O Globo
BC está fazendo leitura muito conservadora da conjuntura. A inflação tem caído e politica monetária fez efeito
Ninguém tinha dúvida de que os juros seriam mantidos em 15%, mas esperava-se algum sinal do início do ciclo de queda das taxas para o começo do ano que vem. O recado do comunicado, no entanto, continua sendo o de que é preciso manter a atual taxa por um período “bastante prolongado” e que o ambiente de “elevada incerteza” exige “cautela" na política monetária. Sem sinais de mudança no curto prazo. O fato é que as condições para o começo da queda já estão dadas, com a clara e consistente redução da inflação nos últimos meses, seguindo uma trajetória muito melhor do que estava projetada.
Qual é o raciocínio que leva à manutenção da
Selic tão alta? Os dirigentes do Banco
Central admitem que a conjuntura agora é muito melhor do que no começo
do ano e que, para confirmar isso, basta olhar para as expectativas e para a
inflação corrente. Ontem,
por exemplo, o IPCA mostrou a inflação oficial no intervalo de flutuação pela
primeira vez desde setembro de 2024. A taxa está declinante e não vai
estourar o teto da meta. Este cenário não era o previsto em boa parte do ano e
se tornou realidade agora. Ou seja: sim, a situação melhorou.
Apesar disso, o raciocínio no Banco Central é
que, com uma taxa de juros real de 10%, e de 15% nominal, em qualquer país do
mundo, a inflação teria caído muito mais e a desaceleração da economia seria
mais forte. Que tanto a inflação quanto a atividade estão se mostrando muito
resilientes. Argumenta-se também que as projeções mostram que a inflação ainda
não estará na meta de 3% no horizonte relevante, ou seja, daqui a 18 meses.
E não são apenas as projeções da pesquisa
Focus. Também é o resultado na pesquisa Firmus feita junto às empresas do setor
real. Até o Ministério da Fazenda está prevendo a inflação em 3,2% apenas no
segundo semestre de 2027. Essa é a lógica que tem levado o BC a manter a taxa
de juros no elevado nível de 15%, o de que nem nas previsões mais otimistas a
inflação estará em 3% neste horizonte de um ano e meio.
Outra interpretação que tem colaborado para a
manutenção de juros em patamar alto é a de que a desaceleração da atividade
econômica está ocorrendo, no entanto, a renda das famílias permanece em nível
mais alto e o desemprego está baixo.
Há muitas dúvidas sobre as razões da queda do
desemprego, já que também diminuiu o número de pessoas no mercado de trabalho.
O argumento, porém, é que quem sai não está indo para o desalento, mas sim por
motivos variados, um deles é para voltar aos estudos.
Parece sempre estranho o raciocínio de que é
preciso manter juros altos se não tiver queda da atividade suficiente nem
aumento do desemprego. Fica parecendo que é por pura maldade que se faz aperto
de política monetária. Os dois indicadores são o efeito colateral. O que o BC
busca mesmo é a queda da inflação. Porque esse é o objetivo que o órgão tem que
perseguir. Evidentemente, ao menor custo em termos de produto e emprego.
O BC tem que perseguir a meta, mas pode estar
sendo excessivamente conservador ao avaliar a conjuntura. A inflação não está
em 3%, nem estará a curto prazo, mas está claramente convergindo. Meta não é
apenas um número exato, é também uma tendência de queda. O que se quer com a
política monetária é superar surtos inflacionários e levar a inflação para a
convergência com a meta. O surto inflacionário foi superado, o índice está
caindo.
No comunicado de ontem, manteve-se o mesmo
texto sobre as incertezas externas, principalmente da política comercial dos
Estados Unidos. Pelo visto, o BC não está considerando os fatos recentes. Por
mais imprevisível que seja Donald Trump, o pior passou. As tarifas estão sendo
reduzidas para muitos produtos, a inflação americana subiu, mas não a ponto de
afetar o ciclo de queda de juros por lá. Tanto que o Fed aprovou um novo corte
ontem. As turbulências internas causadas pelo tarifaço foram bem administradas
pelo governo brasileiro.
Há condições técnicas e de conjuntura para que o ciclo de cortes da Selic comece no primeiro trimestre de 2026, sem que isso coloque em risco o processo de controle da inflação. Os juros reais de mais de 10% ao ano são uma dose excessiva para uma taxa de inflação que está dentro do intervalo de flutuação e uma economia que perdeu o fôlego no terceiro trimestre.

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