segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

O bizarro episódio do ‘imposto sobre o Pix’ - Gustavo Loyola

Valor Econômico

Mais além dos prejuízos específicos que afetaram o mercado de pagamentos, a hesitação e tibieza com que o governo tratou do assunto deixou claro não apenas sua desorganização interna quanto sua vulnerabilidade a pressões

O vai e vem do governo Lula no caso da Instrução Normativa 2219/2024 da Receita Federal, que valeria a partir de 1º de janeiro do corrente ano, indica não apenas óbvias falhas de comunicação do governo, mas também o poder das “fake news” sobre a grande massa de brasileiros, carentes de educação financeira e ainda marcada pelas barbaridades cometidas no passado, como o Plano Collor e a tributação das transações financeiras, como a famigerada e felizmente extinta CPMF.

Como se sabe, o citado normativo da Receita previa a obrigatoriedade de operadoras de cartões de crédito e instituições financeiras de reportarem semestralmente dados sobre transações via Pix e cartões de crédito, que ultrapassem R$ 5 mil por mês para pessoa física e R$ 15 mil para a pessoa jurídica. Nada em seu texto falava em “tributar as transações via Pix”, mas, ainda assim, o assunto virou uma comoção nacional, a partir de interpretações maliciosas e de cunho eminentemente político que foram amplamente divulgadas nas redes sociais.

Na realidade, a mencionada IN tratava apenas da atualização das regras de monitoramento de transações financeiras pela Receita Federal, lembrando que a obrigatoriedade da prestação de informações relativas às operações financeiras para o fisco já existe desde 2003 (durante o primeiro mandato de Lula). Até o ano passado, a Receita recebia informação de movimentação a partir de R$ 2 mil de pessoa física e R$ 6 mil de pessoa jurídica e com a instrução nova, a partir de 2025, a Receita receberia informações de movimentação a partir de R$ 5 mil para pessoa física e R$ 15 mil de pessoa jurídica, incluindo, como novidade, alguns outros instrumentos financeiros como o Pix, que não existiam quando a norma original foi editada.

O maior absurdo de tudo isso, a meu ver, foi a revogação intempestiva e inoportuna pelo governo da IN 2219/2024, em resposta a uma gritaria totalmente despida de base fática. Além de o texto do normativo não tratar em lugar nenhum da criação de imposto sobre o Pix, qualquer pessoa medianamente informada deveria saber que a competência para instituição de tributos, observados os limites constitucionais, é do Poder Legislativo e não do ministro da Fazenda. Teria sido muito mais razoável que o governo tivesse esclarecido o público a respeito do assunto, por meio de uma campanha bem concebida e seriamente executada.

Um outro aspecto no mínimo curioso da campanha da oposição contra uma fictícia tributação do Pix foi a de se esquecer que Paulo Guedes, ex-ministro da Economia no governo Bolsonaro, tinha sido um grande defensor da tributação sobre as transações financeiras, tendo chegado a dizer que “as pessoas são contra esse imposto por causa da economia de drogas, de corrupção e do tráfico de armas”, declaração feita em evento público, repercutida pela imprensa em julho de 2021. Vale acrescentar que o próprio Bolsonaro também manifestara na época, em várias ocasiões, apoio a um imposto sobre transações financeiras que viria para desonerar a folha de pagamentos.

Vulnerabilidade do governo a pressões eleva a percepção que teremos adiante um crescendo de medidas populistas

Aliás, no Brasil, a ideia recorrente e equivocada de recriar um tributo sobre transações financeiras tipo CPMF não é monopólio nem da esquerda nem da direita. Por exemplo, em fevereiro de 2016, a então presidente Dilma defendeu explicitamente a recriação da CPMF em discurso proferido perante o Congresso Nacional. Na ocasião, Lula deu várias entrevistas apoiando a medida, conforme farto noticiário da época. Felizmente, em relação ao tema, o Congresso Nacional tem mostrado muito mais juízo dos que os presidentes da República.

O pior de tudo é que essa bizarra celeuma sobre a tributação do Pix vem quando inovações tecnológicas têm trazido profundas inovações sobre o sistema de pagamentos, entre as quais se destaca no Brasil o Pix. O Banco Central prepara-se para lançar sua moeda digital, o Drex, e milhares de brasileiros já se utilizam de criptomoedas em transações ou como investimento especulativo. Nesse contexto, a equivocada ideia de um tributo sobre transações financeiras já deveria estar enterrada há muito tempo. Aliás, o lançamento do Drex, seguindo o cronograma original do Banco Central, pode ter sido prejudicado por essa celeuma inútil em torno do Pix.

Mais além dos prejuízos específicos que afetaram o mercado de pagamentos, a hesitação e tibieza com que o governo tratou do assunto deixou claro não apenas sua desorganização interna quanto sua vulnerabilidade a pressões, já que aparentemente seu único objetivo é preservar a popularidade de Lula para enfrentar a disputa eleitoral em 2026.

No contexto em que os investidores já estão descrentes de vontade e capacidade do governo ter uma política fiscal responsável, a ideia de sua vulnerabilidade a pressões, inclusive a toscas “fake news”, eleva a percepção de que nos próximos meses estaremos diante um crescendo de medidas populistas nos campos fiscal, monetário e creditício, altamente prejudiciais à economia brasileira.

 

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