sábado, 17 de fevereiro de 2018

*Sergio Fausto: A tal conspiração das elites

- O Estado de S.Paulo

O PT chegou ao limite entre a crítica legítima e a deslealdade às instituições

Há quem acredite que Lula seja vítima de uma trama jurídico-midiática de elites interessadas em impedir sua volta à Presidência. Estariam motivadas por um sentimento de vingança contra o presidente que “mais fez pelos pobres em toda a História do País”. O argumento seria plausível se o ex-presidente tivesse liderado um programa de redistribuição de renda e riqueza que ameaçasse os interesses dos donos do poder político e econômico. Nada mais distante da realidade.

Para as verdadeiras elites econômicas do País, o governo do ex-presidente, no geral, só traz doces lembranças, por boas e más razões: o País cresceu acima da média dos últimos 30 anos, milhões de novos consumidores foram incorporados aos mercados, os juros reais continuaram a remunerar regiamente os “poupadores líquidos”, os contratos com o Estado se multiplicaram e engordaram com generosos superfaturamentos. O mesmo vale para os donos do poder político: apesar da vocação hegemônica do PT, velhos caciques, a maioria deles filiada ao PMDB, encontraram amplo terreno de caça para operar política e negócios tanto com a antiga como com a emergente alta burguesia brasileira, da qual os irmãos Batista são (ou eram) exemplares típicos.

É preciso ser muito crédulo para acreditar na ladainha de que as elites não querem Lula de volta porque não toleram a ideia de que pobres possam frequentar universidades e andar de avião. Perguntem aos donos de faculdades privadas – em particular aos que se ergueram com a alavanca do Fies – e controladores de companhias aéreas o que acham dessa extravagante interpretação.

É verdade que as camadas mais altas e consolidadas das classes médias se sentiram incomodadas com a “invasão” de espaços que antes lhe eram quase privativos. Mas as elites, ora, continuaram a viajar em avião particular e a matricular os filhos nas melhores universidades privadas do País e do exterior. É tola a ideia de que não queiram que os pobres melhorem de vida.

O incômodo de parte das classes médias tornou-se um fenômeno político potente quando o “espetáculo do crescimento” se encerrou, o mensalão foi a julgamento no STF e na sequência a Lava Jato passou a revelar um sistema de corrupção como nunca antes visto neste país (o que não é pouca coisa, tendo em vista o histórico brasileiro nessa matéria). Aí, sim, cresceu em todas as classes médias – emergentes e consolidadas, baixas e altas – um sentimento anti-PT e anti-Lula que criou a atmosfera propícia ao impeachment de Dilma. Nem a mais onisciente e onipotente elite da galáxia teria conseguido alinhar uma sequência tão devastadora de choques negativos sobre um governo.

*Lourdes Sola e Maria Cristina Mendonça de Barros: Busca-se uma agenda que já existe?

- O Estado de S.Paulo

Por que deixar o conteúdo programático à parte da dinâmica das alianças de centro?

Uma das características paradoxais do cenário político é que tanto os candidatos de centro quanto os que são polos rivais na disputa pela Presidência da República estão por definir suas respectivas agendas e narrativas. A ausência de “um projeto para o Brasil” é palpável. Alguns, pragmaticamente, tateiam o terreno, buscam redefinir sua imagem, de olho no grande eleitorado, para além das suas respectivas bases sociais cativas. Nessa fase de realinhamentos e de reconfiguração da arena eleitoral, na esteira das incertezas causadas pela condenação do ex-presidente Lula, tudo se passa como se o cálculo político de curto prazo – o cálculo eleitoral – absorvesse todas as energias criativas da vida política.

Salta aos olhos, no entanto, o contraste entre essa indeterminação programática e os objetos de desejo do grande eleitorado. Se é verdade que este ainda não assumiu seu protagonismo, não é porque não saiba o que quer e o que precisa, mas porque não está de olho ainda no quadro eleitoral, mais segmentado. As pesquisas de opinião sugerem que os valores e as aspirações que pautam as preferências das classes médias e da população de baixa renda estão dadas: aprofundamento do combate à corrupção, segurança, emprego, um horizonte aberto de oportunidades com primazia para a educação. A julgar por essas preferências, e em que pesem os segmentos favoráveis a “candidaturas de ruptura”, serão esses os critérios de desempenho a partir dos quais os candidatos serão observados.

*Demétrio Magnoli: O manifesto ausente

- Folha de S. Paulo

Sob pressão do PT, do PSOL e do PC do B, Havana possivelmente se moveria em sua relação com Caracas

Há 120 anos, em 15 de janeiro de 1898, o jornal "Le Temps" publicou uma petição por um novo julgamento do major Ferdinand Esterhazy, o verdadeiro culpado pelo ato de traição atribuído a Alfred Dreyfus. Além de Émile Zola, autor do "Eu acuso", assinavam-na Anatole France, Émile Durkheim, Marcel Proust, Claude Monet e várias outras figuras da vida cultural francesa. Naquele dia, nascia a tradição moderna dos manifestos políticos de intelectuais. A catástrofe humanitária na Venezuela pede, urgentemente, um manifesto de nossos intelectuais de esquerda. Duvido, porém, que eles tenham a clareza moral necessária para escrevê-lo.

A petição de 1898 cumpriu relevante função pública, ao contrário da maioria dos manifestos que vieram depois, quase sempre consagrados a fins tolos, frívolos ou francamente abjetos. Como regra, intelectuais assinam declarações políticas para servir a um partido ou causa sectária --e isso nos melhores casos, ou seja, quando não se trata simplesmente de cimentar lucrativas relações profissionais ou acadêmicas. A constatação aplica-se a intelectuais de esquerda e de direita, mas principalmente aos primeiros, que cultivam mais tenazmente o hábito do abaixo-assinado. Hoje, porém, devo pedir justamente a eles que façam, uma vez na vida, o que fizeram Zola e cia: escrever para proteger valores preciosos.

Cristovam Buarque: Kit sobrevivência

- O Globo

Fundamental que políticos e juízes recuperem credibilidade

O esgotamento do modelo político, social e econômico utilizado desde a redemocratização e o processo de desagregação que contamina o país requerem mais do que um plano de desenvolvimento, exigem um mapa para a sobrevivência nacional. Mas nossos líderes parecem concentrados apenas na popularidade de seus candidatos para viabilizar sua eleição, e não o que eles oferecem para impedir a desagregação e iniciar a marcha ao futuro de um Brasil que desejamos.

Um item fundamental do mapa da sobrevivência nacional é a recuperação da credibilidade dos políticos e dos juízes, o que implica sobretudo na mudança de comportamento, com o fim de todas as mordomias e do foro privilegiado, além da valorização do mérito na escolha dos ministros e auxiliares. Faz parte desse propósito o combate radical à corrupção.

Outro item é o enfrentamento da guerra civil, ou incivil, que o país sofre. O próximo presidente deve definir as táticas para prender todos os bandidos do presente, mas também a estratégia para encerrar a fábrica de criminalidade e construir a paz. Precisa cuidar da manutenção do imenso edifício da assistência social baseado em transparências de renda, ao mesmo tempo em que definir ações que permitam ao Brasil construir um sistema econômico com alta produtividade e elevada empregabilidade. Isso permitirá que no médio prazo raros brasileiros precisem da assistência por causa da pobreza. É dever ainda assumir o compromisso de responsabilidade fiscal e de não tomar decisões que abatam a eficiência do sistema econômico, lembrando que não há justiça social sem economia eficiente. O presidente dos próximos anos tem que definir o mapa para eliminar, em prazo previsível, a vergonha da dupla tragédia da persistência da pobreza social e da péssima distribuição da renda nacional.

João Domingos: A maior aposta de Temer

- O Estado de S.Paulo

Combater metástases como a do Rio pode se tornar uma bandeira política forte

Diz-se em política que algumas oportunidades, como uma candidatura à Presidência da República, surgem uma vez na vida. E somente para alguns. No caso do presidente Michel Temer, ela surgiu com a crise na segurança do Rio de Janeiro, crise agravada por problemas fiscais, financeiros, psicossociais, de gestão, de credibilidade e comportamentais de políticos de peso do Estado.

Na avaliação de Temer, o que ocorre no Rio de Janeiro é uma metástase que se espalha pelo País e ameaça os cidadãos. Combatê-la pode se tornar uma bandeira forte. Se é uma metástase, se ameaça o País e seus cidadãos, por que não um presidente de taxa de aprovação quase nenhuma não ver nela a sua oportunidade? Essa é a grande aposta de Temer para tentar também entrar no jogo político e, se tudo der certo, apresentar-se para sua própria sucessão.

Temer convive hoje com uma ideia fixa, que é a de tentar provar ao Brasil que não se envolveu em irregularidades, mesmo que o teor da conversa dele com o empresário Joesley Batista deixe tanta gente com a pulga atrás da orelha. O presidente acha que, assim como reduziu os juros e a inflação a taxas muito baixas, e tomou medidas que fizeram com que a economia começasse a entrar novamente nos trilhos, se conseguir reduzir a criminalidade no Rio, terá o que mostrar ao eleitor.

Vera Magalhães: Segurança vira plataforma emergencial para Temer

- O Estado de S.Paulo

Sai o desgaste da reforma da Previdência, entra o discurso de ampla aceitação popular da segurança pública. Para um presidente que começa a flertar com a ideia, que antes descartava, de disputar a reeleição, eis uma troca auspiciosa.

Temer passou a ser incentivado a disputar um novo mandato por um grupo que reúne acólitos, marqueteiros em busca de emprego e parlamentares enrolados na Lava Jato.

O discurso com que tentam convencer o chefe tem vários argumentos: o de que a melhora na economia se fará sentir aos poucos, e mais fortemente próximo à eleição, que ninguém melhor para defender seu legado que ele próprio —se não for para ganhar, algo cuja possibilidade é hoje para lá de remota, ao menos para ter um palanque para elencar suas realizações—, que uma eleição sem Lula torna o resultado imprevisível e, por fim, que ainda não surgiu um nome fora das franjas de polarização da sociedade para galvanizar os votos do chamado centro moderado.

Tudo isso pode até ser verdade, mas nada indica que essa leitura de cenário aponte para o impopular Michel Temer como “o cara” capaz de angariar votos desses órfãos da moderação.

Dora Kramer: Foi-se um governador

- Revista Veja

Na prática, a intervenção federal no Rio significa a deposição de Luiz Fernando Pezão

A intervenção federal na área de Segurança Pública do Rio significa, na prática, a deposição do governador Luiz Fernando Pezão que, antes mesmo de anunciada a decisão, rendeu-se à evidência de que não tinha o menor controle da situação que toma conta da cidade e agravou-se durante o Carnaval.

Na semana passada, o governador disse que não havia “tido tempo” de ler o plano entregue a ele no dia anterior pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann. Na quarta-feira de cinzas jogou a toalha: “Houve um erro nosso. Não dimensionamos isso”, afirmou, referindo-se aos arrastões, assaltos, tiroteios, invasões de supermercados na Zona Sul, Centro e Niterói, do outro lado da Baía de Guanabara, sem contar a continuidade da rotina de violência em outras regiões.

Pego desprevenido, o poder público deixou moradores e turistas entregues à bandidagem. Diante disso Jungmann e o ministro Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) foram ao Palácio Guanabara para comunicar a decisão ao governador e levá-lo a Brasília para uma reunião com o presidente Michel Temer e ministros da área econômica para discutir como seria a intervenção. Note-se que no decreto divulgado nesta tarde (16) está dito que se necessário o interventor poderá “requisitar recursos financeiros, tecnológicos, estruturais e humanos do Rio de Janeiro” para a execução do objetivo. Ou seja, controle total.

Ricardo Noblat: Intervenção no Rio foi empurrada goela abaixo de Pezão

Blog do Noblat/Veja

Pezão arregalou os olhos e ficou em silêncio

Quando o governador Luiz Fernando Pezão (MDB), na quarta-feira de cinzas, admitiu em entrevista à televisão que o esquema de segurança montado para o carnaval no Rio de Janeiro havia falhado, ele forneceu sem querer a senha para que o presidente Michel Temer pusesse em marcha o processo de intervenção federal no Estado.

Temer e Moreira Franco, ministro da Secretaria-Geral da presidência da República, haviam conversado a respeito pela primeira vez na tarde da terça-feira no Palácio do Jaburu, em Brasília. Temer estava chocado com as cenas de violência que vira na televisão. À noite, Moreira consultou o ministro Raul Jungmann, da Defesa, que concordou com a ideia.

Autorizados por Temer, os dois embarcaram para o Rio na manhã da quinta-feira e foram direto para o Palácio da Guanabara, sede do governo do Rio. A conversa com Pezão foi curta, franca e objetiva. Quando falaram da disposição de Temer em decretar intervenção na área da segurança pública do Estado, primeiro Pezão arregalou os olhos e ficou em silêncio.

Míriam Leitão: Impactos da intervenção

- O Globo

A área econômica queria que a intervenção no Rio fosse no dia 1º de março, para que se votasse antes a reforma da Previdência. Depois, alertou que não pode haver mais dinheiro para o caixa do Rio, a não ser o que irá para custear o aumento das operações das Forças Armadas. Os ministros saíram da reunião com a impressão de que agora ficou mais difícil a aprovação da reforma.

O poder no Rio está se desfazendo em todas as áreas. Na segurança, entretanto, a crise é mais aguda. Foi o que motivou a intervenção. E nesse ponto houve concordância em todas as cinco reuniões que o governo fez nas últimas horas sobre a situação. Os participantes das reuniões sabem que é um movimento de risco. A intervenção não terá resultados a curto prazo, vai levar tempo para que o cidadão do Rio sinta que a área de segurança tem comando. Todos temem o desgaste, principalmente os militares.

O general Braga Netto terá plenos poderes, e o Rio passa a ter na prática dois governadores. Nas longas reuniões sobre o assunto, a solução teve que ser construída com ousadia e cuidado porque nunca havia sido feita desta forma. Uma intervenção em tempos democráticos, mas que preserva parte da autoridade do governador eleito. Ao mesmo tempo, dá um comando claro a um setor no qual tem havido muito desencontro e pouca colaboração entre os braços do Estado. As Forças Armadas chamadas cada vez mais a apagar incêndios na área de segurança resistiram a mais esta escalada da sua atuação. Em determinado momento, disseram que aceitavam, “como soldados”, ou seja, é mais uma espinhosa missão. O governador Luiz Fernando Pezão também resistiu. Até que foi convencido pelos ministros Raul Jungmann e Moreira Franco.

Adriana Fernandes: Mais dinheiro para o Rio

- O Estado de S.Paulo

Há quem diga que Pezão deixou segurança de lado no carnaval para chamar a atenção

Na noite em que decidiu pela intervenção federal do Rio de Janeiro, o presidente Michel Temer acertou com o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, que não haverá repasse de recursos federais ao Estado.

Por enquanto.

A transferência de dinheiro novo ao Rio será inevitável, como já admitem interlocutores da área econômica. Mais tarde, com o plano de intervenção lançado e em funcionamento, o governo fluminense se prepara para negociar um socorro adicional de recursos com o Palácio do Planalto.

Alívio financeiro é tudo o que o Rio quer. E tem apoio de ministros palacianos muito interessados também no importante reduto eleitoral do Estado, onde o deputado Jair Bolsonaro tem forte penetração e é um dos candidatos favoritos à Presidência da República. Segurança pública é o tema mais sensível para os eleitores de lá e plataforma de campanha.

Desta vez, o Rio não deverá encontrar as portas fechadas para o socorro, como ocorreu no ano passado justamente nessa mesma época do ano, quando lutava bravamente contra as medidas de ajuste fiscal exigidas pelo Tesouro para o Estado ser aceito no regime de recuperação fiscal. O governo federal vai arcar apenas com despesas do pessoal da União que vai reforçar a segurança no Rio, como os integrantes da Força Nacional e policiais rodoviários. São gastos com diárias, passagens e gasolina, por exemplo.

Merval Pereira: Poder de polícia x ‘soft power’

- O Globo

O combate às gangues tem que ser seguido de uma atuação social imediata, levando escolas, postos de saúde, delegacias de polícia à população

O sucesso da atuação das Forças Armadas no comando da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), que se encerrou no ano passado ao completar 13 anos, faz com que uma ação semelhante nas favelas brasileiras, especialmente no Rio, seja considerada possível.

As experiências brasileiras estão sendo base para treinamentos e cursos no Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil Sérgio Vieira de Mello, o que faz do Brasil referência internacional na preparação de pessoal qualificado, militar e civil, para a execução de missões de paz. Mas há diferenças fundamentais que precisam ser avaliadas.

Recentemente, num seminário internacional realizado no Centro de Instrução dos Fuzileiros Navais, onde foi feito um balanço desses 13 anos de atuação da Força de Paz, muitas questões foram levantadas a esse respeito. Há diversos oficiais, como o General Augusto Heleno, que comandou a missão de paz da ONU no Haiti durante um período, que não têm dúvida de que as tropas brasileiras estão preparadas para uma atuação interna desse tipo.

Ele me disse certa vez, anos atrás, ao fazer um balanço da atuação no Haiti, que nossos soldados são quadros profissionais que tiveram uma experiência que, no Brasil, não teriam jamais uma vivência real de combate, trocando tiro, aprendendo a reconhecer o terreno, dominando o medo. Mas há diferença marcantes, e a primeira é o aspecto político, porque no Haiti os soldados brasileiros trabalhavam sob a égide da ONU, com regras de engajamento bem definidas e bem compreendidas pelas tropas.

Depois desses anos todos, com troca de contingentes a cada seis meses, o treinamento foi feito de maneira bastante sofisticada. O contingente que viajaria era treinado nos seis meses anteriores exaustivamente, de modo que já chegavam lá conhecendo bem todas as normas. Cada um sabia o que podia fazer. Ao contrário, no Brasil, o poder de polícia do Exército é muito limitado. O temor de que os soldados possam ser expostos a uma condenação por causa de uma operação foi em boa parte superado pela lei sancionada em outubro passado pelo presidente Michel Temer, que transfere para a Justiça Militar o julgamento de militares que cometerem crimes contra civis nas chamadas missões de “garantia da lei e da ordem”.

Uma intervenção injustificável: Editorial/O Estado de S. Paulo

Não há razão objetiva que justifique a intervenção federal, restrita à segurança pública do Rio de Janeiro, decretada pelo presidente Michel Temer. A situação daquele Estado no que diz respeito ao crime organizado e à violência urbana não se tornou calamitosa de um dia para o outro, a ponto de demandar uma medida tão drástica exatamente agora, a poucos dias da esperada votação da reforma da Previdência, que, por força de determinação constitucional, não poderá ser realizada em razão da intervenção. Temer garante que os efeitos do decreto serão suspensos apenas para a votação, mas essa manobra certamente receberá inúmeras contestações judiciais e são imensas as possibilidades de o feitiço voltar-se contra o feiticeiro.

Ainda que se concluísse que a intervenção era mesmo necessária, é difícil compreender por que não se poderia esperar até depois da votação daquela reforma, pois não há notícia de ameaça iminente à ordem pública – apenas a rotineira violência das balas perdidas, dos morros conflagrados e dos assaltos a turistas. E se dizemos que a violência é rotineira é porque o desgoverno do Rio e a corrupção que corrói o aparelho do Estado de alto a baixo fizeram do horror o cotidiano daquela população.

Essa violência é intolerável, mas não será a intervenção federal que resolverá o problema. A segurança não é uma questão isolada, e sua degradação no caso do Rio é resultado de uma combinação de muitos fatores – irresponsabilidade administrativa, conivência com o crime organizado, corrupção generalizada, franqueamento do Estado a delinquentes de toda espécie e apatia social. Logo, intervir só na segurança pública até 31 de dezembro deste ano, como estabelece o decreto, tocará apenas na superfície do problema. Pode-se até alcançar alguma forma de trégua com o crime organizado nesse período, mas será algo apenas ilusório, pois todos os demais elementos que conduziram a esse estado de coisas permanecerão intocados. Desde o infeliz governo de Chagas Freitas há tréguas periódicas com os bandidos e o resultado é um só: quando os bandidos voltam a ser bandidos – pois mocinhos parece que lá não há –, o nível de violência aumenta, sempre acima do anteriormente registrado.

Decisão inevitável para restaurar o estado de direito: Editorial/O Globo

Era mesmo imperioso decretar a intervenção na área de segurança, historicamente problemática, com infiltrações visíveis do crime organizado

Não há uma solução instantânea para a crise, parte de um problema que é nacional. A intervenção é um meio para reverter a debacle

A intervenção federal na segurança fluminense foi forçada pelo quadro criado a partir da crise financeira do estado, com a perda de comando sobre as polícias e o esvaziamento do poder do governador Luiz Fernando Pezão, também atingido por estilhaços da explosão do seu grupo político, envolvido em corrupção, parte dele encarcerada, a começar pelo chefe, Sérgio Cabral.

As ocorrências no carnaval foram o ápice neste processo, e era mesmo imperioso decretar a intervenção na área de segurança do estado, historicamente problemática, com infiltrações visíveis do crime organizado. O caso do batalhão da PM de São Gonçalo, vizinho a Niterói, associado a traficantes da área, é emblemático. Policiais recebiam propina para não reprimir a venda de drogas em favelas do município. PMs chegavam a trabalhar em bocas de fumo, além de emprestar armas para os bandidos.

Neste sentido, portanto, a crise financeira veio apenas agravar o que já acontecia. O aprofundamento da degradação do aparelho de segurança ao menos dá a chance de, com esta intervenção, ser preparado o terreno para a regeneração do aparato policial.

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, tivera conversas reservadas no âmbito estadual sobre uma “intervenção branca” na Secretaria de Segurança. Uma forma de o Executivo federal assumir a área, sem a necessidade de, como estabelece a Constituição, suspender-se a tramitação no Congresso da reforma da Previdência. Mas o governador Pezão precisaria pedir esta ajuda.

Não o fez, e só agora aquiesceu, e a uma intervenção formal, diante do avanço do crime, com tiroteios constantes em comunidades e fora delas, fazendo vítimas inocentes, várias crianças entre elas.

A situação de descontrole observada nas ruas terminou deixando em segundo plano a questão da reforma previdenciária, embora ela possa ser votada, numa suspensão momentânea do decreto de intervenção apenas para isso, como mencionou o próprio presidente Temer no pronunciamento que fez na solenidade de assinatura do decreto.

A renovação é outra: Editorial/ Folha de S. Paulo

Desistência de Luciano Huck é oportunidade para buscar soluções institucionais

Ao reafirmar que não será candidato à Presidência neste ano, o apresentador de TV Luciano Huck terá ponderado, sem dúvida, os desgastes inevitáveis que sua repentina entrada no cenário político viria a impor sobre sua vida pessoal, familiar e financeira.

Merece registro, de todo modo, o quanto sua atitude pode contribuir para a relativização de um complexo de expectativas, ilusões e estratégias que se faz notar com insistente força na sociedade civil e em alguns representantes da elite partidária brasileira.

Toma-se como ponto de partida um dado da realidade —a corrosão da credibilidade de grande parte das atuais lideranças políticas. É óbvio, nesse cenário, que se pense em renovar os quadros e as condutas que orientaram eleições e governos nas últimas décadas.

A isso se soma a frágil situação revelada pelas pesquisas de popularidade recentes, indicando um virtual vazio de candidaturas sólidas para o pleito que se aproxima.

Não é exclusividade do Brasil que se discutam menos instituições do que nomes, menos programas que figuras, e mais candidatos ao Executivo do que postulantes ao Legislativo.

Veteranos prevalecem

Eleitor quer novidade, mas desistência de Huck mostra dificuldade de candidatura ‘outsider’

Silvia Amorim, Tiago Dantas e Gustavo Schmitt / O Globo

-SÃO PAULO- A desistência do apresentador Luciano Huck de disputar a eleição presidencial expôs a dificuldade de se construir uma candidatura outsider no país, apesar do apelo popular por nomes de fora da política. O jogo eleitoral afunilou em torno dos partidos tradicionais. PSDB, PT, PMDB e DEM tiraram o dia seguinte ao anúncio de Huck para reavaliar cenários e estudar como ocupar o espaço deixado pelo apresentador.

Huck chegou a 8% da preferência do eleitorado na última pesquisa Datafolha, divulgada este mês. Depois dele, a única candidatura outsider cogitada para 2018 é a do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa. Entretanto, as negociações do magistrado com o PSB patinam e estão a cada dia mais perto de um desfecho como o de Huck.

A disputa para o Planalto se encaminha para uma reedição de pleitos anteriores, cujos protagonistas serão candidatos veteranos, como o ex-presidente Lula, caso se livre da impugnação causada pela condenação em segunda instância, a senadora Marina Silva, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e até o senador e ex-presidente Fernando Collor de Mello. 

Para o cientista político Alberto Almeida, autor dos livros “A cabeça do brasileiro” e “A cabeça do eleitor”, a saída de Huck evidencia como é difícil no sistema político brasileiro colocar de pé a campanha de alguém que não está acostumado com a política.

— A relação do público com o apresentador de TV e com o político é totalmente diferente. Quem entra na carreira política está acostumado com a pressão o tempo todo, com sua vida devassada. O artista só é aplaudido. Surgiram na imprensa denúncias contra Huck. Coisas como essas fazem o novo ficar rapidamente envelhecido.

O cientista político do Insper Carlos Melo destaca, entretanto, que o eleitor ávido por um nome que seja novidade continua existindo. É esse vácuo deixado por Huck que os grandes partidos tentarão ocupar.

— O eleitor continua perdido, esse vazio vai Esse candidato do centro vai ter que disputar contra o desalento. Hoje, o que as pesquisas mostram é que ainda há espaço para um outsider. O que falta é esse personagem. Numa eleição que hoje aparece polarizada entre Lula, representando a esquerda, e o deputado Jair Bolsonaro como líder de um discurso conservador, Alckmin respirou aliviado com a desistência de Huck. Ele é o nome da força política de centro mais bem colocado nas pesquisas, mas ainda não tem garantia de que haverá uma candidatura única desse grupo.

Centro em busca de um nome

Com saída de apresentador, páreo está aberto aos interessados em concorrer ao Palácio do Planalto por este campo político

Maiá Menezes / O Globo

A segunda negativa do apresentador Luciano Huck à sedutora possibilidade de se candidatar à Presidência da República abre vaga em uma larga avenida. A tal em que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já demonstrou estar de olho, e por onde circulam nomes como o do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o do prefeito da capital paulista, João Doria — este enfraquecido na disputa interna do PSDB, mas ainda “vivo”. Bastidores indicam que mesmo o presidente Michel Temer, cuja impopularidade já se tornou icônica, anda se animando com a possibilidade de transitar pela via do centro, cujo cenário atinge agora o auge da indefinição.

O nome de Huck, incensado por graúdos como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, trazia consigo dividendo distinto: a carga de sua popularidade de astro de televisão e o selo de novidade na política. Ocupava, portanto, espaço vasto no campo entre os extremos cujas pesquisas vêm atestando a polarização: o ex-presidente Lula e o deputado Jair Bolsonaro.

Sem o nome do apresentador, os aliados de Alckmin comemoraram. Doria volta a se movimentar. Rodrigo Maia tende a realimentar a mosca azul. Em um segundo e último ano de mandato sem grandes marcas em sua gestão, com uma reforma da Previdência em risco, e já diante de uma agenda intensamente direcionada para a segurança pública, o próprio presidente abastece o fôlego para a corrida na via aberta.

A arena, na fotografia de hoje, se desenha dentro da tal “velha política” — personagem até dos protestos carnavalescos — e se circunscreve à base que sustentou a atual gestão. O páreo zerou.

Sem Huck, grupo de FHC estuda opções

Ex-presidente não desistiu de procurar alternativas para o caso de a provável candidatura de Alckmin não decolar

Igor Gielow / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Depois da negativa de seu protegido Luciano Huck, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) não desistiu de procurar uma alternativa fora de seu partido para a eleição ao Planalto.

Segundo a Folha apurou, no fim da tarde de quinta (15), após Huck confirmar que não deixaria a Rede Globo para disputar o pleito, aliados de FHC discutiram a realização de uma pesquisa qualitativa sobre opções para a corrida pelo Palácio do Planalto.

Um deles afirmou ter recebido um pedido de FHC para a análise de novos cenários. O ex-presidente, por meio de sua assessoria, negou ter feito qualquer demanda nesse sentido.

Em mensagem à reportagem, disse que considera o [o governador tucano de São Paulo] Geraldo Alckmin o mais capacitado entre os nomes sugeridos para exercer a Presidência.

"Estou em Trancoso passando o Carnaval. Não fiz contato com político algum. Reafirmo que, a despeito de minha amizade e consideração por Huck, nunca deixe de dizer que seguirei o PSDB. 

Qualquer outra afirmação se trata de especulação", afirmou o ex-presidente, que voltou a São Paulo no fim da tarde de sexta (16).

Para Maia, ausência de Huck nas eleições é 'avenida aberta sem carros'

Presidente da Câmara vem articulando sua possível candidatura à Presidência

Marina Dias, Angela Boldrini / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse nesta sexta-feira (16) que o apresentador Luciano Huck “seria um ótimo candidato” ao Palácio do Planalto, mas que, sem ele na disputa, “há uma avenida aberta sem carros na frente” para novos nomes.

Há pelo menos três meses, Maia vem articulando sua possível candidatura à Presidência da República, mas ainda espera decolar nas pesquisas de intenção de voto —no último Datafolha ele aparece com apenas 1%— para se oficializar na corrida eleitoral deste ano.

“Que há uma avenida aberta sem carros na frente, há, pra todo mundo [...] Há uma avenida que não tem ninguém trafegando”, disse Maia em conversa com jornalistas.

“Luciano seria um ótimo candidato, um quadro com bastante informação, espero que continue mobilizando segmentos da sociedade para participar do processo eleitoral”, completou o presidente da Câmara.

Aliados reavaliam acordos com o PT no Nordeste

Após TRF-4 confirmar condenação de Lula, líderes políticos da região cogitam recuar em acertos prévios com os petistas caso a legenda tenha outro candidato ao Planalto

Julia Lindner, Igor Gadelha e Renan Truffi / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Após o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) confirmar a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aliados do petista no Nordeste ameaçam rever acordos locais com o partido. A decisão em segunda instância no caso do triplex do Guarujá tende a tornar o petista inelegível e sua eventual candidatura ao Planalto dependeria de decisões judiciais.

Líderes do MDB já avaliam romper alianças ou recuar em acertos prévios com o PT caso a sigla tenha outro candidato a presidente. O Nordeste é o principal reduto eleitoral do ex-presidente. Em agosto do ano passado, Lula percorreu a região em uma caravana na qual começou a costurar alianças para as eleições deste ano.

À época, o petista já tinha sido em condenado em primeira instância pelo juiz Sérgio Moro. Em janeiro, no entanto, o ex-presidente foi condenado em segunda instância a 12 anos e 1 mês de prisão, decisão que colocou incerteza na sua candidatura.

Para evitar uma “debandada”, o ex-presidente procurou caciques para convencê-los a manter acordos com o PT nos Estados mesmo se ele não puder ser candidato. Isso porque os aliados de Lula garantem apoio ao petista, mas não ao restante do PT.

Um dos caciques do MDB que Lula já procurou foi o presidente do Senado, Eunício Oliveira (CE). Eles marcaram um encontro para o início de março. Candidato à reeleição, o emedebista negocia aliança com o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), que também tentará se reeleger, e já declarou publicamente que seu candidato à Presidência seria Lula. Segundo interlocutores, caso o petista não seja o candidato, Eunício pode migrar para outro palanque presidencial.

Alckmin diz que Huck pode ‘ajudar’ mesmo não sendo candidato

A aliados, governador afirma que empresário pode ser um cabo eleitoral para sua campanha ao Planalto

Eduardo Laguna, Pedro Venceslau / O Estado de S. Paulo.

O pré-candidato à Presidência pelo PSDB e governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, fez ontem um aceno a Luciano Huck e disse que o apresentador dará a sua contribuição ao debate público de ideias e propostas mesmo sem se candidatar. “Decidiu não ser candidato, mas tem inúmeras formas de ajudar e colaborar com o Brasil. Acho que ele tem contribuição grande a dar ainda que não seja candidato”, afirmou o governador durante evento na zona sul da capital.

Após Huck anunciar anteontem que manteve a decisão de não se candidatar à Presidência na eleição deste ano, aliados de Alckmin passaram a ver no apresentador um potencial cabo eleitoral de peso na campanha.

Em 2014, o então candidato presidencial do PSDB, Aécio Neves, recebeu o apoio público de Huck na disputa. A ideia no entorno de Alckmin é buscar uma aproximação com os movimentos RenovaBR e Agora!, dos quais o apresentador da TV Globo faz parte, e tentar um encontro dele com o governador. O PPS, que estava negociando com Huck sua filiação ao partido, está agora na área de influência do tucano.

Com a incógnita Bernardinho, políticos tradicionais se lançam no Rio

Cenário é dominado por rostos antigos; intervenção federal fortalece Moreira no PMDB

Miguel Caballero / O Globo

A corrida ao Palácio Guanabara repete por ora o panorama nacional: outsiders com dificuldade de se viabilizar, e a maior probabilidade de que estejam na urna em outubro nomes já conhecidos dos eleitores fluminense. Preferido por muitos para encarnar o “novo” na disputa, o técnico de vôlei Bernardinho vive dilema parecido com o enfrentado pelo apresentador Luciano Huck. Filiado ao partido Novo, ele precisa superar a resistência da família se quiser ser candidato.

Os que se lançaram até agora são rostos já conhecidos. O ex-prefeito do Rio Eduardo Paes tem a opção de ser o candidato do PMDB mas, no momento, recorre de decisão do TRE-RJ que o deixou inelegível por oito anos. Índio da Costa (PSD) já foi três vezes vereador e está no segundo mandato como deputado federal, além de ter sido candidato a vice-presidente da República, em 2010. Ele deixou a gestão de Marcelo Crivella na capital, mas deverá contar com seu apoio na eleição. Outro veterano de eleições no estado é o ex-governador Anthony Garotinho (sem partido), mais uma vez postulando voltar ao cargo que ocupou entre 1999 e 2002.

Enquanto isso, o mais experiente político do estado vai ampliando seu espaço e influência. Aos 73 anos, o ministro e ex-governador Moreira Franco não será candidato a voltar ao Palácio Guanabara, mas se aproxima cada vez mais de concretizar o plano de retomar o controle regional do PMDB, maior partido no estado, dominado há mais de uma década pelo grupo de Jorge Picciani e Sérgio Cabral.

Fernando Pessoa: Abandonado em Viagem

Venho dos lados de Beja.
Vou para o meio de Lisboa.
Não trago nada e não acharei nada.
Tenho o cansaço antecipado do que não acharei,
E a saudade que sinto não é nem no passado nem no futuro.
Deixo escrita neste livro a imagem do meu desígnio morto:
Fui, como ervas, e não me arrancaram.

Marisa Monte - Feitio de Oração