Um Brasil em busca de integração na economia global e comprometido com o comércio livre é um dos melhores legados para o próximo governo. O novo presidente encontrará um importante conjunto de negociações em andamento, um bom ponto de partida para um grande trabalho diplomático. Esse trabalho só será realizado, é claro, se o vencedor da eleição de outubro tiver sido vacinado contra o populismo e os vícios da incompetente, anacrônica e desastrosa concepção geopolítica do petismo. As ações quase simultâneas do governo brasileiro, nos últimos dias, em duas frentes de cooperação comercial – o encontro Mercosul-Aliança do Pacífico, no México, e a reunião do Brics, na África do Sul – foram um claro reflexo da nova orientação em vigor no Itamaraty.
No México, a missão brasileira chefiada pelo presidente Michel Temer e as dos demais parceiros do Mercosul avançaram nas negociações com o bloco formado por Chile, Peru, Colômbia e México. Na África do Sul, o ministro de Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, falou em defesa da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da ordem multilateral ameaçada pela nova onda protecionista e nacionalista, gerada em grande parte pela truculência do presidente americano, Donald Trump. Em discurso em Johannesburgo, o chanceler brasileiro falou sobre a importância, para a prosperidade mundial e especialmente dos países em desenvolvimento, de um sistema estável de regras elaboradas com a participação de todos.
As preocupações com tensão comercial e o risco de uma ampla guerra nos mercados haviam, na semana anterior, marcado a reunião de ministros e empresários do Grupo dos 20 (G20), em Buenos Aires. Um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) preparado para o encontro apontou o risco de uma perda de US$ 430 bilhões de produto global, em 2020, se a guerra esboçada entre Estados Unidos e seus maiores parceiros comerciais se desdobrar com a imposição de todas as barreiras anunciadas até aquele momento.
Mas o elogio do livre mercado no discurso diplomático é insuficiente para o Brasil avançar no rumo adequado ao desenvolvimento de seu potencial. É preciso traduzir em políticas o comprometimento com a cooperação e a integração. O abandono do terceiro-mundismo embolorado, mantido como bandeira da gestão petista, é um passo essencial. A sucessão governamental no Brasil e na Argentina contribuiu para a mudança de rumo do Mercosul – de fato, para seu retorno ao caminho da integração global.
O esforço de aproximação com a Aliança do Pacífico já foi iniciado. Poderia ter começado mais cedo, mas a presidente Dilma Rousseff recusou negociar uma abertura de mercado compatível com a dos integrantes daquele bloco. Por enquanto, a discussão está concentrada em medidas para simplificação de procedimentos e facilitação de comércio, sem negociação tarifária. É a meta possível, agora, até porque a prioridade atual do governo mexicano é salvar a Área de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), ameaçada pelo presidente Donald Trump.
Mas o Mercosul tem hoje uma pauta de negociações muito mais ampla e ambiciosa do que no período petista. A agenda inclui a busca de acordos com economias desenvolvidas, como Canadá, Cingapura, Coreia do Sul e a Associação Europeia de Livre Comércio (Efta), formada por Suíça, Liechtenstein, Noruega e Islândia. A negociação com os demais países da região, componentes da União Europeia, continua sem conclusão. Iniciada há mais de 20 anos, a discussão foi emperrada, em momentos diferentes, pelos dois lados. A novidade positiva, agora, é a disposição para um entendimento exibida pelos governos do Mercosul.
O bloco formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai perdeu muitas oportunidades, quando a aliança do petismo com o kirchnerismo dominou sua política. Nesse período, as negociações multilaterais ficaram emperradas, mas acordos bilaterais e inter-regionais se multiplicaram rapidamente. Isolado em seu terceiro-mundismo, o Mercosul ficou fora desse movimento. Com atraso, poderá entrar no jogo, se nenhum retrocesso ocorrer.
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