Correio Braziliense
É hora de acabarmos com o ódio e marchamos
para uma convivência civilizada em que os nossos juízes, deputados e senadores,
tão atacados, se unam no interesse público
Como reagir ao saber da notícia de que, em
Mato Grosso, a Polícia Federal chegou ao fim de uma investigação para saber
quem tinha assassinado o advogado Roberto Zampieri, que estava permanentemente
lutando contra a corrupção na Justiça naquele Estado, e, quando concluiu o
trabalho, o que a polícia encontrou, para o estarrecimento de todos e vergonha
para o país? Uma empresa estruturada com uma tabela de preços para a prática de
crimes hediondos, chegando ao maior deles: o homicídio.
Na tabela, os criminosos precificaram um deputado: vale cem mil reais. A revelação desses fatos nos levou à indignação, sentimento que chegou também a toda a sociedade. É, sem dúvida nenhuma, a perspectiva ou certeza de impunidade. Só essa hipótese pode explicar tanta ousadia. Não uso "coragem" porque essa é uma palavra que não pode ser aplicada para bandidos, para o mundo do crime.
Como os tempos mudaram! Nessa linha, penso no
Maranhão do século 19, quando o A Pacotilha, combativo jornal de S. Luís,
publicava anúncios de um poeta oferecendo-se para fazer versos a preços
módicos, colocando uma tabela de preços que eram proporcionais ao sentimento
que o freguês tinha: versos de amor, 50 réis. Se fosse soneto, dobrava o preço
para 100 réis. Quando o pedido era do marido enganado, que estava doente pelo
amor perdido e desejava matar de inveja seu concorrente sedutor, o preço era
maior que todos os outros, 200 réis. O poeta dizia que o aumento do preço era
pela dificuldade que tinha de sentir essa desgraça. Naquele tempo dos réis, o
dinheiro tinha um valor que não se pode comparar com o de hoje em dia.
Agora a política no Brasil está sendo levada
pelo ódio e pelo ressentimento. Não acho que seja por programas de direita ou
de esquerda. É mais um sentimento partidário e coletivo de dirigentes em busca
de poder. E, para isso, o gosto de ganhar leva os ânimos a ficarem fora de
controle.
Quando a política era colocada em torno de
questões ideológicas, como ao final do século 19, a discussão entre Rosa
Luxemburgo, apelidada de Rosa la Roja, e Eduard Bernstein, sobre Reforma e
revolução, foi central para o movimento socialista. Muito depois, Lenin impôs
sua concepção leninista, invocando Clausewitz, o autor do livro Da guerra (Vom
Kriege), um clássico até hoje dissecado por estudiosos, afirmando que "a
guerra é a continuação da política por outros meios". Lenin estendeu essa
ideia de Clausewitz, dizendo que se deveria aplicar à política as "leis da
guerra".
Assim na política não se teria adversários,
mas inimigos, pois ela seria uma luta de classes que se estabelecia nos
partidos burgueses, formados de inimigos do povo, e assim adversários eram
inimigos que deviam ser eliminados. Paradoxalmente, hoje Benjamin Netanyahu,
alegando motivos religiosos, pratica o extermínio dos palestinos, o que provoca
a revolta mundial porque não se entende como se pode fazer da fome arma de
guerra, como ocorre em Gaza.
Lembro do nosso poeta Bandeira Tribuzzi:
"Que tempos de viver-se! Quando a fome / é crime, crime o canto e a
liberdade / falso lema de gritos e histerismos, / vai perdendo a beleza que
criara / entre as patas e o cântico das balas / assassinas de peitos sem defesa
/ como lírios entregues ao delírio / das razões em razões da força
estúpida".
Mas no Brasil não existe nenhuma dessas
hipóteses de guerra: há um anarcopopulismo que torna a atividade política uma
bagunça, sem partidos e sem ideologias, o que faz com que os programas e as
doutrinas desapareçam e haja somente os dirigentes voltados a pensar na vitória
— e para ela vale-tudo.
Mas tudo isso não é causa: é efeito de
uma estrutura de sistema eleitoral impossível de continuar, baseado nas pessoas
e com sistema de votação arcaico, que não existe em lugar nenhum do mundo,
servido por um presidencialismo de composição.
O sindicato do crime assim é uma manifestação
de violência que não pode ser aceita. Esses matadores de agora não devem ser
considerados senão como criminosos que são, e seus crimes devem ser
investigados até o fim e punidos com rigor.
Vai-se o tempo, e a minha terra com seu
mercado de poesia cobrando preços irrisórios, com o poeta com sua empresa
limitada e individual e seus sonetos de amor. Ao contrário dessa firma
ignominiosa de Mato Grosso, que é uma sociedade anônima com muitos sócios.
Quero lembrar novamente versos do grande
poeta maranhense Bandeira Tribuzzi que diziam: "Que sonho raro / será mais
puro e belo e mais profundo /do que esta viva máquina do mundo?".
É hora de acabarmos com o ódio e marcharmos
para uma convivência civilizada em que os nossos juízes, deputados e senadores,
tão atacados, se entendam nas divergências e se unam no interesse público e
melhorem o apoio do povo a seu trabalho.
Cadeia para os bandidos e, aí sim, maldição a
esses que mancham o Brasil.
*José Sarney, ex-presidente da República,
escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras
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