Folha de S. Paulo
Transformação do país altera o papel feminino
na sociedade brasileira
Elas comparecem mais às urnas que os homens e
se destacam pelo apoio à centro-esquerda
Mulheres saíram às ruas, no domingo (7), para
exigir o fim da violência que
nos ameaça nos espaços públicos e ali onde ela mais fere: no círculo privado da
família e das relações íntimas.
Tão importante quanto denunciar a violência
de gênero é registrar a crescente rejeição a um comportamento que outrora
parecia fazer parte da ordem natural das coisas. Afinal, nos anos 1960, o
consagrado dramaturgo Nelson Rodrigues podia achar que fazia humor com sua
célebre frase "mulher gosta mesmo é de apanhar".
Não é por acaso que, hoje, o gracejo de Rodrigues pareça uma grosseria e que o combate à violência de gênero tenha lugar garantido na agenda política.
Desde meados dos anos 1970, os movimentos
feministas deram novo enquadramento à questão no debate público, incluindo-a no
rol dos direitos das pessoas. Mudaram não só o que era aceitável dizer como
influenciaram também a legislação —as leis Maria da Penha e do Feminicídio—
e as políticas públicas, que criaram as delegacias da mulher e os serviços de
acolhimento às vítimas de maus-tratos.
Além disso, no último quarto do século o país vem passando por uma grande
transformação que está a alterar o lugar e o papel das mulheres na sociedade
brasileira.
Mais que os homens, elas aproveitaram as
oportunidades oferecidas pelas políticas educacionais dos governos FHC, Dilma e
Lula que visavam o aumento da escolaridade. Hoje, em média, as brasileiras de
mais de 25 anos têm mais anos de estudo e maior probabilidade de ter cursado o
ensino médio e o superior do que os seus contemporâneos masculinos. No biênio
2023-24, elas representavam 51% dos estudantes matriculados no ensino médio e
59% no superior. Com diplomas nas mãos, têm escalado posições em empresas
privadas e no setor público, mesmo em ocupações consideradas redutos
masculinos, como as polícias e o Judiciário. Em outros termos, graças à maior
escolaridade, mulheres vêm assumindo posições de liderança, redesenhando assim
o perfil das elites brasileiras.
O avanço na educação parece estar associado
também à mudança no comportamento político. Estudando as eleições presidenciais
de 2002 a 2022, o cientista político Jairo Nicolau, da Fundação Getulio Vargas,
mostra, em livro a ser lançado em breve, que, além de serem maioria dos
eleitores —e também entre aqueles com formação superior—, comparecem mais que
os homens aos postos de votação e, desde 2018, se distinguem por dar mais apoio
a candidatos da centro-esquerda. Em 2022, votaram majoritariamente em Lula,
sendo responsáveis por sua vitória.
Mas atenção: nem a sua preferência pelo
candidato da centro-esquerda nem o aumento do protagonismo social significam
que as mulheres compartilhem a agenda de valores tipicamente de esquerda.
No instigante livro "O Brasil no
Espelho", outro cientista político da FGV, Felipe Nunes, mostra
que família e religião constituem a âncora de valores —conservadores— da imensa
maioria dos brasileiros. Se há acordo quanto ao fato de que mulheres devam
trabalhar, ter autonomia financeira e serem protegidas da violência, há também
adesão a valores tradicionais. Um quebra-cabeças político a desafiar os
progressistas.

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