O Globo
Na busca por agradar a diferentes senhores, o
presidente da Câmara não deixou nenhum satisfeito
Hugo Motta não controla a Câmara
dos Deputados, não tem ascendência sobre seus pares — em muitos casos, nem
o respeito — e não manda nem nos policiais legislativos, que, diante da
confusão de anteontem no plenário, partiram para cima dos jornalistas. É
apontado pelos próprios pares como o presidente da Casa mais fraco dos últimos
tempos.
Eleito por uma megacoalizão do PL ao PT, patrocinada pelo antecessor, Arthur Lira (PP-AL), Motta passou este ano tentando se equilibrar entre as demandas dos padrinhos, como Eduardo Cunha e Ciro Nogueira, de Lira e do Palácio do Planalto. Não conseguiu. Na busca por agradar a diferentes senhores, não deixou nenhum satisfeito.
Suas limitações no comando da Casa ficaram
evidentes em diferentes episódios. Já na largada, durante a campanha, prometeu
anistia — ou a descartou — a depender do interlocutor. Uma vez eleito, acertou
rotas com o presidente da República, mas pegou desvios sem combinar. Foi assim
na votação do IOF, na PEC da Blindagem e na urgência da anistia. Para atender a
diferentes interesses, engavetou da cassação de deputados a projetos, como o do
devedor contumaz.
Anteontem, sua inabilidade escalou. Motta
conseguiu cometer uma sucessão de erros na crise aberta com a tomada de sua
cadeira pelo deputado Glauber Braga (PSOL-RJ). Braga não deveria ter copiado o
manual dos amotinados em agosto e impedido os trabalhos da maioria ao se sentar
na cadeira de Motta. Mas foi o próprio Motta quem criou o precedente ao passar
pano para o motim da oposição. Como disse um deles, Zé Trovão (PL-SC):
— Trinta dias [de suspensão] não são nada.
Ao tentar falar duro com o deputado de
esquerda depois de ter passado a mão na cabeça da direita, criou uma crise para
si. Num ato autoritário, mandou cortar o sinal da TV Câmara. Não queria imagens
mostrando sua cadeira, mais uma vez, ocupada. Não adiantou. O repórter cinematográfico
da GloboNews Walter Rocha captou o protesto. Motta dobrou a aposta e resolveu,
então, expulsar a imprensa, numa época em que os parlamentares não largam seus
celulares. É claro que não deu certo. A desocupação da cadeira, pelo menos no
sentido literal, foi transmitida ao vivo.
Motta coroou o dia votando a diminuição da
pena para quem tramou contra a democracia, mais uma encomenda de padrinhos do
Centrão, estes apavorados com uma eventual candidatura de Flávio Bolsonaro. Num
gesto para o governo e no melhor estilo “um pé em cada canoa”, colocou para
andar a cassação de Carla Zambelli, Alexandre Ramagem e Eduardo Bolsonaro. Na
véspera, havia se encontrado com os ministros Fernando Haddad e Gleisi
Hoffmann, mas não mencionou uma única palavra sobre os planos. Mais uma vez não
combinou.
Lira manteve o comando da Casa não só pelo
tsunami de emendas, mas por ser bom cumpridor de acordos, algo fundamental na
política. Sem honrar a palavra e tentando agradar a diferentes frentes, Motta
atravessa uma crise de credibilidade. Torna-se cada vez mais Severino
Cavalcante, presidente da Câmara que protagonizou um escândalo envolvendo um
restaurante da Casa, e menos Ulysses Guimarães.

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