Folha de S. Paulo
Presidente da Câmara fala em limpar pauta
para colher frutos em ano eleitoral com agenda propositiva
Duras críticas e desconfiança não indicam
caminho tranquilo e apontam para dificuldades com reeleição
O presidente da Câmara
dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB),
surpreendeu até aliados ao decidir votar o projeto de redução de penas para os
condenados por atos golpistas e a perda do mandato dos deputados Carla
Zambelli (PL-SP), Alexandre
Ramagem (PL-RJ), Glauber Braga (PSOL-RJ) e Eduardo
Bolsonaro (PL-SP). Para alguns poucos, explicou que pretende encerrar
as polêmicas em 2025 e "não quer ver defunto na frente" no ano
eleitoral, quando espera colher os frutos de uma agenda mais propositiva.
A compensação, para o governo Lula (PT), é a votação da agenda econômica proposta pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad: o projeto que pune o devedor contumaz, a autorização para gastos com saúde e educação fora do arcabouço fiscal, a segunda etapa de regulamentação da reforma tributária, o corte de benefícios fiscais para tentar arrecadar quase R$ 20 bilhões e o Orçamento de 2026.
Quando eleito, Motta prometeu ao governo
manter um canal de diálogo constante e dar sustentação à agenda econômica, a
verdadeira aposta de Lula para alavancar sua popularidade e reeleição. O
presidente da Câmara, apesar das desavenças e atritos com o governo, procurou
honrar esse compromisso, até para não desagradar aos setores econômicos que lhe
prestam apoio.
A segunda
etapa da regulamentação da reforma tributária, por exemplo, é
essencial para setores da economia. O texto trata da divisão dos recursos entre
governadores e prefeitos e do comitê-gestor do IBS (Imposto sobre Bens e
Serviços), dos impostos sobre herança, da criação de taxas municipais e dos
créditos com o ICMS. A previsão é de que seja votado na segunda-feira (15) e
encaminhado à sanção.
Os parlamentares também devem se beneficiar
do pacote, com um volume maior de emendas no Orçamento de 2026 e o compromisso
do governo de que pagará mais da metade delas antes da eleição. A maior dúvida,
por enquanto, é se haverá apoio suficiente para cortar quase R$ 20 bilhões em
benefícios fiscais, ideia que provoca resistência dos setores atingidos, como o
agronegócio.
Como tem o costume de ora agradar a direita,
ora a esquerda —sem, no final, deixar satisfeito nenhum dos dois lados—, o
presidente da Câmara buscou também resolver a contenda em torno da anistia. A
oposição foi convencida a desistir, mesmo que momentaneamente, do perdão ao
ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL) e outros condenados na trama golpista em troca de um
projeto para redução de penas que vai encurtar o tempo deles no regime fechado.
Motta se livra de uma cobrança semanal dos
bolsonaristas que provocou constrangimentos e pôs em dúvida seu comando da
Casa. A expectativa de deixar o assunto em 2025, no entanto, pode ser
frustrada, já que a proposta pode retornar à Câmara em caso de alterações pelo
Senado ou para deliberar sobre um provável veto de Lula.
Ele também tenta encerrar o capítulo de
blindagem a deputados atualmente com domicílio fora do país. Eduardo Bolsonaro
(PL-SP) perderá o mandato por faltas, o que não desagrada totalmente o
bolsonarismo, já que o mantém com possibilidade de disputar a eleição de 2026,
mesmo à distância.
O resultado da votação que decidirá o destino
dos mandatos de Zambelli —condenada por ordenar a invasão do sistema do CNJ
(Conselho Nacional de Justiça) e presa na Itália— e Ramagem —foragido nos
Estados Unidos após o julgamento pela trama golpista— segue incerto. Até a
noite de terça (9), não havia uma orientação única entre os partidos.
Motta busca com esses resultados encerrar as
acusações de que blindou deputados e estancar as críticas de ministros do STF (Supremo
Tribunal Federal) sobre o descumprimento de suas decisões, ao compartilhar com
o resto do plenário a responsabilidade. Ainda atende seu antecessor, Arthur
Lira (PP-AL), ao colocar em votação a perda do mandato do desafeto Glauber
Braga (PSOL-RJ).
A forma como Glauber foi arrancado da mesa
diretora nesta terça (9), no que seria uma demonstração de força da presidência
de Motta após o vexame dos amotinados, teve o efeito contrário. Da esquerda à
direita, deputados criticavam a ocupação da cadeira do presidente, mas
desaprovavam o uso da polícia da própria Câmara contra seus integrantes —um
sinal de fraqueza, mesmo na visão de seus aliados.
A preocupação do presidente da Câmara é
iniciar 2026 com uma pauta mais limpa, livre das principais polêmicas que
contaminaram seu primeiro ano de mandato, e que lhe permita entregar projetos
"que tratem dos problemas reais da população", como costuma repetir
nas redes sociais e discursos.
As duras críticas da esquerda neste fim de
ano e a desconfiança da direita sobre o que foram considerados meses de
enrolação, contudo, não parecem indicar um caminho tranquilo no ano eleitoral e
apontam para dificuldades para a desejada reeleição à presidência da Câmara em
2027.

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