
Até agora, o fato é que os EUA já com Joe Biden na competição tecnológica com a
China vem trabalhando para manter liderança na corrida global de IA e limitar o
espaço para Pequim.
Na área comercial, até agora Trump 2.0
ignorou a Organização Mundial do Comércio (OMC) e não cessa de ameaçar o mundo
com tarifas unilaterais. Se o novo governo demorar até dois anos para nomear um
embaixador para a OMC, será um alívio. Se nomeá-lo rapidamente, pode-se temer o
pior. A diretora-geral, Ngozi Iweala-Okonjo, ao se juntar a países africanos
para ser reeleita, três meses antes da eleição presidencial nos EUA, deixou a
OMC ameaçada, porque sabia do bloqueio de Trump contra ela já no primeiro mandato.
Em regras comerciais, Trump 2.0 não
surpreenderá ninguém se buscar construir regras sem que o peso dos EUA seja
diluído por bloqueios. Isso provavelmente não ocorrerá na OMC e tampouco na
OCDE. E vai negociar sob suas bases concentrado em conter a expansão chinesa.
Elise Stefanik, nomeada por Trump para ser a
embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, fala em reforma do órgão mundial e de
suas agencias para combater o que descreve como crescente influência chinesa na
ONU e no mundo e preconceito anti-Israel.
Em junho, a ONU vai organizar uma assembleia
em Nova York para discutir a solução de dois Estados para uma tentativa de
solução do conflito israelo-palestino. O que vai acontecer dependerá da própria
situação no terreno e do posicionamento do governo Trump que evidentemente será
crucial. Os palestinos insistem na implementação de recomendações da Corte
Internacional de Justiça, de que Israel precisa sair dos territórios ocupados e
para países não importarem produtos vindos da das colonias.
Stefanik, futura embaixadora americana na
ONU, tem se posicionado ao lado de políticos israelenses de extrema direita que
afirmam que Israel tem um direito bíblico à Cisjordania.
Em 2026, com um ano no governo, Donald Trump
vai presidir o G20, o principal grupo da governança economica global. Até lá,
os parceiros vão estar digerindo sua ameaça de aceitarem suas exigências ou
enfrentarem as consequências.
Para o professor Gilles Grassani, de
faculdade Sciences Po, de Paris, depois da “globalização feliz” podemos estar
testemunhando a uma especie de “vassalagem feliz” -- ele fala de Europa, mas
vale para todo mundo. Isso envolve "um acordo particularmente perturbador,
tão assimétrico, transacional e unilateral parece ser a troca: obediência e
recusa de qualquer autonomia, em troca de uma forma de proteção contra a
agressão imperial".
Nesse novo regime, a inovação tecnológica e a
extrema concentração de riqueza são combinadas com uma soberania expansiva e
militarizada e uma política agressiva de proteção da identidade, escreveu ele
no jornal "Le Monde", de Paris. "Em meio à vertigem das
transformações radicais que deveríamos estar acompanhando, esse alinhamento
promete uma forma de estabilidade para sistemas políticos sem direção, ao custo
de uma vítima colateral: nossa soberania."
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