quinta-feira, 26 de julho de 2018

Maria Cristina Fernandes: A resiliência do azul e do encarnado

- Valor Econômico

Centrão torce por reedição da disputa entre PT e PSDB

Resta pouco dos pastoris que até o início do século passado animava o Nordeste. Parte das festividades profanas do Natal, os pastoris mobilizavam os arrebaldes em torno do cordão azul e do encarnado. Entre um e outro, moderando a exaltação dos torcedores e encantando a ambos os cordões, aparecia Diana, bailando um vestido metade encarnada, metade azul.

Ciro Gomes, definitivamente, não tem vocação para Diana do pastoril. O diagnóstico do candidato do PDT à Presidência é certeiro mas implode todas as pontes com azuis e encarnados. Ao afirmar, ao Valor, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva manobrou com o chefe do PR, Valdemar Costa Neto, para impedir o acordo do Centrão com sua candidatura, Ciro põe o dedo na ferida de uma esquerda refém do vezo hegemonista do PT, mas se inviabiliza como o nome capaz de liderá-la.

Ao dizer que o pré-candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, errou por não negociar pontos programáticos com o Centrão, antes de aceitar a aliança, Ciro revela como caiu na armadilha que lhe preparou o bloco. Sim, o Centrão imita o MDB, mas não apenas se junta para pressionar e se separa para dividir o butim. O Centrão tem sua origem na Arena, escola da política de bloqueio. Ao identificar Ciro como ameaça, o bloco se aproximou, ofereceu apoio e favoreceu arestas do candidato do PDT com seus potenciais aliados à esquerda. Quando ficou claro que Ciro já contava com esse apoio, puxou o cordão e deixou-lhe desarmado para conquistar os azuis.

Restou a Ciro o PSB, em que conta com o apoio da maior parte dos diretórios estaduais do partido, mas agora encara Márcio França (PSB). Com procuração tucana, o governador paulista trabalha para viabilizar o nome de uma novata secretária brasiliense como nome do PSB com o mesmo afinco com o qual dinamitou o ex-ministro Joaquim Barbosa como candidato do partido. Com o único objetivo de inviabilizar a aliança com o PDT.

Em profecia, tão aprumada quanto arriscada, Ciro aposta num primeiro turno de candidatos com 14%. Ficarão de fora aqueles que forem para baixo na margem de erro e passará para o segundo turno a dupla que a ultrapassar para cima. Com a ajuda do Centrão, o cordão encarnado e, principalmente, o azul, estão mandando todas as Dianas pastorear em outra freguesia.

PT e PSDB também engoliram os partidos com os quais a pré-candidata da Rede tinha a expectativa de fechar aliança. Desprovida de uma coligação que lhe proporcione mais do que poucos segundos no horário eleitoral, Marina Silva ainda terá que se explicar por aliados regionais como o senador Romário (Podemos). Líder na disputa pelo governo do Rio, o senador é acusado por ocultação de patrimônio. É pouco, ante o festival de delinquentes que desfilará nos lares brasileiros em horário nobre, mas suficiente para confrontar o discurso madre-teresa-de-calcutá da candidata.

A terceira e mais beligerante das Dianas, Jair Bolsonaro, foi o primeiro a enfrentar o bloqueio das chapas com suas infrutíferas pelejas em busca de um vice que amplie sua plataforma. O PT, que tem Bolsonaro como o candidato que mais facilmente derrotaria no segundo turno, passou a vislumbrar a perspectiva de herdar os votos do candidato do PSL em eventual segundo turno.

O PT optou pelo programa mais esquerdizante desde a conquista do poder em 2002, na aposta de que só precisa do apoio da militância para atravessar o Rubicão - colocar um candidato no segundo turno e preservar bancada na Câmara e no Senado. Lançou mão, para isso, de uma desbotada proposta de veto à propriedade cruzada dos meios de comunicação em plena era dos gigantes das mídias digitais que cruzam todos os caminhos derrubando fronteiras e dificultando o negócio da informação no mundo inteiro. Até vir a ser moderado no segundo turno, o discurso do PT vai fazer um bom estrago, inclusive na bateção de cabeça de seus dirigentes em torno do protagonismo de sua divulgação.

Se PT e PSDB reeditarem a disputa que há 24 anos divide o país, o farão na mão inversa. O PT é o partido que mais chance tem de chegar ao segundo turno e que mais probabilidade tem de vir a perdê-lo. Alckmin é o improvável candidato do segundo turno que, uma vez lá, tem tudo para vencê-lo.

Um confronto entre PT e PSDB é o cenário favorito do Centrão, especialmente se os petistas escolherem Jaques Wagner para a vaga. Donatário da sesmaria petista de melhores chances eleitorais em outubro, o ex-governador da Bahia é fiador do marqueteiro da campanha petista. Como em seu Estado Lula já tem seu melhor desempenho, Wagner, além da Lava-Jato no seu encalço, teria pouco a somar eleitoralmente.

Na hipótese de Alckmin vir a naufragar, no entanto, os partidos do Centrão pulariam de barco sem maiores dramas se o manche estiver na Bahia. A favor do ex-prefeito Fernando Haddad, além do verniz mais palatável à classe média, concorre o menor peso que as máquinas partidárias têm no segundo turno, quando o tempo de TV se iguala e o exército de candidatos proporcionais já estará desfrutando da folga pós-eleitoral.

Pesa contra Alckmin a excessiva identificação com o governo Michel Temer, especialmente depois que o governador se acercou do Centrão. Sua campanha conta que a candidatura Henrique Meirelles cumprirá a função de biombo tucano. Uma vez que o ex-ministro da Fazenda é o candidato do partido do presidente da República, é sobre ele que Alckmin pretende jogar as mazelas da rejeição a Temer, a despeito de sua coligação ter pelo menos oito grandes capitanias na Esplanada e o MDB apenas quatro.

Na operação que pretende fazer de Meirelles o fusível de Alckmin, o Centrão age ainda de olho no domínio exercido pelo MDB no Senado. Uma vez que a reeleição de Rodrigo Maia (DEM) parece pacificada na Presidência da Câmara, o bloco almeja entrar para disputar espaços do condomínio medebista na Casa que está apalavrada para Romero Jucá (MDB), senador que tem reeleição mais assegurada que Renan Calheiros (PMDB) ou Ciro Nogueira (PP).

É uma briga que vai ficar para quando as urnas fecharem e os partidos contarem cabeças. É no fim da festa que o velho do pastoril, chega, com anedotas e canções obscenas, e aliciar as moças da festa para os patrocinadores.

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