Correio Braziliense
Essa indagação merece uma reflexão para além
da simples marcação de posição, de um lado ou de outro da polarização política
presente
Essa indagação tem sido cada vez mais comum
nas redes sociais e merece uma reflexão para além da simples marcação de
posição, de um lado ou de outro da polarização política presente.
Para tanto, vale a pena recorrer a uma afirmação de Rui Barbosa: "A pior democracia é preferível à melhor das ditaduras". Essa deve ser a premissa a balizar qualquer a análise que se faça sobre o atual cenário brasileiro, mas reconhecendo o que afirmou Winston Churchill: "Muitas formas de governo foram tentadas, e serão testadas neste mundo de pecado e aflição. Ninguém finge que a democracia é perfeita ou onisciente. De fato, diz-se que a democracia é a pior forma de governo exceto todas as outras formas que foram testadas de tempos em tempos".
Posto isso, vamos tratar de alguns aspectos.
O primeiro diz respeito à liberdade de expressão. É comum vermos apoiadores e
seguidores do ex-presidente, agora réu, vociferando que o país vive a ditadura
do Judiciário. Para essa parcela da sociedade, ela deveria ser ilimitada, como
acontece nos Estados Unidos, onde a Primeira Emenda garante que o governo não
pode impedir a liberdade de falar, escrever, imprimir quaisquer ideias. Já no
Brasil, a liberdade de expressão existe, sim, mas é mandatório respeitar os
limites estabelecidos pelo regramento legal (por exemplo, é crime defender
posições racistas ou homofóbicas).
Outro pilar democrático é o direito de ir e
vir, como previsto no inciso XV do Artigo 5º da Constituição Federal: "é
livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer
pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus
bens". Lamentavelmente, esse direito tem sido diariamente desrespeitado
pelo Estado e seus dirigentes, como mostram as reportagens cotidianas na mídia
e relatos na internet mostrando que uma parcela expressiva de brasileiros vive
sob a tutela violenta do crime organizado, sejam milícias ou traficantes, ou
mesmo uma aliança entre esses grupos, controlando territórios inteiros. Nesses
locais, o poder público não se faz presente e os moradores vivem em constante
estado de tensão emocional, consistindo em uma grave imperfeição de nossa
democracia.
No terreno da representação política, vivemos
um paradoxo. Se de um lado em 2026 completaremos 37 anos ininterruptos de
eleições gerais livres, com a população exercendo seu direito de escolher
mandatários, de outro convivemos com a realidade do orçamento secreto ou do
recém-aprovado aumento do número de cadeiras na Câmara Federal, revelando que a
maioria de nossos representantes coloca como prioridade trabalhar em causa
própria. Ao lado desses fatos, há os deletérios e revoltantes casos de
corrupção historicamente entranhados nas administrações públicas em todos os
poderes da República. Aqui também se revela uma falha no regime democrático
nacional.
Já em relação ao Judiciário, quando surgem as
matérias com denúncias recorrentes de casos envolvendo medidas tomadas para
benefício próprio, reagem atacando a liberdade de imprensa. O caso mais recente
aconteceu semana passada quando, em razão de uma reportagem do jornal Zero Hora
informando que a ex-presidente do TJ do Rio Grande do Sul havia recebido R$ 662
mil em abril de 2023, a juíza da 13ª Vara Cível de Porto Alegre condenou, em
primeira instância, a jornalista Rosane de Oliveira e o jornal ao
pagamento de R$ 600 mil por danos morais. No momento em que juízes,
desembargadores e ministros dos tribunais superiores adotam tal comportamento,
revelam outra deficiência de nosso regime.
Por tudo isso, não é surpreendente o
crescimento do número de pessoas que, movidas por um misto de indignação e
sentimento de impotência, questionam a validade de nossa democracia. As mais
altas autoridades nos Três Poderes republicanos, em todas as instâncias de
governança, têm a obrigação política e moral de, reconhecendo as mazelas
listadas acima, iniciarem um movimento de reversão do cenário instalado.
Importante ressaltar que algumas lideranças,
de diferentes perfis político, ideológico e partidário, já perceberam a
gravidade da situação e atuam para propor mudanças. Infelizmente, ainda estão
em minoria e, muitas vezes, suas vozes são abafadas por quem prefere a
lacração.
Por fim, respondo à pergunta do título
reafirmando que sim, vivemos em uma democracia, ainda que imperfeita, mas é bom
lembrar que o melhor antídoto contra as ideias autocráticas é garantir que o
Estado exerça suas funções precípuas, oferecendo serviços de qualidade em áreas
como segurança, saúde e educação.
*Orlando Thomé Cordeiro, consultor em
estratégia
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