É indefensável censura imposta por Hugo Motta
Por O Globo
Presidente da Câmara também demonstra
atitudes inexplicáveis diante da cassação de deputados
Ao tomar posse como presidente da Câmara, o
deputado Hugo
Motta (Republicanos-PB) citou a Constituição 17 vezes em discurso
emocionado. Na última terça-feira, o mesmo Motta cerceou o trabalho da
imprensa, em flagrante violação à Carta que jurou defender. Cortou o sinal da
TV Câmara e expulsou à força jornalistas do plenário.
Tudo para evitar registro da cena violenta de policiais legislativos retirando à força o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) da cadeira da presidência da Câmara, que ocupara por uma hora. Em abril de 2024, Glauber expulsou um militante das dependências do Congresso com chutes e empurrões, atitude incompatível com o comportamento esperado de congressistas. Foi acusado pelo partido Novo de ter faltado com o decoro parlamentar, e o Conselho de Ética aprovou há oito meses parecer pela cassação de seu mandato. Só ontem foi punido com suspensão de seis meses. É injustificável que, por desespero, tenha ocupado o assento de Motta no dia em que estava prevista a votação. Mas a reação de Motta também ultrapassou os limites do razoável.
Antes de tudo, ele revelou incoerência.
Quando aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro bloquearam o trabalho do
Congresso em agosto e se aboletaram na cadeira da presidência da Câmara, a
Polícia Legislativa não foi acionada. Só depois de uma tentativa frustrada,
Motta conseguiu sentar-se na própria cadeira. “Não podemos negociar nossa
democracia nem deixar que projetos individuais estejam à frente da população”,
afirmou na ocasião. Nos dias seguintes, encaminhou à Corregedoria Parlamentar
denúncias contra três deputados. De lá para cá, pouco se fez para punir os
amotinados.
É indefensável também o tratamento dispensado
por Motta a processos de cassação de deputados. Foragida da Justiça, a
deputada Carla
Zambelli (PL-SP) está presa desde julho na Itália. Já deveria ter sido
cassada porque perdeu o mandato quando condenada, mas só ontem a Câmara votou
por mantê-la como deputada. Outro foragido com mandato é Alexandre
Ramagem (PL-RJ). O Supremo ordenou que a perda do mandato por
participação na trama golpista fosse determinada em procedimento protocolar.
Motta decidiu levar o caso ao plenário. Para ambos, a demora é inexplicável.
No caso do deputado Eduardo
Bolsonaro (PL-SP), ausente da Câmara desde março, a situação é mais
grave. Dos Estados Unidos, ele interveio para que Donald Trump estabelecesse
sanções a autoridades e tarifas a produtos brasileiros. No Conselho de Ética,
isso foi ignorado. Agora, ele só pode ser cassado por faltas, situação que não
o torna inelegível (ele só ficará inelegível se condenado no Supremo). Não se
justifica tratamento tão condescendente a alguém que tramou contra o Brasil.
A tudo isso, se soma a tentativa autoritária
de impedir a imprensa de cumprir seu papel de informar o público — de resto
inócua num tempo em que todos carregam celular. Associação Brasileira de
Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Associação Nacional de Jornais (ANJ) e
Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) emitiram nota conjunta
afirmando esperar “a apuração de responsabilidades para que tais práticas de intimidação
não se repitam e que sejam preservados os princípios da Constituição
brasileira, que veda explicitamente a censura”. Essa é a demanda da sociedade.
Qualquer censura precisa ser repudiada com firmeza — e Motta deveria saber
disso.
Além de supersalários, ‘penduricalhos’ também
inflam superaposentadorias
Por O Globo
Na elite do funcionalismo, um quinto do
estouro do teto é pago a quem não está mais na ativa, sugere estudo
Cerca de um quinto dos supersalários pagos à
elite do funcionalismo é destinado não a profissionais da ativa, mas a
aposentados e pensionistas, constatou estudo das ONGs República.org e Movimento
Pessoas à Frente. Numa amostra de 53,5 mil funcionários públicos que receberam
mais que o permitido pela Constituição — R$ 630 mil anuais —, 10,7 mil eram
inativos. O valor acima do teto pago a esse grupo na forma de auxílios e outras
verbas indenizatórias, os proverbiais “penduricalhos”, alcançou R$ 3,98 bilhões
ao longo de um ano (ante total de R$ 20 bilhões para a amostra completa). Seria
o suficiente para pagar, no mesmo período, 34,8 mil aposentadorias fixadas no
nível máximo permitido pelo INSS (R$ 8,2 mil mensais), como revelou reportagem
do GLOBO.
Para a elite do funcionalismo, formada
sobretudo por juízes, procuradores, profissionais de carreiras jurídicas e
militares, o limite da aposentadoria é o mesmo que para os profissionais da
ativa (R$ 46,4 mil por mês, e não os R$ 8,2 mil pagos a aposentados da
iniciativa privada). Mesmo assim, eles se valem de brechas na legislação para obter
pagamentos retroativos e “penduricalhos” que permitem romper o teto e inflar
ainda mais seus rendimentos.
Outra distorção frequente é o acúmulo de
pensões. Uma pensionista do Rio recebeu, segundo o Portal da Transparência, R$
71,5 mil líquidos entre abril e setembro do período analisado. Em junho, em
virtude de uma gratificação natalina, o benefício saltou para R$ 112,6 mil. Ela
acumula três pensões: uma do pai e duas de ex-maridos, todos militares. Há
pensionistas que continuam a receber benefícios já extintos. É o caso da pensão
de militares para filhas solteiras, revogada em 2001. Quem se tornou militar
até 2000 pode manter esse direito. Se houver dúvidas sobre esses pagamentos, é
comum o recurso à Justiça, onde costumam ser confirmados.
Quase 20 mil juízes e 8,5 mil procuradores da
amostra estão no topo da pirâmide de renda do Brasil, o 1% que ganha mais de R$
685 mil ao ano. O estudo concluiu que pelo menos 2,7% da elite brasileira é
formada por servidores públicos que recebem supersalários. É uma proporção sem
paralelo nos países analisados. Em segundo lugar vem a Colômbia, com 0,81%,
seguida por Argentina (0,27%), Itália (0,23%) e México (0,2%). Na Alemanha,
apenas 16 salários públicos superam o limiar do 1% de maior renda. Em Portugal,
33. Na França, 47. No Reino Unido, 139. No Chile, 180.
As estatísticas mostram que os supersalários do serviço público são uma das causas da má distribuição de renda no Brasil. Como os “penduricalhos” se estendem a aposentadorias e pensões, os desvios perduram no tempo, provocando danos fiscais contínuos. Tais problemas são conhecidos e reforçam a necessidade de aprovar com urgência uma reforma administrativa com restrições duras aos supersalários.
Vantagem do projeto da dosimetria é não ser
anistia
Por Folha de S. Paulo
Texto aprovado pela Câmara afasta impunidade
a Bolsonaro e permite a correção de penas exageradas
Se projeto passar no Senado e não for vetado, a pena do ex-presidente pode cair de 27 anos e três meses para pouco mais de 20 anos
A maior vantagem do projeto que muda
a dosimetria em condenações por golpismo, aprovado pela Câmara
dos Deputados na madrugada desta quarta-feira (10), é não ser uma
anistia para criminosos.
Se a proposta passar pelos senadores e não
sofrer veto de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os advogados de Jair
Bolsonaro (PL)
—o exemplo mais importante, mas não o único— poderão pedir revisão criminal ao
Supremo Tribunal Federal. Se tiverem êxito, é possível que a pena imposta ao
ex-presidente caia de 27 anos e três meses a poucos mais de 20 anos, período
nada desprezível.
O tempo de prisão em regime fechado pode
sofrer redução mais acentuada, de cerca de 7 anos para algo entre 3 ou 4,
dependendo de como as normas forem interpretadas. Se Bolsonaro se valesse de
todos os benefícios da remição por trabalho e estudo, teria o direito de passar
para o semiaberto um pouco antes.
O texto do projeto, relatado pelo
deputado Paulinho
da Força (Solidariedade-SP),
foi aprovado por 291 votos a 148, num dia de enorme confusão na Câmara por
causa de mais um motim com o qual o presidente da Casa, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB),
não soube lidar.
Para não passar de novo por tíbio, Motta
mandou a polícia legislativa arrancar à força da cadeira de presidente o
deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), que a
tomara em protesto contra sua iminente cassação. De quebra, cerceou-se
o trabalho da imprensa.
A aprovação do projeto foi possível depois
que a ala bolsonarista desistiu, ao menos momentaneamente, de exigir uma
anistia ampla para os golpistas e passou a apoiar a redução de penas.
Deixou-se de lado uma proposta descabida e
politicamente inviável que, para beneficiar os líderes da intentona,
prejudicava um desfecho mais favorável para os peões que participaram da
invasão às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 —alguns deles
receberam penas francamente exageradas, de até 17 anos.
A principal intervenção do relator foi
estabelecer que, se os crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado
de Direito ocorrem no mesmo contexto, as penas não devem ser somadas, como
o STF vinha
fazendo. Nesses casos, deverá ser aplicada só a pena do crime mais grave,
elevada de um sexto até a metade.
Teses semelhantes eram defendidas por muitos
penalistas e até por alguns dos ministros do STF.
Outra alteração relevante foi definir que autores de crimes violentos possam
progredir de regime após o cumprimento de um sexto da pena e não mais um
quarto. Ironicamente, colocar óbices a progressões do tipo era uma bandeira
cara à direita linha dura, incluindo a bolsonarista.
Ao fim e ao cabo, o projeto consegue
equilibrar-se entre o imperativo de não anistiar os golpistas, o
que equivaleria a um suicídio institucional, e permitir a correção de
excessos em algumas das penas —incluindo a aplicada pelo Supremo ao
ex-presidente.
Serviço de mototáxis pede passagem, mas sob
segurança
Por Folha de S. Paulo
Exigências em texto sancionado por Nunes
podem inviabilizar atividade; regulação deve buscar rigor técnico
Legislação factível com a realidade do
tráfego paulistano e que priorize sobretudo a vida de condutores e passageiros
é o melhor caminho
Numa metrópole em que 397 cidadãos morreram
em acidentes de motocicleta nos dez primeiros meses deste ano —ou 1,3 óbito por
dia, em média, seja condutor ou passageiro—, é evidente que o uso do veículo
como um negócio para transportar pessoas seja observado à luz de viabilidade
operacional, regulamentação responsável e segurança no trânsito.
A guerra judicial entre a Prefeitura de São Paulo,
contrária à implementação, e as empresas de aplicativos, entretanto, indica que
tais predicados podem estar ofuscados por outros interesses.
No último ato dessa batalha, após imposição
da Justiça, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) sancionou
nesta terça (9) o projeto
de lei que regulamenta o serviço de mototáxis na capital paulista.
Trata-se de extenso e rígido regramento, que
prevê, entre outras condições, multas de R$ 4.000 a R$ 1,5 milhão para empresas
que o descumprirem; restrição em vias expressas e no centro expandido da
cidade; curso especializado de 30 horas aos motociclistas; placas diferenciadas
e equipamentos extras de segurança; e —o que é sintomático— seguro funerário
obrigatório.
Gigantes como Uber e 99, que devem
recorrer da regulamentação, afirmam que as exigências
inviabilizam a operação e ferem legislação federal específica.
Os aplicativos desejavam iniciar o serviço
imediatamente e apontam "excessos", como o prazo de até 60 dias para
a prefeitura avaliar toda a documentação.
Nunes, que classificou as empresas de
"famintas por dinheiro", ainda nutre a esperança de que o Supremo
Tribunal Federal (STF)
proíba a atividade em São Paulo.
Dos gabinetes para as ruas, o fato é que
mototaxistas clandestinos já circulam livremente, principalmente nas
periferias.
Nesses bairros, eles suprem uma malha
metroferroviária descapilarizada e um sistema de ônibus ineficiente
—este amarga perdas de passageiros, motivadas também pela popularização dos
carros por aplicativos. Não à toa, viações exercem forte pressão sobre o
prefeito para que o novo modal não vá adiante.
Outras capitais já disponibilizam o serviço
de mototáxis, e tudo indica que em São Paulo não será diferente, ainda que a
operação permaneça irregular.
Diante do quadro, um arcabouço legal factível com a realidade do tráfego paulistano, sem imposições por interesses de mercado e que priorize sobretudo a vida é o melhor caminho. Afinal, como todo bom motociclista sabe, equilibrar-se em duas rodas exige prudência, conhecimento técnico e atenção redobrada.
A Câmara fez a coisa certa
Por O Estado de S. Paulo
Câmara cumpre sua função de contrapeso ao
corrigir distorções criadas pelo STF na fixação de penas aos golpistas. A
punição aos ataques contra a democracia deve se pautar por justiça, não
vingança
A Câmara dos Deputados cumpriu sua função no
sistema de freios e contrapesos ao aprovar o substitutivo do deputado Paulinho
da Força (Solidariedade-SP) ao Projeto de Lei 2.162/23, o chamado PL da
Dosimetria. Por ampla maioria, a Casa abriu caminho para a correção das
barbaridades jurídicas cometidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na fixação
das penas aos condenados pela trama golpista.
De antemão, é importante frisar: as penas
cominadas aos crimes contra o Estado Democrático de Direito não foram
reduzidas. Tampouco criminosos foram anistiados. Houve, isso sim, uma correção
necessária na interpretação que se faz dos crimes de tentativa de abolição do
Estado Democrático de Direito, previsto no art. 359-L do Código Penal, e de
tentativa de golpe de Estado, tipificado no art. 359-M do mesmo diploma legal.
E isso, sim, desborda em uma nova fórmula de cálculo da reprimenda a esses
delitos.
Prevaleceu na Câmara o entendimento, correto,
de que é aplicável aos réus pela trama golpista o instituto do concurso formal,
previsto no art. 70, caput,
do Código Penal. Segundo essa regra, quando dois ou mais crimes são praticados
mediante a mesma conduta e no mesmo contexto, o mais grave “absorve” os menos
graves. Vale dizer, aplica-se ao criminoso a maior das penas, se os delitos
forem distintos, ou apenas uma delas, se idênticos – aumentada de um sexto até
a metade.
O concurso formal, no caso dos dois tipos
penais citados acima, deveria ter sido observado pela Procuradoria-Geral da
República (PGR) e pelo STF desde o início do julgamento, mas, lamentavelmente,
não foi, o que levou a uma resposta estatal tão aberrante que a própria
temperança do STF foi questionada por boa parte da sociedade. O incrível caso
da cabeleireira Débora dos Santos, condenada a nada menos que 14 anos de prisão
por ter pichado a estátua da Justiça em frente ao STF armada de um batom, é só
o exemplo mais gritante dessa injustiça.
Desde 2021, quando foi editada a Lei de
Defesa do Estado Democrático de Direito, não há consenso nos meios acadêmico e
jurídico sobre a distinção entre o art. 359-L e o art. 359-M do Código Penal.
São tipos com estruturas semelhantes, que descrevem condutas frequentemente
sobrepostas no curso de um mesmo contexto criminoso: subversão à força da
vontade popular manifestada nas urnas. É quase intuitivo presumir que quem
tenta abolir violentamente o Estado Democrático de Direito também tenta um
golpe de Estado. Diante dessa afinidade ontológica entre os dois crimes,
aplicar penas cumulativas, como se fossem tipos independentes, não raro leva a
distorções.
Dito isso, por ora é prematuro afirmar quanto
tempo mais o ex-presidente Jair Bolsonaro permanecerá preso em regime fechado.
O projeto aprovado pela Câmara é, sim, mais benéfico para todos os condenados,
mas não modificou as penas mínimas e máximas previstas para os crimes pelos quais
foram julgados. Ou seja, caso o Senado aprove o PL da Dosimetria e o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva o sancione, caberá exclusivamente ao STF recalcular
as penas aplicadas aos réus à luz da nova lei. Logo, qualquer estimativa fora
dos autos, como alguns logo passaram a fazer, não passa de especulação.
Em um país civilizado, a legislação penal não
se presta à vingança, mas à justiça. O que se busca é assegurar que o direito
do Estado de punir criminosos com a privação da liberdade seja exercido com racionalidade
e proporcionalidade. Ao recuperar esse primado elementar do Direito,
particularmente ao resgatar o concurso formal da sanha punitiva contra os
golpistas, a Câmara impediu que os erros de superposição de condutas típicas
cometidos pela PGR e pelo STF produzissem penas draconianas, para além de
qualquer lógica jurídica. O Judiciário, de fato, tem de punir com rigor aqueles
que atentaram contra a ordem constitucional vigente. Mas, igualmente, tem de
garantir que cada réu responda exatamente pelo que fez, e não por uma soma
arbitrária de imputações indistinguíveis entre si.
Ao fim e ao cabo, a Câmara deu uma solução
política para um problema jurídico causado pelo Supremo. Cabe agora ao Senado e
ao Executivo completar esse percurso. No regime democrático, o combate ao
golpismo não se fortalece com abusos, mas com a reafirmação dos limites que a
lei impõe ao direito de punir do Estado e do próprio ideal de Justiça.
A Previdência sob ataque
Por O Estado de S. Paulo
O Supremo analisa ações que tentam derrubar
regras da reforma de 2019, num processo de contrarreforma das aposentadorias e
pensões, o que gera insegurança jurídica e risco fiscal
O Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes
a dar mais uma de suas guinadas jurisprudenciais. São aqueles movimentos
abruptos e inesperados capazes de deixar o mundo jurídico, os agentes
políticos, o empresariado e os investidores atônitos, mas não surpresos. Desta
vez, os ministros podem tirar mais um tijolo do edifício da reforma da
Previdência, aprovada pelo Congresso no governo Jair Bolsonaro, em 2019,
ajudando, assim, em sua contínua desconstrução.
Preocupa o desfecho que poderá ser dado na
Corte a uma série de temas polêmicos pendentes de análise. E ganha destaque
entre eles a fórmula do cálculo da chamada aposentadoria por incapacidade
permanente, a antiga aposentadoria por invalidez, paga pelo Instituto Nacional
do Seguro Social (INSS). Isso porque um recurso extraordinário com repercussão
geral poderá mudar a regra, aumentando, de um lado, o valor do benefício aos
segurados e, de outro, o rombo das contas públicas.
Pelo texto da reforma da Previdência, o valor
mínimo da aposentadoria por incapacidade permanente causada por uma doença
grave, contagiosa e incurável, e não por um acidente de trabalho, deve ser de
60% da média dos salários, com acréscimo de dois pontos porcentuais para cada
ano de contribuição que exceder a 20 anos. Até o momento, o placar está em
cinco votos para derrubar essa regra, estabelecendo os mesmos critérios da
aposentadoria por acidente de trabalho, cujo valor do benefício é de 100% da
média salarial.
Para a regra atual ficar a um voto de cair,
houve uma reviravolta entre os ministros. O julgamento havia sido iniciado no
plenário virtual e o então relator, Luís Roberto Barroso, que já deixou a Corte
e cujo voto não pode ser alterado, defendeu acertadamente a constitucionalidade
da regra. Foi seguido por Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Cristiano Zanin.
Em setembro, Flávio Dino pediu vista, e, logo depois, Edson Fachin destacou o
caso para o plenário físico, o que, em tese, zerou o jogo.
Com a retomada do julgamento no início de
dezembro, Dino abriu divergência sob o argumento de que a incapacidade
justifica o pagamento da aposentadoria integral. Foi aí que Moraes mudou de
ideia, e o que, para ele, era constitucional agora é inconstitucional, passando
a seguir Dino, assim como o fizeram Fachin, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. Nunes
Marques aderiu à tese de Barroso. E o julgamento foi suspenso, ainda faltando
os votos de Gilmar e Luiz Fux.
A Advocacia-Geral da União (AGU) se esforçou
na defesa da preservação da regra. Ao representar o INSS, a subprocuradora
federal Renata Maria Pontes Cunha destacou a importância do equilíbrio do
sistema e afirmou que a dignidade não tem um valor fixo. Não à toa, pois,
segundo o Anexo de Riscos Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de
2026, os processos judiciais contra a Previdência podem gerar um impacto de até
R$ 497,9 bilhões nas contas da União.
Vale lembrar que, quando o então ministro da
Economia, Paulo Guedes, apresentou a reforma da Previdência, a estimativa era
de que fosse gerada uma economia de R$ 1 trilhão em dez anos. Mas a proposta
foi desidratada na tramitação, assim como vem sendo desidratada desde a
promulgação.
O que o Brasil assiste tanto em matéria
previdenciária como trabalhista é à implementação de graduais contrarreformas.
O problema é que, com o envelhecimento da população, a alta informalidade da
economia e a elevação dos gastos previdenciários e assistenciais, o País terá
em breve um novo encontro com uma reforma da Previdência, ainda mais profunda.
Para evitar a degradação dos legados deixados
pelo Congresso e por governos passados, deve o Poder Judiciário, sobretudo o
STF, respeitar essas conquistas, e não implodi-las. Não podem os ministros da
Corte virarem elementos de instabilidade fiscal e macroeconômica, mudando de
voto como quem muda de roupa ou muda de humor. A retomada do julgamento ainda
não tem data marcada, mas, em defesa da segurança jurídica, espera-se que os
votos restantes restabeleçam o espírito da reforma.
O direito de voltar para casa
Por O Estado de S. Paulo
Greve surpresa mostra paulistano à mercê de
motoristas, cobradores e empresas de ônibus
O depoimento de um trabalhador a um
telejornal da TV Globo na terça-feira, 9, resumiu bem o sentimento do
paulistano com a greve surpresa deflagrada naquele dia por motoristas e
cobradores de ônibus. Visivelmente cansado, o homem afirmou que havia ficado
“uma hora tentando entrar na Estação Sé”, do Metrô, sem conseguir “nem passar
da catraca” porque a plataforma estava “superlotada”. Disse que não sabia mais
o que fazer e lamentou aquela situação, pois, “infelizmente, na maior cidade da
América Latina, o paulistano trabalhador não tem o direito de voltar para
casa”.
Foi o direito de ir e vir de 3,3 milhões de
paulistanos que foi violado pela greve irresponsável de motoristas e
cobradores. E não foram afetados apenas os usuários de ônibus. Houve um efeito
cascata: sem aviso prévio, num dia de chuva e no horário de pico, quando as
pessoas estão voltando para casa ou indo para a faculdade ou a escola, os
motoristas e cobradores acharam por bem promover o caos na metrópole, levando
transtornos também ao metrô, aos trens, aos ônibus intermunicipais e ao
trânsito, que naquela noite bateu o recorde de congestionamento de 2025, com
1.486 quilômetros de vias travadas.
Tudo isso só aconteceu porque os motoristas e
cobradores, com o apoio do SindMotoristas, recolheram, às 16 horas, os ônibus
às garagens e cruzaram seus braços. A categoria usou a chantagem contra a
população paulistana como um instrumento de pressão sobre as empresas de
ônibus, representadas pelo sindicato SPUrbanuss. Os trabalhadores estavam
inconformados com o pedido de mais prazo feito pelas concessionárias para o
pagamento do 13.º salário e do vale-refeição das férias, que estavam previstos
para cair na sexta-feira, 12.
Como a Prefeitura já fizera os repasses do
subsídio do transporte municipal, as empresas tinham o dever de cumprir o que
foi acordado com seus trabalhadores. Assim como os motoristas e cobradores
também tinham o dever de respeitar o compromisso que firmam diariamente com a
população de São Paulo, que é transportá-la. O descumprimento das obrigações
por parte das companhias de ônibus não autoriza o corte do serviço. Até porque
existe a Lei de Greve, que obriga o aviso de uma paralisação com 48 horas de
antecedência e estabelece quais são os serviços essenciais, tais como o
transporte coletivo.
O prefeito Ricardo Nunes fez um boletim de ocorrência, convocou uma reunião de emergência com empresários e sindicalistas e cobrou a volta dos ônibus às ruas, ameaçando, acertadamente, as concessionárias de rompimento dos contratos caso os pagamentos aos trabalhadores não fossem realizados. Num sistema que entre janeiro e outubro já custou R$ 6 bilhões em subsídios, sem contar o recolhimento da tarifa paga pelos passageiros, não parece faltar dinheiro. Que a Prefeitura puna com rigor as empresas. E que a Justiça do Trabalho se mostre ao lado do trabalhador que sofreu nos pontos de ônibus e puna essa e qualquer outra greve abusiva e ilegal contra o paulistano.
Fed pausará cortes e BC indica IPCA mais
perto da meta em 2027
Por Valor Econômico
A divisão interna no banco central americano
se aprofundou, enquanto no Copom a decisão foi unânime
O Federal Reserve (Fed, o banco central
americano) fez o que era esperado e reduziu em 0,25 ponto percentual sua taxa
básica de juros, para o intervalo entre 3,5% e 3,75%. A divisão interna no
banco central americano se aprofundou, com dois membros do Comitê de Mercado
aberto, que decide as taxas, defendendo a manutenção e um, Stephen Miran,
indicado pelo presidente Donald Trump, a favor de um corte maior, de 0,5 ponto
percentual. A mediana das projeções dos membros do comitê indica apenas mais um
corte de juros em 2026, assinalando uma longa pausa nas reduções, embora haja
forte divergência de expectativas. Oito membros do comitê esperam taxa de 3% ou
menos, três esperam que o juro volte a subir, quatro que não haja mais cortes e
quatro são a favor de uma redução de 0,25 ponto. Tal divisão não ocorre no BC
brasileiro: a Selic foi mantida em 15% por unanimidade.
Ainda que o Fed tenha que tomar decisões em
condições adversas, depois do apagão estatístico com a paralisia das atividades
do governo americano, os dados mais recentes do emprego mostram apenas uma
deterioração na margem. As projeções para a taxa de desemprego do banco não se
moveram em relação à reunião anterior e se situam em 4,5% em 2025, 4,4% em 2026
e 4,2% no ano seguinte. O comunicado, no entanto, coloca mais ênfase no risco
de alta da inflação. É uma composição estranha, porque a economia voltará a
crescer acima de seu potencial (de 1,8%) já no ano que vem e se manterá assim
em 2027. A inflação, por outro lado, ainda estará 0,5 ponto percentual acima da
meta de 2%, para encostar nela em 2027, com 2,1%. O desemprego, por seu lado,
após avançar um pouco, declinará para perto das mínimas históricas, sem
indicação dos próximos passos.
Segundo Jerome Powell, presidente do Fed, todos
os participantes da reunião concordaram que a inflação permanece expressiva e
também que os riscos para o mercado de trabalho estão em alta. “A grande
diferença está na avaliação sobre que peso dar a cada um desses fatores. A
decisão foi apertada. Tivemos de optar”, disse. O pano de fundo, porém, é
positivo. O consumo está em boa forma, a política fiscal deverá ser
expansionista em 2026, com o corte de impostos aprovado pelo Congresso, e os
investimentos têm bom ritmo. Ele atribui ao aumento da produtividade americana,
de 2% nos últimos anos, o fato de a economia seguir crescendo com o emprego
estabilizado ou em ligeira queda e o aumento de salários não estar tendo peso
relevante na inflação.
Powell mostrou-se mais confiante na previsão
de que o efeito das tarifas será de curta duração e não jogará os índices de
preços a novo patamar. Houve uma mudança importante no mix inflacionário, com
os preços dos serviços, que antes impediam uma queda relevante dos índice de
preços ao consumidor, agora em baixa, e a inflação dos bens, antes modesta,
está em alta, pelo efeito das tarifas, que o Fed presume temporário.
Os próximos passos, pelas projeções dos
membros do Fed, indicam uma pausa nos cortes dos fed funds. Segundo Powell, a
política monetária restritiva levou os juros para uma faixa já considerada
próxima da neutralidade, a que não contrai nem estimula a economia. Após três
cortes, que acumularam 0,75 ponto percentual, o banco vai observar seus
efeitos. Powell afirmou que hoje não há menor cogitação de um aumento da taxa.
O Banco Central do Brasil manteve a taxa de
juros e não indicou seus próximos passos. O reconhecimento de que a política
monetária produziu agora efeitos mais contundentes, expressos pela queda da
inflação e pelo esfriamento da economia, revelada pela virtual estagnação do
PIB do terceiro trimestre, veio acompanhado da advertência de que a inflação de
longo prazo continua desancorada, mas a distância entre a meta e o IPCA
projetado no cenário de referência encurtou de 3,3% para 3,2%, praticamente no
alvo, no segundo trimestre de 2027.
O IPCA divulgado ontem garantiu que a
inflação voltou para dentro do intervalo de tolerância, a 4,46% em doze meses
até novembro, e fechará o ano abaixo do teto de 4,5%. Os elementos positivos
registrados no IPCA de outubro continuaram presentes, em especial a redução de
preços de alimentos e bebidas, secundada pelo mesmo movimento em saúde e
cuidados pessoais e deflação em artigos de residência e comunicação.
O cenário para 2026 é complexo, ainda mais porque o calendário eleitoral começou a repercutir aos poucos nos preços dos ativos. Um fator a levar em conta nas oscilações é o dólar, com forte poder de influência sobre os preços internos. Mais importante a curto prazo são os passos que o governo Lula tomará para melhorar as chances de reeleição do presidente. Há algo em torno de R$ 200 bilhões em estímulos de crédito em programas que favorecem o incumbente e outros a caminho (Valor, ontem). Gastos fiscais e parafiscais aumentados poderão interromper a queda da inflação e a redução dos juros.
Redução de penas, uma virada duvidosa
Por Correio Braziliense
A decisão da Câmara dos deputados, ainda que
não explicitamente, abre espaço para o entendimento de que a democracia
brasileira é frágil e pode vir a ser massacrada por grupos políticos engajados
e defensores de um regime de exceção
A redução de penas dos condenados pela
tentativa de golpe ao Estado Democrático de Direito em 8 de de janeiro de 2023
foi definida pelo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, como uma
"virada de página". Mas a decisão dos 291 deputados por amenizar a
punição dos envolvidos poderá abrir uma gigantesca fissura na Constituição
Cidadã de 1988. Ela ignora e deprecia a luta de centenas de brasileiros que
foram massacrados durante 21 anos de ditadura militar (1964-1985).
A decisão dos deputados, ainda que não
explicitamente, abre espaço para o entendimento de que a democracia brasileira
é frágil e pode vir a ser massacrada por grupos políticos engajados e
defensores de um regime de exceção. A "virada de página" sinaliza que
castas privilegiadas têm poder de eliminar da Carta Magna o artigo 5º e
quaisquer outros que sustentam que todos são iguais perante as leis.
A aprovação do Projeto de Lei nº 2162/23,
segundo o relator, Paulinho da Força Sindical, aplica-se exclusivamente aos
líderes da tentativa de golpe de Estado e aos predadores das instalações da
sede dos Três Poderes. A explicação do relator é insuficiente para garantir que
outras tentativas de golpe não contarão com a mesma benesse, em um país
dividido e violento, contaminado pelas organizações criminosas, com vários
integrantes infiltrados nas instituições do Estado.
A "virada de página" poderá
empurrar o Brasil ao passado e reavivar valores incompatíveis com os avanços
civilizatórios do século 21. Há muitas décadas, a sociedade reconhece que a truculência
dos regimes autocráticos ou ditatoriais é a negação cruel dos direitos humanos.
Não se trata de uma suspeita leviana, quando há inúmeros exemplos na história.
Tanto o Brasil quanto outras nações democráticas rejeitam modelos que oprimem
os cidadãos.
O Congresso Nacional, por meio do Senado
Federal, poderá dissipar da sociedade uma preocupação legítima de que a quase
anistia geral e irrestrita aos participantes do vandalismo do 8 de Janeiro será
prática corriqueira no país. A revisão das penas previstas para os autores dos
crimes praticados em janeiro de 2023 chegou à margem da banalização dos atos de
vandalismo contra os Três Poderes. Os líderes são os mais beneficiados pelo
projeto. Entre eles, o então presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos de
prisão em regime fechado, que poderá ter a pena reduzida a 12 anos.
A suposta derrota do Executivo e do
Judiciário, por meio da redução das penas aos condenados, fere, na realidade,
toda a nação e a coloca em um patamar de instabilidade. A decisão da Câmara dos
Deputados, durante a madrugada de terça-feira, poderá significar a largada para
a derrocada da democracia e o início de um retrocesso extremamente danoso aos
brasileiros, excluídas as castas antidemocráticas, como as que apoiaram o
vandalismo de 8 de janeiro de 2023.
Diante das muitas adversidades enfrentadas pela população brasileira, Legislativo e Executivo deveriam dialogar mais e criar barreiras a iniciativas que tentam abolir o Estado Democrático de Direito. Ambos os poderes deveriam unir forças para que o Brasil possa abolir definitivamente as desigualdades socioeconômicas e alcançar o patamar de nação desenvolvida.
Truculência na Câmara: deputados e
jornalistas agredidos
Por O Povo (CE)
Os fatos demonstram
que o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, ainda tem muito a fazer
para provar que está à altura do cargo que ocupa
A atitude do deputado Gláuber Braga (Psol-RJ)
em ocupar a cadeira do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, na tentativa de
impedir a votação do projeto de lei da "dosimetria", é indefensável.
No entanto, os eventos que se seguiram revelaram o completo despreparo de Motta
para um cargo da importância que ele ocupa, o segundo na linha de sucessão da
Presidência da República.
Na tentativa de mostrar autoridade, Motta
mandou a Polícia Legislativa retirar
Braga à força da cadeira que ocupava indevidamente. Sem levar em conta os
antecedentes de um caso pior do que este, poder-se-ia considerar essa solução
razoável, se houvesse fracassado uma negociação para Braga sair pacificamente.
As ordens de Motta, no entanto, não se
restringiram ao deputado
rebelde. Ele também proibiu a presença de outros parlamentares
no plenário e, em ato aberto de censura, mandou cortar o sinal da TV Câmara e
ordenou a saída dos jornalistas do recinto. Assistiu-se então a um festival de
violências, incluindo agressões físicas a profissionais da imprensa, algumas
delas praticadas pelo chefe de segurança da Câmara, subordinado direto de
Motta.
Parlamentares também foram agredidos. O
deputado Rogério Correia (PT-MG) disse que pelo menos seis deles sofreram agressões físicas por
seguranças, por isso, entrarão com queixa-crime contra Motta.
Como sempre acontece em casos assim, sobram
explicações frágeis, que não resistem aos fatos. Mota negou que houvesse
mandado cortar o sinal da TV e disse que vai apurar "possíveis
excessos" praticados pela Polícia Legislativa. Mas o "excesso"
começou por Motta, pois foi ele que determinou a retirada dos jornalistas do
recinto, uma atitude
autoritária, incabível, em uma democracia, que não admite o cerceamento
do trabalho jornalístico dos meios de comunicação.
Tanto entidades que representam as empresas
de comunicação, quanto
as associações profissionais emitiram notas condenando com veemência as
agressões contra jornalistas.
É de se lembrar o comportamento contraditório
de Motta que, em um caso mais grave do que o atual, eve uma atitude de
tolerância com parlamentares de direita. Aliados de Jair Bolsonaro, eles
invadiram e ocuparam a mesa
diretora da Câmara por dois dias, em agosto, exigindo que
o PL da Anistia fosse votado para beneficiar o ex-presidente.
O esforço, a pressa e a truculência
comandadas por Motta no episódio atual tinham um motivo: o Centrão queria
aprovar a qualquer custo o PL
da Dosimetria, o que aconteceu a toque de caixa na madrugada de
quarta-feira. O projeto reduz significativamente a pena a que foram condenados
integrantes da organização que tentou golpear o Estado Democrático de Direito.
Esses fatos demonstram que o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, ainda tem muito a fazer para provar que está à altura do cargo que ocupa.

Nenhum comentário:
Postar um comentário