Itamaraty agiu bem ante novo visto americano
O Globo
Até agora, não houve medida concreta contra
autoridades brasileiras, e não interessa ao país inflamar os ânimos
Tem sido positiva a postura do Itamaraty em relação à nova política de vistos anunciada pelos Estados Unidos. Na quarta-feira, o secretário de Estado, Marco Rubio, declarou que restringirá a entrada no país de autoridades estrangeiras “cúmplices na censura a americanos”, citando América Latina e Europa. Em depoimento a parlamentares americanos, ele antes mencionara a possibilidade de impor sanções contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Apesar de ser uma medida sem cabimento, a reação da diplomacia brasileira foi serena e cautelosa, e é essencial que se mantenha assim. Por enquanto, não houve nenhuma medida concreta contra autoridades brasileiras, e o país tem outros interesses a defender na relação bilateral com os americanos, em particular no campo das tarifas. Não interessa ao Brasil inflamar os ânimos.
Em audiência no Congresso, o ministro das
Relações Exteriores, Mauro
Vieira, lembrou que a concessão de vistos é prerrogativa de cada Estado.
Não cabe ao Brasil, ou a qualquer outro país, dizer aos Estados Unidos o que
fazer a respeito. Também é cedo para ter certezas sobre a mudança. Sob Donald Trump,
o governo americano tem dado inúmeras demonstrações de incoerência, com vaivéns
e recuos. A guerra tarifária deflagrada desde o início do mandato é o exemplo
mais bem-acabado disso.
O mais provável é que a principal motivação
da restrição a vistos seja econômica. No plano externo, o governo Trump tem
defendido as redes sociais. Em fevereiro, o vice-presidente americano, J.D.
Vance, chamou as regras europeias de moderação de conteúdo de “censura
autoritária”. No mês seguinte, o presidente da Comissão Federal de Comunicações
(FCC), Brendan Carr, também criticou a Lei de Serviços Digitais do bloco
europeu. Outro alvo das restrições pode ser a China, maior atingida pela
suspensão de vistos estudantis também imposta pelos americanos.
É plausível que autoridades brasileiras
venham a sofrer restrições, pois o Brasil discute a regulação das redes
sociais, atualmente uma terra sem lei, em termos similares aos europeus.
Enquanto o Congresso tem sido omisso e procrastina, o STF tem sido forçado a
agir. Ao longo do ano passado, Moraes protagonizou um embate com Elon Musk,
dono do X, por desrespeito contumaz a decisões judiciais. Por enquanto, porém,
tudo tem ficado mais no plano da retórica. Caso Moraes ou outras autoridades
brasileiras se tornem alvos explícitos da nova política de vistos, será natural
que o Brasil suba o tom em sua resposta, desde que sempre mantendo a
serenidade.
Fora dos holofotes, diplomatas já têm buscado
enfatizar às autoridades americanas a robustez da democracia brasileira e o
respeito à legislação local. O Brasil não é a Nicarágua, muito menos a China.
Depois da declaração de Rubio, a mobilização de bastidores conseguiu evitar o
pior cenário, a aplicação de sanções financeiras — inclusive a cartões de
crédito com bandeira americana — por meio da Lei Magnitsky. Nesse caso, as
consequências seriam mais severas que a impossibilidade de viajar para os
Estados Unidos. Tal cenário não pode ser descartado, mas diversas decisões de
Trump têm sido derrubadas pela Justiça americana. Não causará surpresa se
sanções arbitrárias a autoridades estrangeiras seguirem o mesmo caminho.
É urgente deter a expansão dos cigarros
eletrônicos no Brasil
O Globo
Apesar de proibidos, uso dos vapes — mais
nocivos que cigarro comum — cresceu 24% em apenas um ano
É preocupante o aumento no uso de cigarros
eletrônicos constatado pelas autoridades de saúde. Dados do Instituto Nacional
de Câncer (Inca) revelam que, em 2024, 2,6% dos adultos brasileiros (4 milhões)
usavam os dispositivos conhecidos como vapes, cuja venda é proibida. O
percentual é o maior desde 2019, início da série histórica. Em um ano, a alta
foi de 24%. Preocupa que a expansão aconteça principalmente entre jovens, alvos
preferenciais da indústria tabagista.
Em abril do ano passado, depois de consulta
pública que ouviu mais de 30 entidades médicas e científicas, a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
decidiu manter a proibição aos vapes, em vigor desde 2009. A resolução veda
fabricação, importação, comercialização, distribuição, armazenamento e
transporte desses dispositivos, além de impedir qualquer propaganda. Mas eles
continuam a ser vendidos sem maiores embaraços.
A indústria tabagista os apresenta como
caminho para reduzir danos ou largar o cigarro. Não é bem assim. A carga de um
único dispositivo pode equivaler a 20 cigarros tradicionais, segundo a
Associação Médica Brasileira. Em artigo no GLOBO, o médico João Paulo Becker
Lotufo, coordenador do ambulatório antitabágico do Hospital Universitário da
USP, afirma que estratégias como sabores e ausência de cheiro disfarçam os
riscos, como concentração de nicotina bem mais alta. Sem falar nas substâncias
desconhecidas contidas nos produtos. Eles se tornaram mais atraentes — e mais
nocivos.
O tabagismo causa
477 mortes por dia no Brasil, ou 174 mil por ano, segundo dados do Inca. Está
por trás de casos de obstrução pulmonar crônica, doenças cardíacas, derrame,
câncer, diabetes e outros males. Apenas o fumo passivo responde por 20 mil
mortes anuais. Ainda de acordo com o Inca, isso representa um custo anual de R$
154 bilhões à sociedade, incluindo tratamento médico e perdas econômicas por
morte prematura. No ano passado, 11,6% da população brasileira se declarou
fumante. Entre os homens, o percentual é de 13,8%, quando já foi de 45% no
passado.
O Brasil foi um dos países mais bem-sucedidos
na redução do tabagismo, conquista obtida ao longo de décadas por meio de
políticas exitosas. A expansão dos cigarros eletrônicos pode pôr tudo a perder.
Por isso exige atenção das autoridades, e não só de saúde. Estabelecer
legislação rígida é importante, mas, como se vê, não basta baixar uma resolução
e achar que o problema está resolvido. Os dispositivos continuam inundando o
mercado por caminhos subterrâneos. Regulamentá-los, como muitos defendem, não é
solução. Continuarão a causar os mesmos males, só que de forma legalizada.
Além de ampliar campanhas educativas, é
preciso investigar a origem dos vapes e aumentar a fiscalização para impedir a
venda clandestina, sobretudo na internet. Do contrário, corre-se o risco de
criar uma nova geração de fumantes, com cigarros mais novos, mas os mesmos
velhos malefícios. Seria um retrocesso depois do avanço notável que o país
empreendeu.
Justiça põe tarifas em disputa e deve
estender trégua de Trump
Valor Econômico
Batalha judicial tem resultado incerto,
aumentando a insegurança, mas pela primeira vez a Justiça atingiu o principal
eixo econômico da atual administração
O presidente Donald Trump feriu todas as
regras do comércio internacional ao decidir unilateralmente impor tarifas de
importação a todos os países com os quais os Estados Unidos comerciam. Na
quarta-feira, porém, uma decisão da Corte americana sobre Comércio
Internacional indicou que o presidente também está ferindo as leis do próprio
país e não poderia fazer o que tem feito. A Corte diz que a legislação usada
pelo governo, uma lei de emergência de 1997, não o autoriza a usar para os fins
que a lei traça o instrumento das tarifas, algo que compete basicamente ao
Congresso. Um tribunal federal de apelações, ontem, restaurou a possibilidade
de aplicar tarifas, até que se julgue se o governo feriu ou não as leis. Haverá
uma batalha judicial de resultado incerto, aumentando a insegurança, mas pela
primeira vez a Justiça atingiu o principal eixo econômico da atual
administração.
O desfecho da disputa com a Justiça é
imprevisível, e o governo, para perseguir seus objetivos, tem recorrido até a
leis deixadas para trás no tempo, há mais de dois séculos, como a que foi
aplicada para expulsar imigrantes, mesmo legais, do país. Mas a contestação é
um sinal de reação que tende a se intensificar à medida que Trump tenta levar
em conta apenas sua vontade errática e desrespeitar as leis que a tolhem. É
possível que o contencioso chegue até a Suprema Corte, hoje dominada por uma
maioria conservadora formada após indicações do atual presidente. Isso mostra
também que o sistema de pesos e contrapesos da democracia americana, após a
surpresa inicial paralisante da enxurrada de atos do Executivo que atordoou o
país, continua ativo.
Trump e sua equipe pretendem obter
salvo-conduto para qualquer atitude do presidente. Em algum momento, que pode
ou não estar próximo, haverá um choque vital que pode fazer a mais antiga
democracia do mundo refluir perigosamente. O governo utiliza argumentos
potencialmente explosivos para enfrentar as barragens judiciais a seus anseios
e fez uso deles novamente agora - dizendo que juízes, que não foram eleitos
pelo povo, não podem impedir o Executivo de cumprir sua missão. A premissa
coloca o Judiciário como subordinado no equilíbrio entre os poderes da
república.
Não bastasse isso, o governo levanta
sistematicamente suspeitas generalizadas contra os juízes, encarregados de
zelar pelo cumprimento das leis, chamando-os, como fez ontem o diretor do
Conselho Nacional de Economia, Kevin Hassett, de “ativistas” que estariam
tentando frear “negociações muito importantes”, nas quais os EUA estariam
obtendo “massivas concessões”.
Embora o prazo para a suspensão das tarifas
“recíprocas”, de 90 dias, se encerre em 9 de julho, não se conhece nenhum
acordo com países que, segundo o governo americano, estariam ávidos para
fazê-lo. O único conhecido até agora foi feito com um aliado histórico, o Reino
Unido. O entendimento com a China é provisório e dura também 90 dias, tornando
as importações de produtos chineses as mais taxadas pelos EUA até agora.
Como Trump não hesita em falsear a realidade
de acordo com seus desejos ou frequentemente confunde uma e outra coisa, é
muito provável que tudo não passe de mais um blefe. O presidente americano,
como Narciso ferido, indignou-se com o acrônimo Taco (“Trump always chickens
out”, algo como “Trump sempre arrega”) e esclareceu que seus recuos são táticas
de negociação, em que, no início, ameaça com tarifas “ridiculamente altas”. Ou
seja, suas ameaças, segundo ele próprio, não são para valer, o que tem um efeito
colateral: não se sabe aonde Trump quer chegar, dúvida a que talvez nem ele
próprio saiba responder ao certo.
A Corte de Comércio Internacional dera um
prazo de 10 dias para o governo atender sua decisão, sustada agora pelo
tribunal de apelações. Porém, o sinal de que há um contrapeso institucional ao
desafio lançado por Trump às regras constitucionais americanas tende a
enfraquecer politicamente tentativas de conciliação das demandas abusivas do
presidente, já consideradas exorbitantes pelos parceiros comerciais e agora,
pela primeira vez, tidas como ilegais domesticamente.
Com esse obstáculo inesperado, é possível que
a trégua tarifária se prolongue ainda mais, para alívio do sistema comercial
internacional. Tanto o acordo com o Reino Unido como o armistício com a China
se baseiam apenas na palavra de Trump, que muda com o vento, como suas
intenções. Os incentivos para uma contemporização com as demandas dos EUA
diminuem em um bom grau quando as próprias bases negociais, as tarifas de
importação, se tornam questionáveis legalmente no país de origem, ou seja,
reversíveis a qualquer momento. Há bons motivos para que os países alvos do
protecionismo americano ganhem tempo nas discussões.
Sem as tarifas recíprocas, a proteção
tarifária americana já se elevou de 2% para 15% em média, o suficiente para
provocar danos econômicos significativos à economia americana e global.
Interromper por aí a guerra tarifária de Trump seria dos males o menor.
Câmara recomeça mal o debate da reforma
administrativa
Folha de S. Paulo
Grupo de trabalho descarta rever o alcance
exagerado da estabilidade do funcionalismo; mais cômodo é aprovar reajustes
Em Brasília se diz que, quando não há
intenção de resolver um problema, é criado um grupo de trabalho. Parece ser
esse o caso do grupo de trabalho criado pela Câmara
dos Deputados para debater a reforma administrativa, que começou —mal—
nesta quinta-feira (29).
De saída, o coordenador do colegiado, o
deputado Pedro Paulo (PSD-RJ)
já deixou claro o que não pretende fazer. A reforma, disse, não
promoverá um ajuste fiscal nem tocará na estabilidade do
funcionalismo. "A ideia agora não é demitir ou maltratar o servidor, como
se ele fosse o culpado pela ineficiência do Estado."
Vá lá que o objetivo principal não seja mesmo
cortar gastos públicos de forma imediata e em grande escala. Ainda assim, há
providências que poderiam contribuir para o reequilíbrio do Orçamento, como a
redução dos salários iniciais das carreiras, de modo a distanciá-los do topo, e
a regulamentação do teto remuneratório, hoje desmoralizado por penduricalhos de
todo tipo.
Mas pior mesmo é descartar a revisão
da estabilidade, a anomalia mais evidente do serviço público
brasileiro. Conforme
a Folha reportou em novembro do ano passado, 65% dos servidores
de União, estados e municípios gozam de tal privilégio, proporção que não
encontra paralelo entre os principais países.
A garantia contra demissões só faz sentido
para carreiras típicas de Estado —juízes, procuradores, policiais, militares,
auditores e outros profissionais que precisam de autonomia para exercer suas
funções. Essa condição compreende pouco mais de 10% do quadro de servidores
hoje.
Não se trata de culpar os funcionários pela
ineficiência do Estado, mas de constatar que essa cultura de complacência a
agrava. Como noticiou este jornal, um ínfimo 0,19% dos profissionais que
ingressaram na administração federal entre 2014 e 2024 foram reprovados no
estágio probatório a que são submetidos nos primeiros três anos, quando ainda
não são formalmente estáveis.
É ilusório, ademais, imaginar que se possa
manter por conveniência essa norma insustentável. Apurou-se recentemente que,
entre 2013 e 2023, o número de funcionários temporários nas prefeituras —o
nível de governo em que há mais demanda por novos servidores— cresceu 52,5%,
ante uma taxa de apenas 4% dos concursados no período.
Deputados e senadores preferem manter boas
relações com o poderoso lobby do funcionalismo —mesmo porque muitos de seus
auxiliares, aliados e familiares estão instalados na máquina do Estado.
Ademais, rejeitam mexer nos penduricalhos extrassalariais que beneficiam em
especial a elite do Judiciário.
Mais cômodo é aprovar outro reajuste salarial
para os civis do Executivo, como fizeram nesta semana, a um custo de R$ 18
bilhões neste 2025 e R$ 73 bilhões em três anos. Para questões minimamente mais
complexas, como a progressão nas carreiras, cria-se um grupo de trabalho.
Por trás dos ataques a Marina
Folha de S. Paulo
Ministra questiona a exploração de petróleo
no Amazonas, mas Lula e o presidente do Senado desejam apressar a empreitada
Em
entrevista à Folha, a ministra Marina Silva,
do Meio
Ambiente, buscou fazer a melhor leitura possível do compromisso do governo
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) com a
agenda da proteção ambiental.
"O governo tem agido, mesmo em meio a
contradições [decorrentes] do fato de sermos uma frente ampla, respondendo às
necessidades da agenda ambiental. Você acha que a gente teria reduzido o
desmatamento no Brasil inteiro se não fosse o esforço do governo, com 19
ministérios trabalhando junto?", questionou.
É compreensível e louvável que a ministra
tenha preferido evitar o vitimismo depois de enfrentar um inglório embate na
Comissão de Infraestrutura do Senado na
terça-feira (27) —marcado por manifestações grosseiras de senadores, alguns
deles da base governista, contra políticas atribuídas a sua pasta. A situação,
no entanto, é mais complexa.
Na sessão do colegiado, Marina contou com
escasso apoio de aliados ante intimidações como a de Plínio Valério (PSDB-AM), que
declarou separar a mulher, merecedora de seu respeito, da ministra, que não
faria jus a ele.
Marcos Rogério (PL-RO), que presidia
o evento, criticou o comportamento de Marina e disse que ela deveria se colocar
em seu lugar. Após três horas e meia, a
ministra deixou a audiência antes de seu encerramento.
É de lamentar que seja esse o nível das
altercações no Congresso brasileiro —hoje em dia muito ensaiadas para propiciar
a divulgação de vídeos e áudios sem contexto nas redes sociais. O pano de
fundo, porém, vai além de boçalidades machistas.
Marina é uma voz isolada do governo no
questionamento à exploração de petróleo na
Foz do Amazonas, um tema complexo que envolve legítimos interesses econômicos e
federativos. Tanto Lula quanto o presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (União Brasil-AP),
manifestam o desejo de apressar os trâmites técnicos para iniciar a empreitada.
Na semana passada, o Senado aprovou por ampla
maioria um projeto
de lei destinado a flexibilizar o licenciamento ambiental. O PT até votou
contra o texto, mas o governo liberou sua coalizão para votar como quisesse.
Além de um sinal da baixa capacidade de articulação do Planalto, foi uma mostra
de pouca clareza da política ambiental.
Há argumentos a serem considerados de lado a lado. Fato é que a decisão precisa respeitar critérios técnicos a serem definidos por órgãos de Estado. Mais do que endossar sua ministra, no que tem falhado, é isso que o governo Lula precisa deixar claro.
Lula paga o preço da malandragem
O Estado de S, Paulo
Congresso deixa claro que não aceitará levar
passa-moleque do governo, que pretendia usar o IOF para aumentar a arrecadação
em vez de discutir a sério maneiras de cumprir as metas fiscais
A malandragem do presidente Lula da Silva ao
editar o decreto de aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) não
colou. O governo está prestes a passar pelo vexame de ver a medida ser
derrubada – seja por um recuo do próprio Palácio do Planalto, seja por ação do
Congresso. Por meio da rede social X, o presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), informou que fez chegar ao governo a “insatisfação geral dos
deputados com a proposta de aumento de imposto”, ressaltando que “o clima é
para derrubada do decreto do IOF” na Casa. Motta e o presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (União-AP), deram um ultimato ao governo: num prazo de dez dias, o
Ministério da Fazenda tem de apresentar alternativas ao aumento do IOF.
Se serviu para alguma coisa, a esperteza de
Lula escancarou que a intenção do governo era mesmo tentar cumprir a meta
fiscal deste ano pela via do aumento das receitas, mantendo intocado qualquer
ajuste estrutural pelo lado das despesas. A rigor, isso não chega a ser
novidade, pois é notória a ojeriza do petista à ideia de austeridade fiscal,
sobretudo em ano pré-eleitoral.
Mas o que chama a atenção em todo este
imbróglio é a audácia de um governo absolutamente emasculado de tentar
engambelar um Congresso poderoso e claramente infenso às suas pautas, quando
não hostil. E da pior maneira possível: por meio da perversão da natureza
regulatória do IOF, com o evidente objetivo de passar a perna no Poder
Legislativo e, assim, fugir do debate democrático sobre a pertinência de mais
um aumento da alta carga tributária do País. Nesse sentido, Hugo Motta está
coberto de razão ao cobrar que o presidente da República participe diretamente
da negociação sobre as alternativas ao aumento do IOF, vale dizer, da
construção de um plano fiscal consistente e duradouro, e não de “gambiarras
tributárias só para aumentar a arrecadação”.
A bem da verdade, também recai sobre os
ombros do Congresso uma parcela da responsabilidade pelo desarranjo das contas
públicas. Convém lembrar que, no final de 2022, o então recém-eleito Lula da
Silva contou com a chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição
para iniciar o governo gastando como se não houvesse amanhã. E, agora, vê-se
que essa conta não fecha. Ademais, com que autoridade pode pontificar um
Congresso que tomou para si nada menos que R$ 50,4 bilhões do Orçamento da
União apenas em 2025 a título de emendas parlamentares – dispostas, como é
sobejamente sabido, sem a devida transparência republicana?
De toda forma, no regime presidencialista
que, supostamente, ainda vige no Brasil, cabe ao Poder Executivo propor e
liderar um esforço nacional pela racionalização dos gastos públicos. Mas, ao
que parece, isso nem de longe está no radar de Lula, como seus comícios
Nordeste afora nesta semana deixaram claro para quem ainda tinha alguma dúvida.
Portanto, é diante desta esquizofrenia de um governo que, por um lado, propõe
medidas erradas para cumprir a meta fiscal e, por outro, informa que gastará o
que tem e o que não tem à disposição em nome do triunfo eleitoral em 2026 que o
Congresso que aí está se ergue como um bastião da austeridade fiscal, e não sem
certa dose de razão, é forçoso reconhecer.
Caso estivesse genuinamente preocupado com o
equilíbrio fiscal do País, Lula não apenas poderia, como deveria ter envolvido
o Congresso na discussão de medidas voltadas a esse nobre fim a tempo certo.
Não apenas não o fez, como, em vias de descumprir o que ainda resta de
arcabouço fiscal, optou por driblar o Poder Legislativo. Agora, Lula pagará com
humilhação por essa malandragem, além de ver a credibilidade de sua equipe
econômica – que já não era alta – restar ainda mais desgastada.
Já para o País, o prejuízo é ainda maior: a
corrosão da confiança dos agentes econômicos na capacidade do governo de
liderar uma política fiscal coerente, estável e previsível. A insegurança
gerada por esse tipo de artifício afasta investimentos e empurra o Brasil para
um círculo vicioso em que o populismo sabota qualquer vislumbre de crescimento
sustentável.
Distribuição de renda às avessas
O Estado de S. Paulo
Direito à Justiça gratuita, que deveria
facilitar acesso ao Judiciário a quem é pobre, beneficia até trabalhador com
alto salário. Como nada é de graça, conta fica para o pagador de impostos
Previsto como um instrumento para abrir as
portas do Judiciário aos brasileiros pobres e tornar democrático o acesso a
esse Poder, o direito à Justiça gratuita se tornou, na prática, em mais uma
fonte de injustiças no Brasil. E o desvirtuamento desse direito pode ser
constatado sobretudo na Justiça do Trabalho.
Como destacou o professor José Pastore em sua
coluna no Estadão, é possível encontrar inúmeros processos em que
assalariados com boa renda usufruíram do benefício – destaca-se, a título de
exemplo, o caso de um empregado que recebia R$ 40 mil mensais e que não pagou
nada para entrar com processo na Justiça do Trabalho. Trata-se de uma espécie
de distribuição de renda às avessas, custeada, claro, pelo Estado.
Significa dizer que cidadãos com renda nada
desprezível podem ser dispensados do pagamento de custas processuais, taxas e
emolumentos. Como movimentar o aparato judicial para pleitear um alegado
direito tem custo, alguém precisa bancá-lo. Ao fim e ao cabo, é o cidadão
pagador de impostos quem financia o privilégio.
A reforma trabalhista de 2017 bem que tentou
impor alguma racionalidade na concessão da gratuidade. As mudanças na
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) tinham, ao lado da modernização das
leis trabalhistas, o objetivo de frear a chamada litigância aventureira, tão
deletéria para o ambiente de negócios no Brasil.
A ideia dos legisladores era fazer com que
pedidos absurdos tivessem um custo para quem os pleiteasse. Esses pedidos
indevidos eram comuns porque acionar o Judiciário não custava nada ao bolso dos
aventureiros, haja vista que lhes eram garantidos a Justiça gratuita e o não
pagamento de honorários sucumbenciais ao advogado da parte vencedora em caso de
derrota.
Em boa hora, a reforma trabalhista determinou
que tudo isso estava errado. Ficou estabelecido, então, que somente o
trabalhador que recebe até 40% do teto do benefício do Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS), hoje em R$ 3.263, teria direto à Justiça gratuita. E, em
caso de derrota, o empregado teria de pagar os honorários de sucumbência, mesmo
quando beneficiado pela Justiça gratuita.
Os números provam como a litigância
aventureira era banalizada. A quantidade de novos processos trabalhistas caiu
de 2,6 milhões, em 2017, para apenas 1,7 milhão, em 2018. Desde então, a
Justiça do Trabalho parece resistir como pode à reforma trabalhista – e no ano
passado o Tribunal Superior do Trabalho (TST) deu mais um passo para
esvaziá-la.
O TST decidiu que os juízes devem conceder o
benefício da Justiça gratuita a quem ganha mais de 40% do teto do INSS se
apresentar uma mera declaração de pobreza. É uma interpretação bastante
expansiva, uma vez que a reforma trabalhista havia definido que os juízes
poderiam conceder o benefício desde que comprovada a insuficiência de recursos
para pagar o processo. Para piorar, o TST firmou o entendimento de que o
empregador pode contestar o benefício, mas terá de provar que quem lhe processa
tem dinheiro.
O potencial dessa decisão, por óbvio, será
explosivo. O número de ações trabalhistas, que já voltou a superar os 2 milhões
no ano passado após uma série de flexibilizações nas regras da reforma, poderá
crescer ainda mais.
Felizmente, há no Congresso quem tente
colocar as coisas no lugar. Um projeto sob relatoria do senador Laércio
Oliveira (PP-SE) poderá limitar o benefício a quem recebe menos de 40% do teto
dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, a beneficiário de
programa social do governo federal, a quem aufere renda mensal de até três
salários mínimos, a mulheres em situação de violência doméstica e familiar, a
membros de comunidade indígena ou quilombola e a quem quer que seja
representado por defensores públicos. Ou seja, será uma lei cujo objetivo é
obrigar a cumprir o que já está na lei.
É lamentável quando o óbvio precisa ser dito,
sobretudo a juízes, que são perfeitamente capazes de saber que a Justiça
gratuita deveria ser garantida a quem de fato precisa, ou seja, a quem é pobre.
Desafinado
O Estado de S. Paulo
Barroso se zanga ao ser criticado por cantar
em festa de empresário com interesses no STF
O ministro presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), Luís Roberto Barroso, anda ressentido com a imprensa
profissional por causa das críticas que alguns membros do Poder Judiciário e,
em particular, do Supremo têm recebido por certos comportamentos que conspurcam
a aura de imparcialidade que deve revestir a judicatura. No que se afigurou
como uma nova manifestação de seu despreparo para lidar com o escrutínio
público, o sr. Barroso zangou-se com o tratamento dado a um vídeo no qual ele
aparece cantando e confraternizando com empresários que têm interesses
comerciais em jogo no julgamento de ações que tramitam na Corte. Entre eles, o
principal era o anfitrião do convescote, Diego Barreto, presidente do iFood.
Na abertura da sessão do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) do dia 27 de maio, Barroso atribuiu as críticas que recebeu à
“incultura” que grassa no Brasil, “um problema difícil de sanar” por essas
bandas, segundo o iluminado ministro. Isso porque no jantar, é claro, foi
servido um coquetel de boas intenções – sempre elas, aquelas das quais o
inferno está cheio.
A causa, não se discute, é nobre: o jantar
celebrava o financiamento do Programa de Ação Afirmativa para Ingresso na
Magistratura, uma iniciativa do CNJ em parceria com a FGV e a Universidade
Zumbi dos Palmares para conceder bolsas para futuros magistrados negros e
indígenas, de modo a diminuir a discrepância entre o painel socioeconômico da
magistratura e a demografia brasileira. O problema, porém, não é o conteúdo,
mas a forma.
O ministro Barroso pode ficar chateado, mas é
dever de quem preza pelos valores republicanos, como este jornal, chamar a
atenção para o fato de que o presidente do Supremo não pode ser visto em
animada confraternização com um empresário cujos negócios dependem do voto dos
ministros deste mesmo Supremo, onde tramita o caso do reconhecimento de vínculo
trabalhista de entregadores por aplicativo.
Não custa lembrar que, por mais
recalcitrantes que sejam alguns ministros do STF em aceitar que a Lei Orgânica
da Magistratura Nacional também se aplica a eles, qualquer magistrado do País
está obrigado a “manter conduta irrepreensível na vida pública e particular”
(art. 35, VIII, da Lei Complementar 35/1979). E não se pode dizer que tenha
sido “irrepreensível” a conduta do ministro Barroso naquela festa, como bem
notaram os integrantes da Aliança Nacional dos Entregadores por Aplicativos,
que reúne muitos trabalhadores associados ao iFood.
Em nota, esses “incultos”, segundo a
concepção do ministro Barroso, foram certeiros ao lembrar que “à mulher de
César não basta ser honesta, tem de parecer honesta”. E acrescentaram: “O
presidente do STF representa a instituição perante o povo. Deve, portanto, se
recompor e voltar ao seu trabalho, que é o de ser guardião da Constituição
federal da República, a Constituição Cidadã”. Bingo.
Se Barroso está mesmo bem-intencionado e quer
prestar um serviço à República – e não há razões para duvidar disso –, melhor
faria se trocasse os sarais eivados de conflitos de interesse pelo silêncio
institucional, e a afetação iluminista pelo respeito aos limites do cargo.
A jovem geração ansiosa demanda mais cuidados
Correio Braziliense
Todas as iniciativas de vigilância e que
estimulem o uso saudável de dispositivos são bem-vindas. Assim como a
cooperação entre diferentes atores para conter os excessos
Nesta semana, veio ao Brasil Jonathan Haidt,
um dos principais psicólogos sociais da atualidade e autor do livro A geração
ansiosa — Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de
transtornos mentais, obra que se popularizou por enfatizar os prejuízos para o
desenvolvimento infantojuvenil do uso das telas. Haidt apresentou números e fez
paralelos instigantes sobre a relação entre a tecnologia e os riscos do consumo
excessivo desses meios para a saúde física e mental, especialmente de crianças e
adolescentes. E analisou o cenário nacional.
É importante destacar que, em fevereiro
último, o governo brasileiro, a partir do Decreto nº 12.385/2025, regulamentou
a Lei nº 15.100/2025, proibindo o uso de celulares e outros dispositivos
eletrônicos no ambiente escolar. Pouco mais de três meses após o início da
vigência das novas regras, Haidt, que também é professor universitário, elogia
a situação do país: segundo ele, o Brasil tornou-se um exemplo mundial a ser
seguido.
Não restam dúvidas de que o decreto reduziu
drasticamente a fixação dos usuários por esses dispositivos, pelo menos nas
escolas, numa faixa etária em pleno desenvolvimento físico e intelectual. A
comunidade escolar agradece, com destaque para os professores, que têm notado
resultados positivos no que diz respeito à maior concentração nos estudos, à
participação em sala de aula e à socialização entre seus pares. Sem dúvida, um
avanço no âmbito educacional. Mas os desafios continuam.
Haidt alerta, por exemplo, para o impacto
diferenciado das tecnologias sobre meninos e meninas. Enquanto eles são
imediatistas, focados mais em games que em redes sociais, o que os torna
dependentes, elas preferem as redes, são mais "investigativas" e
assediadas pelos meninos, com impactos também na saúde mental. Há ainda o
fenômeno do avanço das bets, que são cheias de chamativos para o público
jovem, como a presença de influencers e a ligação com resultados de jogos
esportivos.
É cedo, certamente, para afirmar que a
proibição do uso de celulares na forma como foi adotada na maioria das escolas
é a melhor estratégia. Instituições acabaram por conduzir o processo de forma
rígida, reduzindo a quase zero o uso dos dispositivos até mesmo pelos
professores, e seguem os alertas sobre a importância da adoção de ferramentas
tecnológicas como recursos pedagógicos.
Melhor mesmo seria o uso consciente da
tecnologia, sem repressão, sem vigília. Nesse sentido, Haidt defende como a
etapa a ser seguida imediatamente um exercício maior de relacionamento entre
pais e filhos. Conversar, monitorar e alertar para os riscos diversos e também
letais. Há um aumento de casos de adolescentes que são vítimas de crimes
praticados no submundo das redes e daqueles apreendidos por articulação com
quadrilhas que disseminam desafios virtuais, conteúdos de estímulo à autolesão
e ao suicídio, entre outras atrocidades.
Em um Brasil que se posiciona como o quinto
país, entre 193, com a maior quantidade de usuários de smartphones no planeta e
que oito em cada 10 pessoas com 9 a 17 anos que usam internet têm o próprio
celular, todas as iniciativas de vigilância e que estimulem o uso saudável de
dispositivos são bem-vindas. Assim como a cooperação entre diferentes atores —
pais, agentes públicos, profissionais da educação e saúde — para conter os
excessos.
Marco Civil da Internet volta à pauta do STF
O Povo (CE)
O Brasil será um exemplo para o mundo se
chegar a uma regulamentação que preserve a democracia, enquadrando as big techs
nos limites da lei
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente
do Supremo Tribunal Federal (STF), agendou para a próxima semana a retomada do
julgamento sobre a revisão do Marco Civil da Internet. O processo
retornou automaticamente à pauta depois de expirar o prazo do pedido de vista
do ministro André Mendonça, em dezembro.
O fulcro do debate é a constitucionalidade do
artigo 19 do Marco Civil (lei 12.965/2014), que responsabiliza as redes
sociais e outras plataformas online por conteúdos gerados por terceiros,
somente em caso de descumprimento de ordem judicial para removê-los.
Ou seja, o artigo 19 exclui qualquer
responsabilidade das plataformas sobre o que é publicado por terceiros, e as
redes só podem ser apenadas se recusarem o cumprimento de uma ordem
judicial para a retirada do conteúdo publicado.
Observe-se, portanto, que atualmente, as
plataformas não são automaticamente responsáveis por conteúdos ilícitos
publicados por usuários de seus serviços. Assim, empresas são desobrigadas, por
exemplo, de usar filtros para evitar a divulgação de tais informações. O
argumento dos que defendem a manutenção do artigo 19 é evitar a censura
prévia e garantir a liberdade de expressão.
Em seu voto, que começou a ser proferido em
novembro do ano passado, o ministro Dias Toffoli, relator do processo,
defendeu que o artigo 19 é inconstitucional, por sua incapacidade de oferecer
proteção aos direitos fundamentais em ambientes virtuais. Para ele, a
responsabilidade das plataformas deverá ter como base o artigo 21 do Marco
Civil, que prevê a retirada do conteúdo após simples notificação.
O ministro Barroso busca uma espécie de
"caminho do meio", com responsabilização parcial das empresas. Ele
defende que, em alguns casos, como crimes contra a honra, seria necessária uma
ordem judicial para a retirada do conteúdo. Em outros, as empresas ficariam
obrigadas a adotar medidas para prevenir a circulação de conteúdos criminosos,
como pornografia infantil, terrorismo, incitação ao suicídio, tráfico de
pessoas e ataques à democracia.
É inegável que o Marco Civil da Internet
precisa de atualização, pois completou 11 anos. Na velocidade com que
evoluem as ferramentas digitais, a cada dia surgem novas questões legais e
éticas.
Além do mais, é preciso levar em conta que as
grandes empresas de tecnologia, as big techs, rejeitam qualquer tipo de
regulamentação em seus serviços, muitas vezes passando por cima da legislação
do país onde operam. Portanto, não resta dúvida de que o caminho correto é o da
regulamentação dessas empresas de tecnologia.
O Brasil será um exemplo para o mundo se
chegar a um modelo que preserve a democracia, enquadrando essas empresas
nos limites da lei.
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