Dito isso, o cenário cinzento e
pré-apocalíptico tomou conta da produção audiovisual estadunidense a partir da
experiência (revigorada) Trump. O discurso trumpista é o oposto daquilo que
pensavam os “Pais Fundadores” (Jefferson, Franklin, Madison, May e até em certo
ponto, o centralizador Hamilton), como se vê na intervenção militar nas cidades
lideradas pelo Partido Democrata e na política persecutória aos imigrantes em
um eco da extrema-direita europeia com campos de concentração e separação entre
pais e filhos. Nessa toada surge o filme Uma batalha após outra, dirigido
por Paul Thomas Anderson (Sangue Negro) , um dos favoritos para o Globo de Ouro
e Oscar.
O filme retrata um EUA distópico com uma
radicalização de movimentos de luta armada que tem como estratégia explosões,
assaltos, manifestos contra um governo autoritário e militarizado. Daí surge a
vigorosa e radical Perfídia Bervely Hills (Teyana Taylo), uma ironia em termos,
além de ser uma homenagem a um grande bolero de 1939 tocado no filme. Perfídia
acaba por ser cobiçada pelo rebelde Bob Ferguson (Leonardo DiCaprio) e pelo
oficial Steven J. Lockjaw (Sean Penn) que nesse triângulo escaleno resulta uma filha,
vivida muito bem por Chase Infinity.
O filme não fala somente da sombra do
autoritarismo e da degradação dos valores democráticos em solo americano. Seu
enfoque sobre a esterilidade das ações, da verborragia de manual de academia e
a exposição da pauta individualista – seja pela negação de querer ser mãe, seja
pela delação de companheiros de luta – acaba por ser a exposição de como
chegamos a esse estado de coisas.
A proposta de Anderson não é apenas a
demonstração da derrota de um grupo – magistralmente apresentada por ele Boogie
Nights – ou do “sonho americano”, mas que o excesso de liberalismo nos trouxe a
antipolítica que acaba por fortalecer a política subterrânea (visualmente
exposta) de uma oligarquia supremacista branca.
Esse, aliás, é um dos problemas do filme. Ao
fincar o pé na canoa que critica o otimismo da vontade, a guerra de movimento,
o anacronismo de bordões (como a alusão a Maio de 68 pelo nome do grupo
rebelde), o roteiro não se esquiva de enfraquecer o papel paterno – o pai ou é
um idiota dependente – em todos os sentidos – preso a um passado idealizado que
se alimenta de álcool e drogas – ou é aquele que não tem escrúpulos em matar
sua prole, numa versão 2.0 de Darth Vader. Nesse cenário, cabe à jovem mulher
negra a sua própria libertação quando muito, ajudada por um mestiço indígena,
além da permanência da luta de protestos. Não é por acaso que o filme faz uma
alusão ao clássico e imperdível Batalha de Argel (1966), de Gillo Pontecorvo.
Com boas sequências, em especial, a da perseguição na rodovia – a vida tem altos e baixos, surge o inesperado da Fortuna – e com ótima atuação do elenco, com DiCaprio incorporando os maneirismos de Marlon Brando e Sean Penn na melhor atuação de sua carreira, o filme se apresenta forte ao Oscar mesmo com pontos fracos, como a irritante trilha sonora e furos no roteiro (sem spoiler, como o racista sabia que a filha estava naquele carro na estrada?) nessas duas canoas; a crítica da arma e a arma da crítica; a película se mantém como a alegoria do mundo em que vivemos. Esse filme terá uma boa chave interpretativa à luz da recente experiência chilena. Cabe ao fim a seguinte pergunta: como conseguir novos resultados falando e fazendo as mesmas coisas de sempre?
*Pablo Spinelli é Doutorando de Ciência Política PPGCP/UNIRIO e professor da rede pública de Saquarema e Petrópolis e da rede privada no Rio de Janeiro.

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