O Globo
Elas permitem que gente de esquerda e de
direita se encontre em muitas concordâncias sem falar de esquerda ou direita.
Empatia nasce daí
Alguns de meus colegas na imprensa têm escrito colunas sobre como evitar brigas nas festas de fim de ano. Também acho necessário. Mas, sabe, é exigir um bocado da sociedade brasileira. Pescando, aqui, números da última Quaest: 55% de nós consideram que Lula não deveria sair candidato. É mais que a metade. O presidente sairá candidato, não importa que seja rejeitado. E 60% defendem que nem Jair nem Flávio Bolsonaro devem receber votos. São duas rejeições muito altas. A mesma pesquisa revela que os dois, Lula e Flávio, são favoritos para estar no segundo turno. Mais de metade de nós não quer nenhum — e periga sermos obrigados a escolher um deles. Como não brigar num cenário assim?
O que temos, na verdade, é um conflito de
interesses. De um lado, a sociedade. Do outro, os partidos políticos. A
sociedade preferiria outros. Acontece que estes dois, Lula e Bolsonaro, têm
algo que nenhum outro político tem: eleitores fiéis em quantidade. Lula conta
com algo como um terço dos eleitores. Basta ele dar um passo e já os carrega.
Bolsonaro tem, de cara, um quê além dos 20%. Aí é questão de matemática.
Tradicionalmente, 20% dos brasileiros não aparecem para votar. Soma tudo, os
30% de Lula, mais os 20% de Bolsonaro e aqueles 20% que se mandam, restam uns
30% de nós que já botamos os pés em 2026 com um mau humor cão. Porque periga
chegarmos num segundo turno tendo de fazer essa escolha.
Para os partidos, a conta deixa pouco espaço
de manobra. De acordo com a lei, a prioridade é eleger deputados. Quanto maior
for a bancada eleita para a Câmara, maior será o dinheiro que o partido ganha
anualmente do fundo partidário, além da verba que receberá de fundo eleitoral
nas próximas eleições. Muito deputado, muito dinheiro. Pouco deputado, a vida
será dura. Só que, tipicamente, o brasileiro só pensa em que deputado votar na
última hora. Aí, costuma casar o nome com a escolha para presidente. Quer
dizer, o partido que leva candidatos a presidente no segundo turno, mesmo que
perca a corrida para o Planalto, faz uma bancada grande.
A regra eleitoral força a mão dos partidos. O
PT precisa de Lula para liderar a esquerda. Sem Lula, não teria o peso de votos
no Nordeste. Com base no Sudeste, o partido perde espaço para o PSOL. Os
partidos de direita compreendem que Flávio é um candidato pior que Tarcísio de
Freitas e, possivelmente, Ratinho Júnior quando vier o segundo turno. Mas
ninguém ousa contrariar Bolsonaro — não sabem o que ocorreria caso ele
condenasse um candidato unificador.
Não costumamos pensar em eleições como fruto
das regras do jogo. Mas são. Sempre que criamos regras, obrigamos os jogadores
a entender o melhor resultado para seus interesses.
O que sobra para a mesa de família, no fim do
ano? Vamos brigar pelo terceiro ciclo eleitoral seguido com vermelhos de um
lado, camisa da Seleção do outro? Bem, esperanças existem. Uma é a
possibilidade de uma insurreição popular vinda do flanco direito. O eleitor conservador
se recusa a votar em Flávio ao conhecer as alternativas. Só o fato de um dos
cantos mudar de rosto já refresca o ambiente, zera as brigas e nos leva
coletivamente a outro tipo de conversa. Porque, nesse caso, haverá derrota do
sobrenome Bolsonaro no primeiro turno. E a segunda rodada da eleição terá de
tratar não de times, mas de projetos de governo.
Infelizmente, uma decisão assim, coletiva,
não depende individualmente de ninguém. É torcer por um daqueles momentos da
História em que cai a ficha numa sociedade, ela se cansa, um consenso se forma.
Aí o povo vira as costas para o passado e busca outro futuro possível.
Não fugimos, porém, das conversas no fim de
ano. Então proponho um jogo. São quatro perguntas para todos à mesa. Qual a
responsabilidade do Estado para garantir saúde, educação, aposentadoria? Esta
trata de quanto queremos um Estado de bem-estar social. Aí: qual o papel do
governo na definição de que setores da economia devem ser protegidos ou
estimulados? É aquela para medir o espaço que pertence ao Estado e o que cabe
ao mercado. Outra: quando tratamos de família, religião, sexualidade e drogas,
quanto deve ser controlado pelo governo? Uma pergunta para entender a posição
de cada um sobre costumes. E, por fim, a última: quando um governante muito
popular entra em conflito com tribunais ou Parlamento, suas decisões devem
prevalecer? Peça, nessa, que cada um imagine seu presidente favorito no
Planalto.
Essas perguntas permitem que gente de
esquerda e de direita se encontre em muitas concordâncias sem falar de esquerda
ou direita. Empatia nasce daí.

Nenhum comentário:
Postar um comentário