quinta-feira, 26 de julho de 2018

Ribamar Oliveira: Receita aumenta, mas déficit não diminui

- Valor Econômico

Despesa primária fora do teto já supera 0,6% do PIB

Na área fiscal, o governo não tem do que se queixar. A receita da União no primeiro semestre deste ano ficou muito acima de todas as projeções. A última estimativa é que a arrecadação total deste ano será R$ 20,1 bilhões maior do que o previsto na lei orçamentária. Depois das transferências aos Estados e municípios, o governo deve ficar com uma receita líquida adicional de R$ 8,3 bilhões. Todos esses números poderão melhorar ainda mais no segundo semestre.

O aumento da arrecadação, no entanto, não foi utilizado para reduzir o astronômico déficit primário previsto para este ano. A receita adicional foi utilizada inteiramente para financiar mais despesas, mesmo com o teto de gastos da União em vigor. Na verdade, o déficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) aumentou, na comparação com o previsto na lei orçamentária.

Nem todos os gastos da União estão submetidos ao limite anual instituído pela emenda constitucional 95. As transferências constitucionais e legais aos Estados e municípios, que são consideradas despesas da União pela contabilidade pública, não estão submetidas ao teto. As transferências do Fundo Constitucional do Distrito Federal também não.

As despesas da União com os pleitos eleitorais não estão submetidas ao teto, nem os gastos com aumento de capital de empresas estatais federais e a complementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Também ficaram de fora os chamados créditos extraordinários, que são aqueles abertos no Orçamento por medida provisória do presidente da República.

Na lei orçamentária, as despesas não submetidas ao teto (excluindo-se as transferências por repartição de receitas aos Estados e municípios) foram fixadas em R$ 34,53 bilhões. No relatório de avaliação de receitas e despesas primárias do terceiro bimestre, elas subiram para R$ 44,330 bilhões - um acréscimo de R$ 9,8 bilhões. As despesas primárias não sujeitas ao teto já superam, portanto, 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado pelo governo para este ano (R$ 6,933 trilhões).

Toda a elevação da estimativa da receita líquida da União para este ano (R$ 8,3 bilhões) foi direcionada para o custeio de despesa não submetida ao teto. Mas o aumento da receita não foi suficiente para custear todo o gasto pretendido.

Restou, então, ao governo elevar um pouco o déficit primário previsto para este ano, que passou de R$ 155,5 bilhões na lei orçamentária para R$ 157,1 bilhões na avaliação do terceiro bimestre - ou seja, o déficit aumentou R$ 1,6 bilhão. Este valor somado ao adicional de receita de R$ 8,3 bilhões foi suficiente para cobrir o aumento da despesa não submetida ao teto (ver tabela acima).

A Constituição admite a abertura de crédito extraordinário ao Orçamento somente para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública. Por meio da medida provisória 838, o presidente Michel Temer criou uma subvenção econômica na comercialização do óleo diesel para acabar com a greve dos caminhoneiros, que causou grande transtorno na vida do país. A Medida Provisória 839 abriu um crédito extraordinário de R$ 9,5 bilhões para custear a nova subvenção.

A subvenção econômica na comercialização do óleo diesel foi considerada, por via transversa, despesa não sujeita ao teto de gasto. Todos os demais gastos da União com subsídios e subvenções, no montante de R$ 20,58 bilhões neste ano, estão submetidos ao teto. Somente porque foi incluída no Orçamento por meio de um crédito extraordinário, a nova subvenção ganhou um caráter diferente para efeito do teto.

A ironia de toda essa história é que um dos objetivos centrais do teto de gastos foi, justamente, reduzir as despesas do Tesouro com subsídios e subvenções. Um dos artigos da emenda constitucional 95 estabelece que, no caso de descumprimento do limite para as despesas, ficam vedadas, entre outras medidas, "a criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como a remissão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que impliquem ampliação das despesas com subsídios e subvenções".

Outra proibição é a "concessão ou a ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária". O teto de gastos ainda não foi descumprido, mas a subvenção criada por Temer vai na direção oposta ao que seria recomendado para preservar o mecanismo. É interessante observar que o presidente - autor da proposta de teto de gastos para a União - não adotou medidas de redução de outras despesas para compensar o gasto com o subsídio que decidiu criar. Se o pai da proposta age dessa forma, o que se poderá exigir do próximo presidente?

Quem acompanhou as discussões em torno do teto de gastos sabia que a retirada do crédito extraordinário da relação de despesas submetidas ao limite era uma válvula de escape do mecanismo. O problema é que ele foi utilizado para custear uma despesa que, por definição, deve estar submetida ao teto. Assim, Temer abriu um precedente perigoso.

O próximo presidente da República poderá considerar que a criação de novas despesas por meio de crédito extraordinário pode ser uma saída ao estrangulamento do teto.

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