Valor Econômico
Mais além dos prejuízos específicos que afetaram o mercado de pagamentos, a hesitação e tibieza com que o governo tratou do assunto deixou claro não apenas sua desorganização interna quanto sua vulnerabilidade a pressões
O vai e vem do governo Lula no caso da Instrução Normativa 2219/2024 da Receita Federal, que valeria a partir de 1º de janeiro do corrente ano, indica não apenas óbvias falhas de comunicação do governo, mas também o poder das “fake news” sobre a grande massa de brasileiros, carentes de educação financeira e ainda marcada pelas barbaridades cometidas no passado, como o Plano Collor e a tributação das transações financeiras, como a famigerada e felizmente extinta CPMF.
Como se sabe, o citado normativo da Receita
previa a obrigatoriedade de operadoras de cartões de crédito e instituições
financeiras de reportarem semestralmente dados sobre transações via Pix e
cartões de crédito, que ultrapassem R$ 5 mil por mês para pessoa física e R$ 15
mil para a pessoa jurídica. Nada em seu texto falava em “tributar as transações
via Pix”, mas, ainda assim, o assunto virou uma comoção nacional, a partir de
interpretações maliciosas e de cunho eminentemente político que foram amplamente
divulgadas nas redes sociais.
Na realidade, a mencionada IN tratava apenas
da atualização das regras de monitoramento de transações financeiras pela
Receita Federal, lembrando que a obrigatoriedade da prestação de informações
relativas às operações financeiras para o fisco já existe desde 2003 (durante o
primeiro mandato de Lula). Até o ano passado, a Receita recebia informação de
movimentação a partir de R$ 2 mil de pessoa física e R$ 6 mil de pessoa
jurídica e com a instrução nova, a partir de 2025, a Receita receberia
informações de movimentação a partir de R$ 5 mil para pessoa física e R$ 15 mil
de pessoa jurídica, incluindo, como novidade, alguns outros instrumentos
financeiros como o Pix, que não existiam quando a norma original foi editada.
O maior absurdo de tudo isso, a meu ver, foi
a revogação intempestiva e inoportuna pelo governo da IN 2219/2024, em resposta
a uma gritaria totalmente despida de base fática. Além de o texto do normativo
não tratar em lugar nenhum da criação de imposto sobre o Pix, qualquer pessoa
medianamente informada deveria saber que a competência para instituição de
tributos, observados os limites constitucionais, é do Poder Legislativo e não
do ministro da Fazenda. Teria sido muito mais razoável que o governo tivesse esclarecido
o público a respeito do assunto, por meio de uma campanha bem concebida e
seriamente executada.
Um outro aspecto no mínimo curioso da
campanha da oposição contra uma fictícia tributação do Pix foi a de se esquecer
que Paulo Guedes, ex-ministro da Economia no governo Bolsonaro, tinha sido um
grande defensor da tributação sobre as transações financeiras, tendo chegado a
dizer que “as pessoas são contra esse imposto por causa da economia de drogas,
de corrupção e do tráfico de armas”, declaração feita em evento público,
repercutida pela imprensa em julho de 2021. Vale acrescentar que o próprio
Bolsonaro também manifestara na época, em várias ocasiões, apoio a um imposto
sobre transações financeiras que viria para desonerar a folha de pagamentos.
Vulnerabilidade do governo a pressões eleva a
percepção que teremos adiante um crescendo de medidas populistas
Aliás, no Brasil, a ideia recorrente e
equivocada de recriar um tributo sobre transações financeiras tipo CPMF não é
monopólio nem da esquerda nem da direita. Por exemplo, em fevereiro de 2016, a
então presidente Dilma defendeu explicitamente a recriação da CPMF em discurso
proferido perante o Congresso Nacional. Na ocasião, Lula deu várias entrevistas
apoiando a medida, conforme farto noticiário da época. Felizmente, em relação
ao tema, o Congresso Nacional tem mostrado muito mais juízo dos que os presidentes
da República.
O pior de tudo é que essa bizarra celeuma
sobre a tributação do Pix vem quando inovações tecnológicas têm trazido
profundas inovações sobre o sistema de pagamentos, entre as quais se destaca no
Brasil o Pix. O Banco Central prepara-se para lançar sua moeda digital, o Drex,
e milhares de brasileiros já se utilizam de criptomoedas em transações ou como
investimento especulativo. Nesse contexto, a equivocada ideia de um tributo
sobre transações financeiras já deveria estar enterrada há muito tempo. Aliás, o
lançamento do Drex, seguindo o cronograma original do Banco Central, pode ter
sido prejudicado por essa celeuma inútil em torno do Pix.
Mais além dos prejuízos específicos que
afetaram o mercado de pagamentos, a hesitação e tibieza com que o governo
tratou do assunto deixou claro não apenas sua desorganização interna quanto sua
vulnerabilidade a pressões, já que aparentemente seu único objetivo é preservar
a popularidade de Lula para enfrentar a disputa eleitoral em 2026.
No contexto em que os investidores já estão
descrentes de vontade e capacidade do governo ter uma política fiscal
responsável, a ideia de sua vulnerabilidade a pressões, inclusive a toscas
“fake news”, eleva a percepção de que nos próximos meses estaremos diante um
crescendo de medidas populistas nos campos fiscal, monetário e creditício,
altamente prejudiciais à economia brasileira.
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