domingo, 24 de janeiro de 2016

Opinião do dia – Jarbas Vasconcelos

A presidente Dilma vive um processo de confusão mental que não é de hoje. Além dela, pouquíssimas pessoas dão credito ao que fala. Os ataques de hoje, lógico que não ajudam um diálogo com a oposição. Ela quer é fazer as pessoas de bobas e idiotas. O Brasil está purgando seus pecados com Dilma. É muito doloroso, mas infelizmente temos que suportá-la até que leve o país ao estrangulamento total, em breve.
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Jarbas Vasconcelos, deputado federal (PMDB-PE), O Globo, 23.1.2016

Fernando Gabeira: A guerra acabou

- O Globo

Um soldado japonês, chamado Hiroo Onoda, lutou por 30 anos, depois que a II Guerra acabou. Ele foi mandado para as Filipinas com a missão de resistir e ficou por lá, sem saber do término do conflito. É quase impossível reproduzir, hoje, a saga de Hiroo Onoda.

Mas se olhamos para o Brasil, num período de derrocada da Petrobras e dos próprios preços do petróleo, veremos que o país tem um pouco da persistência do soldado japonês. Fomos educados a pensar que o petróleo é nossa grande riqueza, constantemente ameaçada pelos estrangeiros. Saímos às ruas, os mais velhos, para defender esse tese e gritávamos orgulhosamente: o petróleo é nosso. Com a descoberta do pré-sal, no governo do PT, reacendeu-se a chama: o petróleo é nossa redenção e dele brotam as fontes dos nossos recursos. No primeiro mandato de Lula, ele flertou com o álcool, planejou usinas de álcool em todo lugar, inclusive em parceria com os americanos. Mas o petróleo era muito forte. O pré-sal fez com que Lula jogasse todos os projetos de álcool para o espaço, lambuzasse as mãos com óleo negro e acariciasse as costas de Dilma, numa célebre foto em que parecia dizer: você é a herdeira e vai nos levar ao paraíso.

Alguns sabiam que não era bem assim. Conheciam a história da doença holandesa, como os países dependentes da produção do petróleo correm o risco de se atrasar. E viam também que recursos não bastam. Os royalties saíam pelo ralo em grandes festas municipais, obras caras e quase inúteis. Os patrióticos soldados do petróleo atacaram na regulação do pré-sal. É preciso não só defender o papel da Petrobras, como afirmar nossa vocação nacionalista: a empresa era obrigada a participar de todos os projetos na área do pré-sal.

A alternativa era dar à Petrobras a preferência. Onde quisesse, participaria; onde não quisesse, descartaria. A preferência era inclusive evitar as canoas furadas. Mas não soava tão nacionalista, tão apaixonada. O populismo de esquerda queria se apresentar como o grande defensor da Petrobras. Seus adversários do PSDB não tinham como contestá-lo, na verdade entraram na onda, com medo de perder votos. Enquanto o petróleo seguia seu destino de commodity, subindo e descendo no mercado, acossado pelos perigos do aquecimento global, nossos soldados continuavam a luta para protegê-lo da ambição estrangeira, imperialista, alienígena, enfim, o adjetivo dependia do estilo pessoal do orador.

O soldado japonês ficou 30 anos lutando numa guerra por disciplina e amor ao seu país. Quem o mandou para as Filipinas disse: fique lá até que determinemos sua volta. Os soldados brasileiros do petróleo amam o Brasil de uma forma diferente do japonês. Eles se identificam tanto com o país que, ao afirmarem que o petróleo é nosso, querem dizer que o petróleo é deles. Esta confusão entre soldado e pátria, partido e país, acabou inspirando a maior roubalheira da história do Brasil: o petrolão. O governo japonês garantiu um salário digno para o soldado Hiroo Onoda até o fim de sua vida. O brasileiro terá de garantir uma longa prisão para seus retardatários guerreiros. A última grande batalha aconteceu nas ruas do Rio, quando já se sabia do escândalo da Petrobras. Comandado por Lula, um pequeno pelotão desfilou pelas ruas defendendo a grande empresa dos seus inimigos internos e externos.

Assim como Lula, usavam macacões da cor laranja. Se fosse nos Estados Unidos, pareceriam candidatos à prisão, pois já estavam vestidos com a cor certa. O laranja é a cor do uniforme dos presidiários lá e inspirou o título de uma série sobre a cadeia: “Orange is the new black”. Mas se prendêssemos todos ali, poderíamos cometer injustiças. Nem todos saquearam a Petrobras. Alguns, talvez a minoria, simplesmente, não sabem que a guerra acabou e continuam acreditando que os americanos querem nosso petróleo e que o mundo inteiro se tensiona para nos explorar. Não sabem como os americanos avançaram na exploração do xisto, ignoram os investimentos alemães e chineses na energia solar, não dimensionam um conflito muito mais importante para o petróleo: o da Arábia Saudita e Irã, sunitas versus xiitas.

Assim como o japonês que não sabia do fim da guerra, nossos soldados talvez tenham ignorado um outro marco da história contemporânea: a queda do Muro de Berlim. Seguem de cabeça erguida rumo ao socialismo do século XXI, simplesmente como se o século anterior não tivesse existido. Em vez de fazer uma luta armada para implantar seu modelo, optaram por uma sinistra marcha pelas instituições, dominando-as progressivamente, até que sejam apenas um brinquedo na mão do partido e seu líder. Essa novidade também foi para o museu, com a crise na Venezuela, a derrota na Argentina. O Brasil não é um país muito rápido para apreender as mudanças, a ponto de prender os líderes saqueadores e mandar os iludidos soldados cuidarem de sua vida.

Pelo menos já compreendeu o ridículo de expor as mãos tintas pelo petróleo, de acreditar que nosso futuro depende apenas dele, de se divertir gastando royalties em incontáveis shows musicais nas cidades do interior. A guerra acabou. Hoje a ação da Petrobras vale menos que um coco na praia. E as reservas do pré-sal que nos trariam fortunas mirabolantes tornam-se econômicamente inviáveis com o petróleo a US$ 30 o barril. O exército laranja e seu general com mãos sujas de óleo deveriam sair das trincheiras. Perderam. O pior é que fizeram o Brasil perder muito mais, com suas ilusões, erros e crimes.

Zander Navarro e Eliseu Alves: O Brasil rural, do agrário ao agrícola

- O Estado de S. Paulo

O IBGE promete realizar neste ano a apuração do novo Censo Agropecuário. Se for mantido, as estatísticas a serem levantadas sobre o vasto mundo rural reafirmarão, com maior intensidade e nitidez, as tendências principais e o aprendizado extraídos no censo anterior.

A mais reveladora dessas evidências foi iluminar um setor perpassado por preocupante dualidade: de um lado, produção e produtividade espetaculares, o Brasil emergindo como potência agrícola; de outro, a persistência da pobreza e as revelações sobre mudanças sociais dramáticas e inéditas. Sobretudo o seu esvaziamento populacional, em parte decorrente da impressionante concentração da riqueza, que limita fortemente as oportunidades sociais. É por isso que o desempenho da agricultura recebe aplausos entusiásticos quando examinado pelo primeiro ângulo, mas também críticas, se avaliado por seus impactos sociais.

Em decorrência dessa dualidade, estamos observando o nascimento de uma agricultura sem agricultores. Um setor de alto rendimento econômico, mas sem burburinho social em suas regiões rurais, onde cada vez mais reina o silêncio. Morre o agrário, que deixou tantas marcas em nossa história política e, com ele, os latifúndios, a reforma agrária, o MST e as “lutas sociais”. Agonizam o sindicalismo rural e os personagens rurais da literatura. Nasce o essencialmente agrícola, fruto de uma economia de alta produtividade.

Examinado em perspectiva o último meio século, três grandes transformações se destacam. Primeiramente, os preços reais dos alimentos caíram pela metade, permitindo a milhões de brasileiros de renda mais baixa o acesso a dietas mais saudáveis e fartas. Foi o que permitiu erradicar a entranhada fome do passado, que a todos envergonhava. Esse é, sem dúvida, o maior ganho social da modernização agrícola.

Em segundo lugar, e graças sobretudo à capacidade dos produtores, verificou-se um extraordinário movimento de intensificação tecnológica, elevando a produção e, especialmente, a produtividade. Pulamos de um patamar então estancado em 50 milhões de toneladas de grãos, em 1980, quando ainda importávamos feijão, para os quase 200 milhões atuais, alçando o Brasil à posição de segundo maior produtor global de alimentos. O ganho mais expressivo foi a constituição de um setor movido pela ciência, o que torna infantis as usuais condenações de “primarização da economia”, pois se formou um sólido setor agroindustrial em torno da produção. Se não fosse assim, a agricultura não ostentaria seus altíssimos índices de produtividade.

Por fim, há outro aspecto decisivo. A agropecuária brasileira, desde a grande crise do início da década de 1980, vem salvando os saldos comerciais do País, cobrindo a contínua perda de importância relativa das exportações industriais, em especial a partir da década de 1990. Em um quarto de século (1990-2014) o total das exportações agrícolas foi de pouco mais de US$ 1 trilhão. Daí a pergunta: sem esse desenvolvimento da agricultura, onde estariam hoje a economia e a nossa sociedade? Certamente, com o crescimento populacional, experimentaríamos uma sucessão de crises intermináveis.

Fôssemos um povo com memória, deveríamos estar homenageando diuturnamente os produtores rurais (grandes e pequenos), que nos vêm salvando há tantos anos, modernizando o setor. Um país com mais consciência sobre a sua própria História deveria reconhecer fatos de tamanha relevância econômica e social.

O Censo deste ano registrará, sem dúvida, a persistência daquela dualidade. No anterior, foi verificado que somente 11,4% dos estabelecimentos rurais respondiam por 87% da produção agropecuária. O que revelarão as novas estatísticas? Há inúmeros desafios em curso que precisam ser enfrentados com sabedoria científica e sensatez pública. As tendências demográficas são alarmantes, pois em um quinto dos estabelecimentos rurais os casais não têm filhos, o que sugere que logo deixarão o campo. As taxas de natalidade rurais são praticamente iguais às urbanas, as famílias reduziram-se e vai desaparecendo a oferta de trabalho em todas as regiões.

A épica aventura das migrações rurais retratada no passado hoje inexiste e qualquer jovem se aventura a deixar o campo sem nenhum temor. As moças saem antes e, assim, o mundo rural se masculiniza, tornando-se gradualmente inabitável.

No plano econômico e financeiro, a atividade chegou à sua culminância schumpeteriana e vigoram formas de acirramento concorrencial que estão encurralando os pequenos estabelecimentos rurais, uma vez que são remotas suas chances de competir com os que detêm maior integração com os mercados e acesso ao crédito e à tecnologia. Mesmo assim, parcelas significativas de imóveis com menos de cem hectares vêm obtendo rendas mais altas do que as grandes propriedades, especialmente se tiverem acesso à água e produzirem frutas, hortaliças e pequenos animais.

Infelizmente, o Estado e a ação governamental, incluindo as instituições de pesquisa agrícola, no geral vêm ignorando essas mudanças aqui apontadas. Por isso as tendências mais problemáticas ainda não foram contrarrestadas por iniciativas públicas. Urge trazer à frente o conhecimento sobre os processos econômicos e financeiros, pois são eles que atualmente comandam ferreamente o setor agropecuário. Há muito os focos agronômico e tecnológico se renderam aos imperativos da rentabilidade, mantidas as exigências crescentes de sustentabilidade ambiental. Sem renda, nenhuma família rural ativará seus recursos para pôr em marcha essa fabulosa máquina de produzir riqueza. Temos a combinação ideal de recursos naturais e um conjunto de produtores capazes, além de mercados, o interno e o externo, que precisam ser saciados. Não podemos desperdiçar esta oportunidade.

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*Zander Navarro é sociólogo e pesquisador em ciências sociais.
*Eliseu Alves é doutor em economia rural, foi presidente da Embrapa.

Merval Pereira: O impedimento na democracia

- O Globo

Na mesma trilha do professor Reinaldo Gonçalves, da UFRJ, cujo trabalho mostrando que o impeachment pode dar um bônus econômico ao país e foi objeto de análise de uma coluna recente, o cientista político Carlos Pereira, da FGV Rio, envia um artigo dos cientistas políticos Kathryn Hochstetler, da Universidade de Waterloo, e David Samuels, da Universidade de Minnesota, que demonstra que não só a economia pode vir a se beneficiar, mas as próprias instituições democráticas se fortalecem pós-impedimento de um presidente.

Os perdedores tendem a se submeter à decisão majoritária do Legislativo e não ocorreram viradas de mesa. Ou seja, a própria democracia se fortalece ao sinalizar a vitória da virtude sobre o vício. “Crisis and Rapid Re-equilibration: The Consequences of Presidential Challenge and Failure In Latin America” (Crises e rápido reequilíbrio: as consequências de desafio presidencial e falha na América Latina, em tradução livre) é o título do trabalho, que analisa casos entre 1978 e 2006.

Nesse período, 30% de todos os presidentes eleitos democraticamente no mundo enfrentaram movimentos para tirá-los do poder, e 12% foram forçados a deixar o cargo antes do término de seus mandatos. Neste trabalho, os dois cientistas políticos americanos analisam as consequências dessas crises, mostrando que a saída antecipada de um presidente é um mecanismo de equilíbrio que resolve os conflitos entre o Executivo e o Legislativo no presidencialismo.

Na verdade, diz o estudo, o impedimento revela a vitalidade da democracia na América Latina. Embora os desafios presidenciais e quedas representem crises difíceis, seus efeitos são limitados e efêmeros. Os cientistas políticos concluem que esses casos provocam apenas superficiais e efêmeras consequências à governança democrática na América Latina. A saída antecipada de presidentes não é um sintoma de fraqueza democrática, especulam os autores, mas, ao contrário, revela a força da democracia representativa.

Mesmo admitindo que há visões mais pessimistas, os autores tendem a afirmar que as crises, de maneira geral, são uma ameaça mínima ao presidencialismo, sendo na verdade uma solução razoável para o estresse de governar com a separação de poderes.

As crises do sistema presidencialista tendem a ser breves e, mais importante, deixam feridas superficiais. Os autores afirmam que não encontraram evidências de quebra sistemática de legitimidade nem uma séria interrupção da governança. Não há também uma erosão do presidencialismo como sistema de governo.

Na opinião dos estudiosos, a repetida solução pacífica das crises presidenciais indica a resiliência da democracia na América Latina contemporânea. Na visão deles, resolver os problemas com a participação em massa dos cidadãos e dentro do Legislativo é um avanço na perspectiva histórica, uma quebra dos ciclos de intervenções militares.

Samuel Pessôa: Resistência ao ajuste

- Folha de S. Paulo

Em qualquer ajuste econômico, pobre sempre paga relativamente mais do que rico. E isso não é por maldade ou falta de espírito público dos formuladores das políticas econômicas. É porque os ricos têm gordura pra queimar.

Outra dificuldade de ajustes econômicos é que eles geram custos no curto prazo e ganhos no longo.

O Estado de Bem-Estar Social -seguro-desemprego, programa Bolsa Família etc.- consegue minorar a tendência das economias de mercado de concentrar maior parcela dos custos do ajustamento econômico sobre os mais pobres, mas não consegue reverter.

A maneira de impedir que rico consiga se defender melhor do ajuste do que os pobres seria acabar com as desigualdades, o que requer impedir que os mecanismos de mercado de oferta e demanda operem, além de fortes restrições à liberdade individual. Não é por outro motivo que governos de extrema-esquerda, quando se defrontam com esse dilema, escolhem acabar com o mercado.

Por exemplo, a Venezuela enfrenta o ajuste a que foi forçada pela queda do preço do petróleo regulando o acesso das pessoas aos bens e serviços. Há um complexo sistema de controle de preços, sobre os vendedores, e de cotas individuais, sobre os consumidores, para que todos, independentemente da renda, consigam ter acesso aos bens de primeira necessidade.

Como argumentei na semana passada em um contexto totalmente distinto: "A dificuldade é que esse tipo de regulação tem muitos efeitos colaterais: o controle de preços reduz o incentivo aos produtores, e o controle de quantidade sobre os consumidores produz mercado paralelo muito ineficiente. Esse tipo de regulação somente funciona em sociedades em guerra, que possam punir exemplarmente o desvio -em geral, com julgamentos sumários e pena de morte- e que aceitem com muita facilidade o erro jurídico, isto é, matar um inocente".

Dados os custos de ajustes macroeconômicos, entende-se a resistência. Os professores da FGV-Rio Pedro Ferreira e Renato Fragelli, em artigo no "Valor Econômico", na quarta-feira passada (20), nos lembram que:
"A historia econômica registra várias experiências fracassadas de adiamento do combate à inflação, no intuito de promover o crescimento de curto prazo. Em 1963, quando as medidas anti-inflacionárias adotadas pelo Plano Trienal começaram a gerar um inevitável desaquecimento, João Goulart concedeu reajustes para o salário mínimo e aos servidores, inviabilizando o plano de Celso Furtado. A inflação retomou sua trajetória ascendente, enquanto o PIB tomou o rumo descendente.

Em agosto de 1979, ao substituir o ministro [Mário Henrique] Simonsen, [Antonio] Delfim Netto tentou retomar o crescimento, a despeito da pressão inflacionária decorrente do segundo choque do petróleo. A aventura dobrou o nível de inflação, tendo sido revertida após um ano com catastróficos resultados sobre o PIB a partir de 1981. Em 1986, após substituir o ministro [Francisco] Dornelles, [Dilson] Funaro adotou medidas expansivas. Seis meses depois, quando a inflação mensal atingiu 14%, lançou o Plano Cruzado, que fracassou em menos de um ano".

Poderia adicionar os exemplos recentes da Argentina e da Venezuela, respectivamente com inflação anual na casa de 30% e 200%. No entanto, adiar o ajuste é ainda pior para os pobres. Basta olhar os números da Argentina e da Venezuela e para nossa experiência histórica.

Luiz Carlos Azedo: As “classes perigosas”

• O banditismo “dos de cima”, agora, disputa espaço no noticiário policial com a violência e o crime no andar de baixo

- Correio Braziliense

Considerado um dos intérpretes do Brasil, expressão cunhada para consagrar autores como Euclides da Cunha (Os Sertões), Gilberto Freyre (Casa grande & senzala) e Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil), o alagoano Alberto Passos Guimarães (1908-1993), autor de Quatro séculos de latifúndio, foi um dos primeiros a procurar compreender o fenômeno da criminalidade (ou da criminalização, como preferem alguns estudiosos do tema) e da violência nos grandes centros urbanos brasileiros, no rastro dos estudos sobre a questão agrária e a urbanização do país.

Capturou o fenômeno da violência nas nossas cidades em meio à crise do “milagre brasileiro” e aos estertores do regime militar na obra intitulada As classes perigosas — banditismo urbano e rural (Editora UERJ), publicada em 1982, tema que iria se agravar alguns anos depois, durante a transição democrática, com a hiperinflação e a tensa relação entre direitos humanos e segurança pública. Dizia: “Surpreendente e crescente grau de violência envolve uma cada vez mais numerosa parcela da população, vítima das mais diversas formas de atentados aos seus bens e à sua vida”. E destacava: “À violência dos criminosos se junta à violência das próprias vítimas e, a essas duas, uma terceira se vem juntar: a violência dos órgãos policiais, que, pouco fazendo para prevenir o crime, querem compensar sua ineficácia tentando inútil e injustificadamente eliminar o crime aumentando o grau de ferocidade da repressão”.

A “via prussiana” de modernização do país, segundo Guimarães, teve como uma de suas consequências a formação de um contingente populacional “excedente”, que fora expulso do campo pela mecanização da agricultura, e pela incapacidade dessa mão de obra despreparada ser absorvida nos marcos da industrialização e da urbanização. Houve desestruturação de grande número de famílias, cuja pauperização, pela concentração da propriedade da terra e pelo desemprego, foi o caldo de cultura para o banditismo tal como conhecemos hoje. Deixemos de lado, aqui, a Operação Lava-Jato.

Estaríamos chovendo no molhado não fosse o fato de o país ter entrado num novo ciclo de ampliação da desigualdade, em que pese a retórica da presidente Dilma Rousseff e os programas de transferência de renda do governo, quando nada, devido aos “desequilíbrios demográficos, ao pioramento das condições de habitação, de alimentação, de falta de assistência sanitária, de recursos médico-hospitalares, os sintomas de desnutrição, as altas taxas de mortalidade geral e de mortalidade infantil”, que Guimarães registrava já àquela época.

Poderia ser pior, é verdade, porém, com a crise ética que desmoraliza o governo, a política e os políticos, juntou-se a isso a emergência de uma nova moralidade, na qual o comportamento social das camadas urbanas utiliza códigos ou símbolos morais diferentes para entender e resolver seus problemas. “O direito de propriedade já não é o mesmo. As classes que têm o maior interesse em resguardá-lo já não o respeitam. E o respeito sagrado que se havia inoculado na consciência das classes pobres já não existe ou foi profundamente desgastado”, já advertia.

O patrimonialismo das elites contribuiu para que a parte mais desesperançada e mais desesperada das classes pobres, aquela que penetrou no “inferno do pauperismo”, modificasse seu comportamento tradicional e passasse de reservas do “mundo do trabalho” a reservas do “mundo do crime”.

Essa passagem das “classes laboriosas” para as “classes perigosas” vem associada à discriminação racial e à exclusão social e dá vazão à “teoria da suspeição generalizada”. Historicamente, a violência antes aplicada sobre os trabalhadores no domínio privado dos senhores, após extinta a escravidão, passou a ser exercida pelo Estado nas periferias e favelas.

Desemprego e renda
Mas a razão da volta ao tema das chamadas “classes perigosas” é a irrupção de uma crise social provocada pela desorganização da economia. Diante da incapacidade do governo Dilma, o ajuste fiscal está sendo feito pelo mercado, ou seja, pelo câmbio, pela inflação e o desemprego, que deve chegar a 10 milhões de trabalhadores.

Somente em 2015 o Brasil fechou 1,5 milhão de postos de trabalho com carteira assinada. É o pior resultado dos últimos 24 anos, segundo o Ministério do Trabalho. A indústria foi responsável pelo maior número de cortes de vagas — 608,9 mil. A construção civil ficou em segundo, com menos 417 mil. O único setor com saldo positivo foi a agricultura, que gerou de 9,8 mil empregos. O estoque de empregos caiu 3,7%.

No rastro do desemprego, os acordos salariais de dezembro não conseguiram acompanhar o ritmo da inflação e, com isso, o trabalhador brasileiro terminou o ano com perda real do salário, o que agrava a situação das famílias quanto à capacidade de abrigar seus desempregados. Qual será o comportamento dessa parcela da população daqui para a frente?

Essa incógnita está posta tanto no aspecto do comportamento social quando do rumo político que tomará. Ainda mais porque o banditismo “dos de cima”, agora, disputa espaço no noticiário policial com a violência e o crime no andar de baixo.

José Roberto Mendonça de Barros: As lições da queda das commodities

- O Estado de S. Paulo

O mundo viveu um dos piores inícios de ano dos últimos tempos. As dúvidas mais importantes estão centradas na economia chinesa e nos efeitos da mudança ocorrida em dezembro na política monetária americana.

Uma das visíveis consequências dessa situação foi uma forte queda no preço das commodities, medidas em dólares. O tombo realmente foi grande. Desde o início do ano até o dia 20, quando este artigo foi escrito, o índice Bloomberg para energia caiu 20%, o índice de metais, 6%, e o índice de produtos agrícolas, 1%. Desde o início de 2015, as quedas foram, respectivamente, de 59%, 33% e 17%.

Como consequência, a situação econômica dos países mais dependentes desses produtos piorou acentuadamente. Neste contexto, Rússia, África do Sul e Brasil disputam arduamente os últimos lugares da fila do crescimento em 2016.

Para o nosso País é bastante importante avaliar as implicações e lições desse movimento. A mais importante é que o Brasil não aproveitou adequadamente o período áureo da alta de preços de mercadorias para avançar e consolidar mudanças que garantam o crescimento. Ao contrário, o projeto político do grupo no poder desperdiçou no estímulo ao consumo o adicional de recursos amealhados, sem promover mudanças estruturais que garantissem o crescimento da produtividade ao longo do tempo. Daí a gigantesca crise na qual vivemos.

Entretanto, para tirarmos as lições adequadas, é preciso também responder à seguinte questão: os efeitos da derrocada das commodities são semelhantes entre os diversos tipos de produtos? A resposta é: certamente que não. Vale a pena, portanto, perguntar quais são as principais implicações setoriais.

Falaremos hoje do petróleo, deixando para o próximo artigo os metais e produtos agrícolas.

O pior caso é, certamente, o do petróleo. Inebriado pela descoberta de grandes reservas no chamado pré-sal, o governo montou um programa de exploração complexo, megalômano e inconsistente, onde se buscava produzir com muita rapidez grandes volumes de óleo, numa região difícil, o que implicava no maior programa de investimentos do mundo. Além disso, a Petrobrás teria de ser a operadora única dos novos campos, devendo participar com pelo menos 30% do capital de cada projeto. 

Ademais, para estimular a indústria nacional, criou-se a obrigação de que os novos equipamentos utilizados na exploração e desenvolvimento da produção tivessem pelo menos 65% de conteúdo nacional (o que elevava, em muito, o custo dos investimentos, embora tivesse o potencial de alavancar a indústria nacional). Não bastasse tudo isso, o governo empurrou a empresa para projetos mal feitos e caríssimos. Por exemplo, o custo da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, se aproxima de US$ 20 bilhões, mais de três vezes o padrão mundial!!!

Finalmente, a utilização do virtual congelamento de preços e derivados, visando o controle da inflação, tirou de R$ 50 bilhões a R$ 60 bilhões do fluxo de caixa da empresa. Como resultado, e antes da grande queda atual do preço do petróleo, a Petrobrás foi obrigada a tomar mais de US$ 100 bilhões de dívida. Com a queda dos preços do óleo, a geração de caixa da empresa caiu de forma inacreditável. Em paralelo, o grupo no poder começou a utilizar a companhia como veículo de um esquema de corrupção sem precedentes e que vem sendo desvendado pela Operação Lava Jato.

Essa monumental cadeia de equívocos levou às seguintes consequências:

1) A empresa não tem geração de caixa para sustentar os projetos de investimento e rolar o endividamento. Dada a dimensão do problema, a venda de alguns ativos (se ocorrer) não vai mudar, estruturalmente, a questão.

2) Logo, o programa de expansão tem de ser cortado drasticamente. A meta inicial de 4 milhões a 5 milhões de barris/dia de produção, em 2020, está sendo drasticamente revisada, e o melhor que se pode esperar é chegar a algo próximo a 2,5 milhões de b/d naquela data.

3) Ainda assim, e mesmo ganhando dinheiro com a venda no mercado interno de derivados importados a baixo custo, é altamente provável que o Tesouro Nacional, que não tem dinheiro, seja obrigado a fazer uma capitalização da companhia.

4) A destruição do valor da empresa é sem precedentes. O País, os acionistas e trabalhadores perderão muito. A cadeia de fornecedores está sendo dizimada. Produtores de máquinas, estaleiros e uma miríade de subcontratados estão encolhendo drasticamente e muitos desaparecerão. A Sete Brasil, empresa criada para contratar e alugar plataformas e navios para a Petrobrás, tem R$ 8 bilhões de capital, R$ 19 bilhões de dívida e está à beira do colapso, com a redução das encomendas.

5) A taxa de investimento do País se reduziu, uma vez que a Petrobrás representava algo como 10% de todas as inversões do Brasil.

Como o preço do petróleo não tem a menor perspectiva de voltar para a faixa de US$ 80 a US$ 100 por barril (a demanda mundial está encolhendo, por unidade de PIB, e a oferta é cada vez mais ampla), ainda veremos pelo menos por mais dois anos o maior “espetáculo de destruição de valor neste País”.

Pusemos fogo, por megalomania associada à corrupção, no bilhete de loteria premiado. A maldição do petróleo é mesmo forte.

* * * * *
A economia brasileira desandou mesmo em 2015. Os números de emprego, inflação, PIB, crescimento industrial e resultado das contas públicas são horríveis. O ano se abre com uma perspectiva igualmente ruim, inclusive pelo difícil cenário global.

A tentativa do novo Ministro da Fazenda de conciliar o ajuste econômico com a pauta do PT não vai, evidentemente, funcionar. O Banco Central queimou o remanescente de credibilidade que ainda tinha com alguns agentes. Nunca vimos tantas empresas com tão grandes dificuldades financeiras.

Pergunta-se: o País aguenta mais três anos do tipo 2015?

Miriam Leitão: Altos e baixos da montanha

- O Globo

Banqueiros, empresários e economistas que foram este ano para Davos embarcaram como se saíssem de um país morituro. Pareciam com os que iam para a montanha gelada da ficção de Thomas Mann. Estavam cientes de que ouviriam diagnósticos ruins, projeções terminais, receitas de remédios amargos, e tinham noção de que a recuperação da saúde leva tempo e exige sorte.

Eles viajaram sem esperanças e um pouco constrangidos. Além do quadro clínico do Brasil, alguns temiam ter que explicar o destino de brasileiros bem conhecidos no Fórum Econômico Mundial, como André Esteves e, de certa forma, Marcelo Odebrecht. A melhor maneira de enfrentar o descrédito do mundo em relação à capacidade brasileira é pensar numa montanha com suas subidas e descidas. É da vida, e dos acidentes geográficos, os altos e baixos.

Ninguém foi para Davos este ano enganado sobre o estado de saúde do Brasil. Ninguém desembarcou naquelas montanhas, míticas para os amantes da literatura, como o fez o personagem Hans Castorp: ignorando seu próprio estado, achando que tinha uma leve anemia e que estava apenas de visita a um primo no sanatório. Sabemos que o país enfrenta um dos piores conjuntos de males da história recente, uma soma de fraquezas que torna o tratamento um quebra-cabeças, porque o remédio para um sintoma agrava o outro, o que combate um problema piora outras fragilidades.

A estadia em Davos não será longa a ponto de permitir o encontro com as verdades universais e as reflexões que relativizam o tempo. O paralelo literário, portanto, se esgota porque o mundo das finanças é curto demais, excessivamente nervoso, e não permite pensamentos mais profundos. Mas, para quem se constrange em explicar a situação do Brasil, recomenda-se a inversão do olhar.

Em vez de país que prende banqueiro e empresário, por criminalizar a riqueza, como advogam alguns, é o país onde suspeitos são investigados e culpados são atingidos pelo rigor da lei, independentemente de sua condição social. Em vez de país onde há muita corrupção, é aquele em que as instituições estão combatendo o crime e atingindo pessoas que antes eram consideradas inatingíveis. Em vez de economia na qual a inflação voltou a subir, uma população que puniu com a queda da popularidade o governo que permitiu a alta dos preços. A inversão do olhar talvez fosse o que sugeriria o provocador Settembrini. Só para contrariar o consenso.

Todos chegavam ao Sanatório de Davos com os mesmos sintomas e recebiam a mesma receita de tratamento. Hoje, os países chegam ao Fórum Econômico com diferentes enfermidades, mas recebem invariavelmente a mesma receita. Chame-se o país Grécia, Irlanda, Espanha, Venezuela ou Brasil. No Sanatório, pequenos sinais de melhora não eram considerados prova de cura porque, sabiamente, os médicos entendiam que a jornada da busca da saúde é longa e sinuosa. Hoje, alterações de hábitos, ou novos propósitos, produzem euforia como se o paciente, por milagre, tivesse vencido todas as fraquezas. Em 2016, está sendo assim com a Argentina.

A tuberculose era um mal universal para o qual o mundo do início do século XX não tinha o trio de antibióticos que o venceu e o colocou no rol das doenças sob o controle dos médicos. A crise fiscal é um mal presente em inúmeros países e para o qual os economistas prescrevem um único tratamento, genericamente conhecido pelo nome de “ajuste”. Para enfrentar de fato o problema, é preciso entender de complexidades e nuances. O Brasil é diferente da Grécia, está em melhor situação que a Argentina, não fez o esforço da Irlanda. Os países são diferentes e suas histórias construíram nós fiscais diversos. A crise provocada por gastos além das receitas exige dos economistas a ousadia dos cientistas que encontram formas novas de tratar doenças. O que desanima é a mesmice dos diagnósticos e prescrições.

Os que voltam de Davos chegam ainda mais encabulados do que foram. De novo, a proposta é a inversão do olhar. Quando éramos vistos com euforia, em 2009 — o “país que decolou” da “Economist” —, eles ignoravam nossos defeitos e riscos. Agora, fazem pouco das virtudes e chances. As informações que temos são mais exatas que as voláteis impressões dos viajantes de Davos. Como na ‘Montanha Mágica’, de Mann, pacientes recebem diagnósticos ruins e receitas amargas Os encabulados devem inverter o olhar e procurar prescrições que saiam da mesmice

Vinicius Torres Freire: Paraguai 18 x 0 Brasil

- Folha de S. Paulo

Desde que Dilma Rousseff assumiu o governo, o crescimento da renda per capita no Brasil foi zero. No Paraguai, de 18%. No rico Chile, 14,5%. Na tumultuada Argentina, 9%.

Na região, o México é a economia de tamanho mais remotamente comparável à do Brasil, além de dividir conosco a penúltima colocação do campeonato do crescimento latino-americano desde 1990. Pois bem. A partir de 2011, o crescimento mexicano foi de 7%.

Quem é o lanterna da América Latina no último quarto de século, entre as economias relevantes? Sim, é ela, Miss Venezuela, onde o PIB per capita não difere muito do que era em 1990 (o chavismo não é o único motivo do desastre, pois).

É possível dourar a pílula do Brasil. Desconte-se o ano da desgraça de 2015, que o dilmismo considera arrebentado pela Lava Jato, pela China e pelo Sobrenatural de Almeida. De 2011 a 2014, o PIB por pessoa do Brasil cresceu 4,7%. No Paraguai, na Bolívia, na Colômbia, no Peru e no Uruguai, uns 17%. No Chile, 13,5%.

Os números foram calculados com base em estatísticas da Cepal (os dados de 2015 são estimativas, mas devem mudar muito pouco).

Qual o motivo de outra vez vir com a numeralha comparada? Na semana que passou, a presidente aproveitou a reaparição do fantasma de seu álibi, a crise mundial, para outra vez tentar limpar a barra da política econômica que nos arrastou à lama. Não cola.

Comparações imediatas de taxas de crescimento são problemáticas, é verdade. Em cada período, o ritmo pode variar devido a características de cada país, como nível de renda, de industrialização, tipo de comércio exterior etc.

Isto posto, a disparidade recente entre o crescimento do Brasil e o dos países mais relevantes da América Latina é tamanha que é impossível não desconfiar, digamos assim, de que aqui se fez besteira grossa desde 2011.

A baixa do preço das commodities nos prejudicou, decerto. Mas, no Chile, 52% do valor das exportações vem de cobre e derivados. No Peru, 36% vêm de minérios. Na Colômbia, petróleo e carvão representam mais de 60% das vendas ao exterior etc..

De resto, todas as economias latino-americanas são mais abertas ao comércio exterior que a do Brasil, exceto a venezuelana (não há dados sobre Cuba e Suriname).

O Brasil seria então um caso à parte na região, pois a estrutura produtiva é mais avançada?

Poderia ser. Em geral, países pobres podem crescer mais fácil e rapidamente até atingir um nível de renda média (como a do Brasil), dadas certas condições (industrialização, urbanização, certa ordem política e social etc.).

Mas tanto países mais ricos como os mais pobres cresceram muito mais que nós. O PIB per capita do Chile é 38% maior que o do Brasil; o do Uruguai, 18% maior. O do Paraguai, a metade. O da Bolívia, 38% do nosso.

O Brasil teria outra síndrome muito particular de crescimento, "estrutural"? Quem sabe. Mas, de 2003 a 2010, anos Lula, nosso PIB per capita cresceu 24,5%, não muito diferente de Bolívia, Chile, Colômbia ou Paraguai.

Os alunos excepcionais foram Uruguai (60%) e Peru (47%).

Quais as estimativas para 2016? Nas previsões dos economistas do Itaú, o México cresce 2,8%. Chile, 2,3%. Colômbia, 2,5%. Peru, 3,8%. Brasil: decresce 2,8%.

Qual o nome da síndrome brasileira?

Elio Gaspari: Uma servidora pública de Campina Grande

- O Globo

A médica Adriana Melo tem 45 anos e trabalha há 16 no setor de medicina fetal do Isea, a principal maternidade pública de Campina Grande. Entre outubro e novembro do ano passado, compartilhou a angústia de duas pacientes grávidas de bebês que nasceriam com microcefalia. A ela a medicina deve o estabelecimento da relação entre o vírus zika e a má formação do cérebro de milhares de crianças. Não é pouca coisa, nem foi fácil.

Desde agosto, médicos do Nordeste quebravam a cabeça para saber o que estava acontecendo, e a rede pública de Pernambuco alertou para a suspeita da conexão entre o vírus e a anomalia nos bebês. Adriana Melo suspeitou que se estava diante de um novo padrão de microcefalia: "Eu nunca tinha visto casos de destruição do cérebro dos fetos com tamanha virulência".

Havia uma pista: todas as pacientes tiveram manchas vermelhas na pele e coceiras durante as primeiras semanas da gravidez. Quando a doutora Adriana começou sua caminhada, havia no mundo apenas a suspeita da relação entre casos de microcefalia e o zika. O vírus se tornara epidêmico na Polinésia em 2014. No Brasil, sabia-se apenas que o número de bebês que nasciam com essa anomalia vinha aumentando, sobretudo no Nordeste. O zika era visto ainda como uma modalidade branda de dengue. O governo da Paraíba custeou a viagem das duas mulheres para serem examinadas em São Paulo e, em novembro, por iniciativa de Adriana Melo, a Fiocruz recebeu material colhido nas pacientes. Em poucos dias, bateu o martelo. Duas semanas depois, o Ministério da Saúde decretou uma emergência sanitária. Haviam-se passado três meses desde o aparecimento das primeiras suspeitas.

O sistema de vigilância epidemiológica nacional dormiu no ponto. Nada de novo. Quando Oswaldo Cruz, baseado em pesquisas americanas feitas em Cuba, quis combater a febre amarela atacando o Aedes aegypti, a burocracia da saúde e alguns marqueses da medicina duvidaram dele. A febre era coisa do clima, logo, culpa do Padre Eterno. No caso da doutora Adriana Melo sucedia algo semelhante. Ela dizia algo novo, o zika tinha relação com casos de microcefalia, portanto o problema estaria no maldito do mosquito, nada a ver com a alimentação da mãe ou até mesmo com consumo de drogas.

Apesar da tonitruância da decretação de emergência (sem que se saiba o que isso significa na vida real), o Ministério da Saúde procura tranquilizar a população: nem todas as mulheres que tiveram zika terão bebês microcéfalos, assim como nem todos os Aedes aegypti que andam por aí transmitem zika. Tudo bem, mas em 2014 o Brasil teve 147 casos de microcefalia. Admita-se que esse número esteja contaminado por uma subnotificação. Fique-se com o dobro, seriam 294. Em apenas quatro meses os casos suspeitos já chegaram a 3.893. Segundo a Fiocruz, os registros poderão chegar a 16 mil neste ano. A última desgraça envolvendo mulheres grávidas deu-se no século passado, quando gestantes que tomaram o remédio talidomida pariram bebês defeituosos. Em todo o mundo, afetou 10 mil nascituros num período de cerca de cinco anos.

Dentro do Plano Nacional de Enfrentamento à Microcefalia, o Ministério da Saúde baixou uma Diretriz para Estimulação Precoce para crianças que nascem com microcefalia. Ela relaciona-se com o Plano Viver Sem Limite e com a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, que, por sua vez, são contemporâneos do Programa de Aceleração do Crescimento. Fica combinado assim.

A doutora Adriana tem doutorado pela Unicamp, seu salário é de R$ 3.800 mensais por 20 horas de trabalho semanais. Com bonificações de produtividade pode chegar a R$ 6.000. Mantém uma clínica privada onde ganha mais trabalhando menos. A maternidade do Isea só atende pelo SUS (sem segunda porta) e na equipe de medicina fetal há quatro médicos. Desde que ela saiu por aí para confirmar a relação entre o zika e a microcefalia, recebeu críticas, muxoxos e silêncios. Ajuda, só da prefeitura da cidade e do fabricante de equipamentos Samsung, que doou um aparelho de ultrassonografia à maternidade. A rede pública de Campina Grande (680 mil habitantes) não tem máquina de ressonância magnética. Quando lhe perguntam o que precisa para facilitar seu serviço no Isea, responde: "Recursos para pesquisas".

A teoria da 'bosta seca' ameaça a Lava Jato
O repórter Janio de Freitas mostrou que o maior inimigo da Operação Lava Jato está em Curitiba. É a teoria da "bosta seca", enunciada em maio por um procurador. Nela, não se deve mexer em incongruências existentes nos processos contra os larápios. Assim, se um depoimento de Alberto Youssef foi desmentido por Paulo Roberto Costa, seria melhor deixar a bosta em paz.

Janio mostrou coisa pior. Em julho, Paulo Roberto Costa disse o seguinte à Polícia Federal, tratando da figura de Marcelo Odebrecht:

"Eu conheço ele, mas nunca tratei de nenhum assunto desses com ele, nem põe o nome dele aí porque ele não, ele não participava disso".

A partir dessas palavras os procuradores escreveram o seguinte:

"Paulo Roberto Costa, quando de seu depoimento [...] consignou que, a despeito de não ter tratado diretamente o pagamento de vantagens indevidas com Marcelo Odebrecht..."

Puseram o nome de Odebrecht. Seus advogados apontaram o absurdo e requereram ao juiz Sergio Moro a volta do processo à instrução processual. Moro deu uma resposta estarrecedora: "O processo é uma marcha para a frente. Não se retornam às fases já superadas". Achou que o pedido era "meramente protelatório", pois as provas pretendidas eram "desnecessárias e irrelevantes".

O pedido era de fato protelatório, mas Moro pode tentar saber o que houve. Como bosta seca é seca bosta, vamos em frente. Até o dia em que os tribunais de Brasília forem colocados diante dos montinhos de cocô escondidos nos processos.

Nem ouriço, nem raposa – Editorial / O Estado de S. Paulo

É muito grave que o Banco Central tenha renunciado ao pouco que restava de sua autonomia e de sua credibilidade, submetendo-se de vez aos desígnios da presidente Dilma Rousseff. Mais grave ainda, porém, é a conclusão óbvia de que Dilma, agora definitivamente a senhora absoluta da política econômica, seja incapaz de dizer o que pretende – e não apenas em razão de sua notória limitação para expressar suas ideias, mas sim porque a petista não sabe o que quer.

Dessa maneira, não se pode condenar os empresários e investidores que hesitam na hora de apostar na recuperação do Brasil, prometida por Dilma. Afinal, é preciso ser muito cândido para se arriscar a fazer investimentos de longo prazo num país cuja presidente perambula às tontas entre a necessidade evidente de ajustar a economia e a destrambelhada ideologia estatista gravada em sua alma.

O episódio envolvendo o Banco Central, que criou enorme incerteza a respeito do controle da inflação, é revelador do que vai por este governo, que trocou o planejamento pela esquizofrenia. Não há nenhuma maneira de prever se Dilma Rousseff está realmente disposta, como diz, a enfrentar o desafio de realizar um verdadeiro ajuste fiscal, de manter os índices de preços dentro da meta estabelecida e de promover as reformas que são urgentes para desafogar o Estado e restabelecer a confiança do setor produtivo.

A presidente não consegue convencer nem mesmo seu partido, o PT, da necessidade de apertar o cinto, talvez porque ela mesma não esteja certa disso. Todas as medidas de corte de gastos prometidas por Dilma foram apenas parcialmente adotadas, e a muito custo. Diante dessa gritante falta de convicção, não surpreende que o Congresso lhe seja terreno pedregoso, e que lá ninguém tenha ânimo para defender medidas cuja eventual impopularidade a própria presidente tem pavor de enfrentar. Assim, o único labor ao qual a tropa de choque do Planalto tem se dedicado com afinco é o toma lá da cá com os partidos aliados para evitar o impeachment.

Essa não é uma situação circunstancial. As agruras do País se devem à incapacidade de Dilma de exercer o cargo que ocupa. A presidente não conseguiu construir, ao longo de cinco anos, o proverbial patrimônio de credibilidade ao qual os estadistas recorrem em momentos de crise. Falta-lhe o conjunto de qualidades que assegurariam à Nação a certeza de que, por pior que fosse a tormenta, sempre haveria uma liderança competente para conduzir o Brasil a bom porto.

Ao contrário: o imenso edifício da crise atual, como já sabe a maioria dos brasileiros, foi construído, tijolo por tijolo, por Dilma em pessoa. Logo, como nada tem a oferecer para provar que é capaz de fazer o que tem de ser feito, resta-lhe bradar que é “honesta”, como se não fosse essa uma obrigação e como se apenas honestidade fosse bastante e suficiente neste momento.

O Brasil está paralisado porque ninguém sabe o que se passa na cabeça da pessoa que tem a responsabilidade de tomar as decisões que terão impacto na vida de todos. Antes de sua reeleição, Dilma prometia manter firmes os fundamentos da economia; durante a campanha, atacou todos aqueles que apontavam a necessidade do ajuste fiscal ante o crescente descalabro das contas; reeleita, a petista voltou a garantir que controlaria a inflação e enxugaria gastos. Agora, fala em ajuste, mas à base de mais impostos e de estímulos que já se provaram aziagos.

Esse zigue-zague de Dilma resultou numa disparada da inflação, no descontrole dos gastos e na alta do desemprego. Sua falta de credibilidade contaminou todo o governo – a última vítima foi o Banco Central.

A passagem de Dilma pela Presidência, de tão insensata, poderia inspirar a lembrança de um aforismo grego recuperado pelo filósofo Isaiah Berlin: “A raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe uma coisa muito importante”. Dilma não é nem a raposa, que sabe muitas coisas, nem o ouriço, que sabe uma coisa muito importante. Ela não sabe nada.

Defesa da Odebrecht criou manifesto contra a Lava Jato

Mario Cesar Carvalho – Folha S. Paulo

SÃO PAULO - A situação era de desespero. Marcelo Odebrecht já alimentara a esperança de passar o Natal em casa, mas seu pedido de liberdade fora negado pela Justiça.

O executivo da quarta maior empresa brasileira acreditava que, finalmente, seria libertado pelo presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, no começo de janeiro, mas a estratégia falhara novamente.

Preso há sete meses, estava ensandecido com sua defesa, chamada de incompetente por ele. O que fazer?

Uma carta criticando a Operação Lava Jato, assinada por dezenas, talvez por mais de uma centena de advogados, sugeriu o defensor de Marcelo, Nabor Bulhões, segundo a Folha apurou junto a dez dos 104 advogados que assinam o manifesto.

Foi a defesa de Marcelo Odebrecht, a cargo de Bulhões, que produziu o manifesto que acusa a Lava Jato de usar métodos piores que os da ditadura e compara a investigação à Inquisição.

A carta, revelada pela Folha no último dia 14, ensejou duras respostas de procuradores e juízes, que a acusaram de ser "falatório" e parte de um "complô" dos advogados. O presidente do PT, Rui Falcão, soltou uma nota apoiando-a.

Nabor disse à Folha que assinou a carta como profissional do direito, não como advogado de Marcelo.

Segundo ele, atribuir protagonismo a algum advogado pela elaboração do documento "seria ignorar o sentimento geral de perplexidade" dos que o assinaram.

A estratégia para abalar a Lava Jato teve também a participação de Emílio Odebrecht, pai de Marcelo, de Mônica, mulher do executivo, e advogados da empresa.

A ideia de criticar os métodos da Lava Jato foi acertada entre Nabor e Emílio em Salvador, onde o patriarca dos Odebrecht mora.

A reunião ocorreu logo após Lewandowski negar pedido de liberdade para Marcelo durante o plantão do Supremo, no dia 8 de janeiro.

A Odebrecht confirma que a reunião ocorreu, mas, segundo a companhia, foi para tratar da fase final do processo de Marcelo.

O texto foi escrito no escritório de Bulhões em Brasília e submetido à cúpula da Odebrecht para aprovação.

Emílio fez mais do que cobrar uma reação mais dura dos advogados.

Foi ele, por exemplo, quem ligou para advogados que estavam relutantes em assinar o documento quando surgiu a versão de que o texto fora escrito por Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende políticos como o senador Edison Lobão (PMDB-MA) na Lava Jato.

A relutância se devia ao fato de muitos advogados acharem que o documento era peça publicitária de Kakay.

Nenhum dos dez advogados ouvidos pela Folha diz ter pago um centavo para publicar o anúncio de meia página, veiculado nos principais jornais do país.

Assinaria de novo
Kakay confirmou que não foi ele que escreveu o manifesto, mas afirma que assinaria de novo mesmo sabendo que a Odebrecht estava por trás das críticas.

"Eu não sei quem patrocinou a carta. Eu mudaria algumas coisas com as quais não concordo. Acho que não faz sentido falar em ditadura quando estamos num Estado democrático. Se foi estratégia da Odebrecht ou não, o que não sei, isso não muda em nada o manifesto. O que interessa são as ideias", afirma.

Segundo ele, o essencial era levantar a discussão sobre "os limites da Justiça", e isso ocorreu. "Não tenho a pretensão de mudar a opinião pública ou publicada. Mas até a Dilma se manifestou sobre a Lava Jato após a carta".

Antonio Claudio Mariz de Oliveira, que defende funcionários da Odebrecht sob investigação, diz que assinou a carta porque ela traduz o que ele pensa sobre o que considera abusos da operação.

"Assinei porque temos de fazer alertas. A pior ditadura que existe é a do Judiciário. Tenho dúvidas se o manifesto vai ajudar a situação processual do Marcelo e de outros executivos da Odebrecht, mas é preciso protestar não só nos autos, mas para a sociedade".

Lênio Streck, advogado em Porto Alegre e professor de direito que também endossou o manifesto, diz que é irrelevante saber se foi a Odebrecht quem patrocinou a crítica. "Isso não muda em nada a carta. Nas democracias, todas organizações têm direito de comunicar pontos de vista".

MP entrega a Moro alegações finais contra Marcelo Odebrecht

• Outros 4 ex-executivos da construtora e Renato Duque são incluídos

- O Globo

O Ministério Público Federal (MPF) pediu ao juiz Sérgio Moro que condene seis réus do processo que envolve ex-dirigentes do Grupo Odebrecht a fraudes descobertas pela Operação Lava-Jato contra a Petrobras. Nas alegações finais da ação penal, os procuradores pedem que eles devolvam aos cofres públicos mais de R$ 6 bilhões. O MPF pede ainda que Marcelo Odebrecht cumpra pena em regime fechado.

Para os procuradores, o presidente afastado do Grupo Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e os ex-executivos Rogério Araújo, Márcio Faria, César Rocha e Alexandrino de Alencar cometeram crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Também é pedida a condenação do ex- diretor de serviços da Petrobras Renato Duque.

Segundo o MPF, o grupo conseguiu desviar mais de R$ 300 milhões da Petrobras. Marcelo Odebrecht, conforme os procuradores, comandava o esquema.

E-mails usados como prova
“O envolvimento de empresários do Grupo Odebrecht na organização criminosa era comandado, notadamente, por Marcelo Odebrecht, que atuava na orientação dos demais membros e na coordenação de todas as etapas das práticas delituosas”, diz o MPF no texto.

Entre as provas da ligação de Marcelo com os desvios na estatal, o MP mostra mensagens de celular e e-mails do então presidente da empresa. Os documentos foram obtidos nas investigações. Em um desses e-mails, um ex-funcionário escreveu a Marcelo sobre “um possível sobrepreço em contratação de sondas”.

Em outro trecho das alegações finais, os procuradores dizem que, em alguns e- mails, Marcelo Odebrecht “faz referências a obras da Petrobras, demonstrando o conhecimento e envolvimento dele nos assuntos e negócios em relação a ela”. Numa troca de e-mails, ele orienta a outros executivos da Odebrecht sobre a tática de abordagem a funcionários da Petrobras. “Quanto a Petrobras, precisamos ver quem é que decide este assunto e a estratégia para influenciá-lo”, escreveu o executivo.

Os procuradores apontam que, sob a influência de Odebrecht, o ex- diretor da Braskem (subsidiária da empreiteira e que tem sociedade com a Petrobras) participava de reuniões mensais com o doleiro Alberto Youssef e com o ex-deputado federal José Janene, morto em 2010, para tratar de repasses ao Partido Progressista ( PP). Conforme os procuradores, Alexandrino de Alencar fazia depósitos nas contas indicadas pelo doleiro.

Defesa nega prática de crimes
O advogado Nabor Bulhões, que defende Marcelo Odebrecht, disse que o executivo não participou da prática de nenhum crime.

— Toda prova produzida nos autos é no sentido de que Marcelo Odebrecht não participou, nem contribuiu para a prática de qualquer crime no âmbito da Lava-Jato. Nenhum delator referiu Marcelo Odebrecht, a não ser para dizer que ele é absolutamente inocente.

Com relação às testemunhas ouvidas, foram 97. Todas (dizem que) ou não conhecem Marcelo Odebrecht ou se referem a Marcelo Odebrecht como absolutamente estranho ao âmbito das investigações que consubstanciam a Operação Lava Jato — afirmou.

No dia 24 de julho do ano passado, o Ministério Público Federal apresentara denúncia e pedira a condenação de 22 envolvidos no esquema de corrupção na Petrobras para beneficiar contratos das duas maiores construtoras do país: Odebrecht e Andrade Gutierrez.

Além de executivos das duas empreiteiras, também foram denunciados gestores da estatal e operadores do esquema. Para fundamentar o pedido de condenação, os procuradores apresentaram um minucioso detalhamento de transações financeiras, incluindo o rastreamento de contas no exterior, que ligam recursos movimentados pela Odebrecht ao dinheiro depositado em contas de funcionários da Petrobras na Suíça. Estes, por sua vez, repassavam recursos a políticos de PT, PP e PMDB, que lhes davam respaldo político. A Odebrecht, que nega relação com essas transações, teria movimentado pelo menos US$ 17 milhões, disseram os promotores.

No topo da lista dos denunciados estavam os presidentes das construtoras Marcelo Odebrecht e Otávio Marques de Azevedo, presos em 19 junho.

Na última terça- feira, o juiz Sérgio Moro freou a tentativa da defesa de Marcelo Odebrecht de atrasar o julgamento do empresário.

O advogado Nabor Bulhões acusou os investigadores da Lava-Jato de manipular a delação do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e pediu o retorno do processo à fase de instrução. Ao negar, Moro disse que o “processo é uma marcha para frente”.

“O processo é uma marcha para frente. Não se retornam às fases já superadas”, afirmou no despacho em que analisou a petição. (Com G1)

Herdeiros de caciques do PMDB se destacam no cenário político

• Filhos de Picciani e Jader Barbalho, entre outros, renovam o partido

Leticia Fernandes - O Globo

BRASÍLIA - Com seu DNA marcado pela forte presença de lideranças regionais, como o ex-presidente José Sarney (AP), e o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), o PMDB vem se tornando também a morada de jovens em destaque no cenário político atual. A particularidade deles é que, quase sempre, são herdeiros de caciques do partido, muitos fazendo política junto com os pais. As famílias Cabral, Picciani, Cardoso e Barbalho são alguns exemplos de pais e filhos atuando juntos no PMDB.

O deputado Leonardo Picciani, hoje líder do PMDB na Câmara, tinha 10 anos em 1989 quando pediu à mãe para distribuir panfletos da campanha de Ulysses Guimarães, então candidato do PMDB à Presidência. Toda a família, inclusive seu pai, o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Jorge Picciani, fez campanha para o pedetista Leonel Brizola naquele ano.

— Sempre tive vidração (sic) grande pelo PMDB, tanto que é o único partido ao qual me filiei e disputei eleições. O PMDB facilita a militância porque dá legenda, permite que os jovens sejam candidatos, não só os com pais no partido. Tem essa característica de muita divergência, mas respeito pelos posicionamentos.

Jorge Picciani conta que não gostou quando ouviu do filho, quase formado em Direito, que queria ser deputado federal:

— Eu não queria meus filhos na política, mas foi impossível segurar. O pessoal mais próximo de mim se entusiasmou, dizendo que era bom renovar ou viria alguém para me derrotar, e ele representou um ânimo novo. Abri mão de redutos eleitorais para outros deputados estaduais apoiarem ele, o que dificultou a minha eleição. Na reta final da 1ª campanha, ele era parado na rua para dar autógrafo e eu disse: ‘você vai andar comigo e ajudar o seu pai, vai puxar o velho’.

Filho do ex- governador de Minas Gerais Newton Cardoso, o deputado de 1 º mandato Newton Cardoso Júnior cresceu brincando de carrinho entre as pernas de figurões da política mineira e olhando para uma foto de seu aniversário de 2 anos, esparramado no colo de Tancredo Neves e Magalhães Pinto. Convocado a entrar na política para continuar o legado do pai, ele disse que nunca tinha tido interesse em enveredar por esse caminho.

— Foi convencimento, não tinha interesse, mas entendi que continuar o legado faria bem para a família — afirmou, negando ser simplesmente um herdeiro do pai: — É um fenômeno mundial essa herança. Mas não basta ser filho de alguém, tem que gastar sola de sapato.

O 1º contato com a política do ministro dos Portos Hélder Barbalho foi em 1982, quando, aos 2 anos, foi à posse do pai, o hoje senador Jader Barbalho, eleito governador do Pará. O senador conta que foi apenas comunicado das pretensões do filho:

— Não servi de muleta e nem ele pediu licença. Até achava que devia trilhar mares mais tranquilos, mas nunca impedi.

Em 1998, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral, em campanha para deputado estadual, perguntou ao filho de 7 anos que banda escolher para um showmício. Marco Antônio Cabral, hoje secretário estadual de Esporte do governo Luiz Fernando Pezão, sugeriu: “Chama o Katinguelê”, referindo-se à banda de pagode que fazia sucesso. Cabral acatou.

— Ele me levou e gostei. Sempre admirei o trabalho dele e isso me impulsionou. E tive o prazer de crescer convivendo com (Francisco) Dornelles (vice-governador do Rio), meu tio por parte de mãe, conheci Lula, Fernando Henrique, Eduardo Paes e pude ouvir ensinamentos.

Após críticas, Temer se volta ao PMDB

Daniela Lima – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O vice-presidente Michel Temer deu um salto calculado ao se jogar de cabeça nas discussões sobre sua recondução ao comando nacional do PMDB. Ele encontrou na disputa interna uma porta de saída para escapar das críticas sobre seu posicionamento diante do risco de um impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Aliados do vice admitem hoje que ele acabou chamuscado nos embates que travou com o governo no fim do ano passado, quando passou a ser tachado de "golpista" por simpatizantes do PT nas redes sociais e de "conspirador" por integrantes do Palácio do Planalto. Pesquisas da legenda evidenciaram o desgaste tanto da imagem de Temer como a do PMDB.

Os debates sobre um eventual afastamento de Dilma também agravaram as divisões internas do partido e colocaram Temer como alvo das alas que defendem a continuidade da aliança do PMDB com os petistas.

Foi nesse cenário que, na avaliação de um conselheiro, Temer optou por deixar o jogo em um terreno desconhecido, o do embate sobre o impeachment, para atuar em uma arena que "conhece bem e sabe que tem chances de ganhar", a das negociações na legenda que chefia há 15 anos. A convenção da sigla está marcada para março.

A iniciativa começa a dar resultados. Aliados do vice e integrantes da ala que se aliou ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), num princípio de rebelião, admitem que os dois lados trabalham para um "armistício". Nas palavras de um senador, "todos chegaram à conclusão que a briga, neste momento, não fortalece ninguém".

Temer se reaproximou de senadores que vinham conversando com Renan sobre a sucessão no PMDB, como Eunício Oliveira (PMDB-CE), tesoureiro do partido, e Romero Jucá (PMDB-RR), terceiro vice-presidente da legenda.

Jucá, que chegou a organizar encontros entre o vice e integrantes da oposição, passou a ser sondado por Renan para se lançar como substituto de Temer.

O vice conseguiu atrair o antigo aliado de volta. Jucá deve ser alçado à primeira vice-presidência do PMDB, assumindo caso Temer se licencie do cargo.

O fato de a ala rebelde ainda não ter articulado um nome para enfrentar Temer também fortalece a tese de que, no fim, os grupos de Renan e do vice-presidente farão uma composição.

Crise econômica e CPIs dão fôlego à oposição para além do impeachment

• Apesar da corrosão política de Eduardo Cunha partidos contrários à gestão da petista elaboram estratégia para ampliar o desgaste do governo

Erich Decat – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Com o enfraquecimento político do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a oposição decidiu rever sua estratégia para 2016. Vai apostar, no retorno das atividades no Congresso, em CPIs que tenham potencial de criar desgaste ao PT e ao governo federal e de levantar fatos novos que possam incriminar diretamente a presidente Dilma Rousseff.

Fora do campo institucional do Congresso, onde se dará a batalha pelo impeachment de Dilma, e diante do impacto da crise econômica na vida da população, o PSDB prepara uma estratégia para confrontar o PT no ponto central do discurso político-eleitoral dos petistas, a área social. O novo enfoque do discurso dos tucanos será ajustado no próximo mês de março, quando o PSDB pretende realizar um seminário com representantes de diversos setores. Desse encontro deve surgir um documento a ser encaminhado ao governo e projetos.

“Queremos fazer um forte confronto com o PT no campo social. Queremos mostrar que o último pilar do discurso petista, o da inclusão, é uma falácia. Vamos mostrar que o modelo de inclusão do PT – baseado exclusivamente na transferência de renda, sem se preocupar com a qualificação, com o ambiente de negócio, com a geração de renda, e o emprego – fracassou”, afirmou ao Estado o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG).

A busca do embate com os petistas dentro de uma área que tem sido a principal bandeira do adversário nas últimas eleições, tem como base levantamentos encomendados pela cúpula do PSDB. 

“Temos pesquisas que mostram que hoje 66% dos brasileiros acham que a vida depois de 13 anos do PT piorou. Até aqueles que tiveram algum ganho em determinado momento já renegam o PT”, ressaltou Aécio.

CPIs. “Houve um arrefecimento do impeachment e, por isso, o ritmo na retomada das atividades será o de entrar com o pé no acelerador. Com o que a CPI já apurou está claro que o mesmo modus operandi do petrolão está presente nos fundos de pensão. O aparelhamento das instituições, o tráfico de influência e o direcionamento dos negócios para partidos”, afirmou o presidente da CPI dos Fundos de Pensão, Efraim Filho (DEM-PB).

Entre os motivos para o “arrefecimento” do processo de impedimento da presidente está a decisão do Supremo Tribunal Federal que alterou o rito do impeachment estabelecido na Câmara. Principal algoz do governo, Cunha vive um momento de enfraquecimento político em decorrência das denúncias no âmbito da Lava Jato.

Integrante da CPI dos Fundos de Pensão, o vice-líder da minoria, Raul Jungmann (PPS-PE), também acredita no potencial da comissão para gerar desgastes eleitorais ao PT. “Essa CPI tem uma característica porque é o tema que mais profundamente atinge ao PT. O fundo de pensão é orgânico, ele se desenvolve nos sindicalismos e isso é algo letal para o PT”, disse.

Os obstáculos para pôr em prática este papel está no movimento do PMDB e do vice-presidente Michel Temer de se reaproximar de Dilma. “A oposição sozinha, sem o PMDB, não avançará muito. Se a recondução de Michel Temer à presidência do PMDB e a briga pela liderança do PMDB na Casa tiverem um desfecho pró-oposição, não tem menor sombra de dúvida que essa CPI vai ganhar larga escala”, disse Jungmann.

Ainda assim, na lista de requerimentos de convocações da comissão estão integrantes do Funcef, Postalis e Petros. Também está pronta para votação a convocação do ministro da Casa Civil, Jaques Wagner. O pedido da oitiva do ministro foi apresentado no último dia 11 após o Estado revelar que conversas obtidas pela Lava Jato no celular do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro.

Lava Jato e TSE. Paralelamente às CPIs, lideranças de oposição vivem a expectativa de que desdobramentos da Lava Jato possam alimentar os processos contra a campanha de Dilma no TSE. 

“Cada vez mais provas serão materializadas, o que pode levar o TSE a cassar o diploma da presidente”, disse o deputado Antônio Imbassahy (BA), que assumirá a bancada do PSDB da Câmara após o recesso. “O principal trunfo das oposições não é o impeachment. O grande problema é a questão econômica que reflete na vida das pessoas. O governo tem errado e não tem recuperado a capacidade política”, avaliou o presidente do PSB, Carlos Siqueira

Com reforços, partidos acirraram confronto com governo em 2015

• Taxa de votos favoráveis ao Palácio do Planalto na Câmara dos Deputados foi a mais baixa dos últimos quatro anos

Daniel Bramatti - O Estado de S. Paulo

Os partidos tradicionais de oposição ao governo Dilma Rousseff – PSDB, DEM e PPS – tiveram em 2015 um ano de acirramento de confrontos: sua taxa de votos favoráveis ao Palácio do Planalto na Câmara dos Deputados foi a mais baixa dos quatro anos anteriores.

De cada dez votos de integrantes do PSDB e do DEM, por exemplo, sete foram contrários ao governo, em média. Ainda assim, o nível de enfrentamento foi menor do que o registrado em 2011, no primeiro ano do primeiro mandato de Dilma.

Na época, os dois partidos votaram contra os interesses do Planalto em 80% das ocasiões, em média, segundo o Basômetro, ferramenta online do Estadão Dados.

Também é elevado o grau de coesão na oposição tradicional: não há grandes diferenças de comportamento no interior das bancadas. Mas o mesmo não ocorre em outros setores do campo hostil a Dilma.

Além da oposição tradicional, o governo, nos últimos anos, passou a ser alvo de ex-aliados, como o PSB, e de partidos que já nasceram no campo adversário, como o Solidariedade e a Rede. Apesar de estar rompido com Dilma desde o final de 2013, o PSB dá mostras de moderação em seu comportamento na Câmara. No ano passado, sua taxa de governismo chegou a 50% – ou seja, na média, os representantes do partido se posicionaram a favor do governo em metade das votações.

Além disso, o PSB não conseguiu se definir em relação ao impeachment – foi o único dos partidos de oposição a não se posicionar claramente. Segundo a cúpula do partido, a bancada na Câmara é majoritariamente favorável ao afastamento de Dilma, mas há resistências entre os senadores, os governadores e os dirigentes da sigla.

É como se o afastamento da órbita governista fosse gradual. O PSB foi aliado do PT desde o início do governo Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. No primeiro ano do governo Dilma, a legenda deu mostras de alta fidelidade: a taxa de governismo chegou a 93% e ficou próxima da exibida pelo PT (96%).

Projeto eleitoral. Tudo mudou quando Eduardo Campos, então governador de Pernambuco, começou a organizar sua campanha à Presidência da República, em 2013. O partido abriu mão dos cargos na esfera federal e começou a mudar, paulatinamente, sua forma de votar na Câmara. Naquele ano, a taxa de governismo foi de 74%, inferior aos 87% de 2012. Em 2014, nova queda, para 53%, até chegar aos 50% do ano passado.

Diferentemente do PSDB e do DEM, o PSB tem grau considerável de dispersão na bancada: enquanto quatro deputados votaram contra o governo em 60% das vezes ou mais, cinco se posicionaram a favor do Planalto e pelo menos 60% das votações.

No interior da bancada, a taxa de governismo varia de 35% a 84%. O mais oposicionista do partido em 2015, Pastor Eurico (PE), votou a favor do governo em 78% das ocasiões no primeiro mandato de Dilma.

Também há falta de coesão no Solidariedade, apesar de o chefe da legenda, Paulinho da Força (SP), ser um dos principais defensores do impeachment de Dilma, a quem trata como “inimiga”. Dois dos deputados do SD têm atuação marcadamente governista: em 2015, Mainha e José Maia Filho, ambos do Piauí, votaram a favor do Planalto em 88% e 96% das ocasiões, respectivamente.

O Basômetro permite a medição do grau de governismo de cada partido ou parlamentar ao analisar se seus votos coincidem ou não com a orientação do líder do governo em cada votação. A ferramenta guarda os registros de mais de 700 mil votos de parlamentares em quase 1.600 votações ocorridas no Congresso nos últimos 14 anos. Na interface gráfica do Basômetro, cada parlamentar é representado por uma bolinha colorida. Quanto mais próxima ela estiver do governo, maior é a taxa de governismo.

MP diz ter provas para denunciar Lula

• Segundo promotor, ex-presidente ocultou ser dono de imóvel reformado pela OAS

Cleide Carvalho - O Globo

-SÃO PAULO- O promotor Cassio Conserino, do Ministério Público de São Paulo, informou que já reuniu provas suficientes para denunciar o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua mulher, Marisa Letícia, pelos crimes de ocultação de patrimônio na investigação sobre o apartamento tríplex que o casal manteve no edifício Solaris, no Guarujá. O promotor comanda as investigações sobre a transferência de prédios inacabados da Bancoop, a cooperativa do sindicato dos bancários que se tornou insolvente, para a OAS.

A construtora assumiu as obras em 2010 e, segundo as investigações, entregou o apartamento a Lula em 2014. A finalização e entrega do imóvel foi noticiada pelo GLOBO no final daquele ano. A informação sobre a possibilidade de denúncia contra o ex-presidente foi antecipada este fim de semana pela revista “Veja”.

Ao GLOBO, o promotor explicou que a investigação já passou de 50%, mas ainda não está concluída.

— O caso já passou da fase de ser arquivado — disse Conserino ontem ao GLOBO.

O promotor também investiga se houve crime de lavagem de dinheiro, uma vez que a OAS, além desse processo em São Paulo, é investigada em Curitiba, na Operação Lava-Jato.

Imóvel avaliado em até R$ 2,5 milhões
Em agosto do ano passado, cinco executivos da OAS foram condenados na Lava-Jato por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa, devido a irregularidades vinculadas a contratos na área de Abastecimento da Petrobras. O ex-presidente da empresa José Aldemário Pinheiro Filho, conhecido como Léo Pinheiro, foi condenado a 16 anos e quatro meses de reclusão.

O imóvel do Guarujá, avaliado entre R$ 1,8 milhão e R$ 2,5 milhões, está em nome da construtora OAS. Lula nega ser dono do apartamento e diz que havia só uma opção de compra em nome de Marisa Letícia, que não foi exercida. Em 2006, porém, Lula declarou uma cota do apartamento em seu Imposto de Renda durante a campanha à reeleição. Em 2010, a assessoria de imprensa de Lula confirmou que ele tinha o apartamento. Sobre o imóvel ser ou não ser de Lula, Conserino disse:

— Isso é balela. Temos provas documentais, circunstanciais e testemunhais de que a família era dona do imóvel, que foi, inclusive, reformado pela OAS e recebeu elevador privativo para beneficiar o ex-presidente. Depois que o apartamento foi entregue, tanto Marisa quanto um dos filhos de Lula, o Lulinha (Fábio Luís Lula da Silva), chegaram a passar alguns dias no imóvel, que foi desocupado depois da reportagem do GLOBO. Os móveis foram retirados — disse o promotor, frisando que ainda não há data para oferecimento de denúncia contra os envolvidos.

Depois das investigações, o Ministério Público de São Paulo terá de ouvir todos os investigados, inclusive o ex-presidente Lula, antes de oferecer denúncia, permitindo que apresentem a versão para os fatos e a defesa.

— Lula e dona Marisa dizem que ficaram cinco anos sem decidir se compravam o tríplex ou não. O dono do tríplex vizinho pagou R$ 925 mil. Ele não pagou praticamente nada, e a reforma durou de abril a setembro de 2014. A família usufruiu do apartamento por uns quatro ou cinco meses, até a reportagem do GLOBO. Depois dela, eles tiraram a mobília — disse o promotor.

Segundo Conserino, o fato de o apartamento ter permanecido em nome da OAS, que pagou por reformas estruturais, inclusive pelos armários da cozinha, configura crime de ocultação de patrimônio e pode ser indício de lavagem de dinheiro, fato que está sendo investigado na Operação Lava-Jato (a OAS é uma das empreiteiras do cartel da Petrobras). A força tarefa da Lava-Jato apura se há dinheiro de corrupção envolvendo as obras e o apartamento destinado ao ex-presidente.

Instituto Lula nega irregularidades
O promotor também investiga reformas em um sítio usado por Lula em Atibaia, no interior de São Paulo, que está em nome de terceiros. Houve melhorias no imóvel, que ganhou quatro suítes. Elas teriam sido pagas por José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula, outro preso na Operação Lava-Jato. Segundo Conserino, parte da fundação das obras de ampliação foi paga a uma empresa fantasma do Paraná, do município de Colorado, por indicação da Usina São Fernando, que pertence à família Bumlai.

O promotor disse que a investigação também já reuniu provas de estelionato contra cooperados da Bancoop, crime que envolve o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, ex-presidente da cooperativa e o ex-presidente da OAS Leo Pinheiro.

— O que houve contra os que pagaram por apartamentos da Bancoop foi um megaestelionato. A Bancoop cobrou pelos imóveis e não entregou. Repassou para a OAS, que cobrou uma segunda vez, com valores ainda mais altos. Muitos perderam o imóvel ou foram forçados a desistir — explicou.

Segundo o promotor, atas de assembleias com os cooperados que registram a decisão pela transferência dos prédios para a OAS foram forjadas.

— Chegavam kombis com pessoas levadas para votar e atas foram fraudadas. Não havia quorum em muitas das assembleias.
Procurado, o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, disse estar “perplexo em saber que um promotor esteja cogitando denunciar alguém sem ter dado a oportunidade de prévia manifestação”.

Edward Carvalho, advogado da OAS, preferiu não comentar as acusações contra a empresa e seu ex-dirigente Léo Pinheiro.

— Ao invés de ficar dando entrevista, prefiro trabalhar — afirmou Carvalho.

Em nota, o Instituto Lula disse que os advogados do ex-presidente examinam “as medidas que serão tomadas diante da conduta irregular e arbitrária do promotor Cássio Conserino, do Ministério Público de São Paulo”. “O promotor violou a lei e até o bom senso ao anunciar, pela imprensa, que apresentará denúncia (...) antes mesmo de ouvi-los. E já antecipou que irá chamá-los a depor apenas para cumprir uma formalidade”, disse a nota.

O instituto diz que Lula e Marisa jamais ocultaram que ela possui cota do apartamento. Mas, diz a nota, “nem Lula nem dona Marisa têm relação direta ou indireta com a transferência dos projetos da extinta Bancoop para empresas incorporadoras (que são várias, e não apenas a OAS). Não há, portanto, crime de ocultação de patrimônio, muito menos de lavagem de dinheiro. Há apenas mais uma acusação leviana contra Lula e sua família”.

“A atitude do promotor é incompatível com o estado democrático de direito e com o procedimento imparcial que se espera de um defensor da lei, além de comprometer o prestígio e a dignidade da instituição Ministério Público”, disse o instituto. (Colaboraram: Mariana Timóteo da Costa e Roberta Scrivano)