domingo, 15 de dezembro de 2019

Luiz Sérgio Henriques* - Uma defesa do liberalismo

- O Estado de S.Paulo

Defesa das instituições, e da Constituição que as afirma, é obrigatória para todo democrata

Neste ano em que voltamos a viver perigosamente, muito além do que recomendam elementares normas de prudência, descobrimo-nos, nós, brasileiros, não só leitores da densa e significativa literatura sobre crise e morte das democracias, mas também participantes em primeira pessoa do drama que tais livros expõem. A bem da verdade, examinando nossa trajetória recente, o perigo rondava já há algum tempo, pelo menos desde que as multidões tomaram as ruas em 2013, sem que seu mal-estar fosse entendido ou metabolizado pelo sistema político e abrisse um horizonte de mudanças; ou quando cada um dos episódios eleitorais passou a assumir o aspecto irrazoável de luta de vida e morte, um combate feroz entre “nós e eles”, como se a alternância no poder não fosse um fato rotineiro em sociedades maduras.

Seja como for, e quaisquer que tenham sido as causas, o fato é que passamos a escrever – ou, mais apropriadamente, deixamos que outros passassem a escrever e, assim, “controlassem a narrativa” – a história da nossa própria crise. Não é preciso mais olhar para longe e mencionar nomes surpreendentes, como Donald Trump, e até desconhecidos, como Viktor Orbán. Abandonamos a leitura mais ou menos angustiada sobre os destinos do mundo, ou a ela não nos dedicamos mais com exclusividade, uma vez que experimentamos na própria pele a possibilidade de involução autoritária ou, o que vem a ser a mesma coisa, de compressão dos elementos especificamente liberais da democracia.

Uma “democracia iliberal”, na verdade, só se tornaria viável com o cancelamento do regime constitucional de 1988, daí o aspecto “revolucionário” de que inevitavelmente se reveste. De fato, implicaria levar até o fim, com radicalidade “jacobina”, dois processos em andamento, ainda que entre si contraditórios e, por isso, potencialmente desestabilizadores do próprio bloco político que os promove. Desde logo, a hipotética “nova ordem” seria o veículo para a refundação econômica do País nos termos do ministro Paulo Guedes, com escassa ou nenhuma preocupação social – de resto, não constitui ofensa ao ministro afirmar que a desigualdade, mesmo quando disruptiva, está muito longe de figurar entre suas maiores preocupações. “Perdedores” não lhe tiram o sono, sem importar que o número deles atinja as proporções catastróficas que nos rodeiam.

Merval Pereira - A força (e as fraquezas) da democracia

- O Globo

O apoio à democracia também esbarra na busca de eficiência do sistema

As questões que estão em debate no Chile, no intervalo entre a suspensão das manifestações e a convocação de uma Constituinte, são as mesmas que afligem o mundo ocidental, em especial países em desenvolvimento, onde a insegurança pública mistura-se à insegurança econômica.

Da classe média precarizada e com receio do futuro aos jovens, setores fundamentais nas manifestações formidáveis que aconteceram nas grandes cidades chilenas, há uma gama enorme de anseios e angústias que são comuns no mundo atual.

O psicanalista Joel Birman diz que a angústia psíquica surge sempre que se entra num processo rápido de modernização do espaço social. Essas mudanças provocam um grande mal-estar, pela desestruturação de valores tradicionais e o surgimento de novos valores que levam a mudanças nos campos estético, erótico, alimentar, vestimentário, familiar.

No Chile, como já vimos em outros lugares na última década, as redes sociais tiveram papel fundamental na convocação das manifestações e na disseminação de ressentimentos, especialmente por parte da juventude. O fenômeno dos “nem-nem”, jovens que nem trabalham nem estudam, presente também entre nós, teve especial destaque nas manifestações, algumas violentas, que ocorreram no Chile.

Bernardo Mello Franco - Crivella, o impopular

- O Globo

Crivella é o prefeito do Rio mais impopular das últimas décadas. Ele deve apostar na agenda

Marcelo Crivella chegou lá. Depois de três anos no cargo, ele se tornou oficialmente o prefeito do Rio mais impopular das últimas décadas. De acordo com o Datafolha, 72% dos cariocas consideram sua gestão ruim ou péssima. Apenas 8% aprovam o desempenho do bispo como administrador.

A pesquisa traz más notícias para quem sonha com o segundo mandato. Crivella supera os 60% de rejeição em todas as faixas de idade, renda e escolaridade. Entre os eleitores com ensino superior, seu índice negativo alcança os 84%. Neste grupo, apenas três em cada cem cariocas aprovam o prefeito.

O bispo encontra dificuldades até no seu público mais fiel. Entre os evangélicos neopentecostais, que incluem os seguidores da Igreja Universal, ele é aprovado por 26% e reprovado por 49%. O dado mostra que a irritação com o prefeito está falando mais alto que a identificação com o pastor.

Crivella foi eleito depois de quatro campanhas frustradas à prefeitura e ao governo do Estado. Em 2016, aproveitou a onda conservadora pós-impeachment. Apelou a temas como drogas e aborto para derrotar Marcelo Freixo no segundo turno. O então prefeito Eduardo Paes também o ajudou, ao lançar um candidato pouco competitivo que terminou em terceiro lugar.

Míriam Leitão - Sinais de alerta são ignorados

- O Globo

Atrasos no Pisa e IDH são de outros governos, mas o atual se preocupa mais com pontos na CNH do que com problemas reais do país

Divulgados em semanas diferentes, os dados do PISA e do IDH, elaborados pela OCDE e pela ONU, conversam entre si e nos informam o quanto o Brasil precisa se apressar na agenda social. Os números permitem um olhar pelo espelho retrovisor porque são dados de administrações passadas. O problema é saber que no presente o governo está totalmente alheio ao que é essencial na luta por uma educação de qualidade e pela defesa dos direitos humanos.

O presidente Jair Bolsonaro está bravo porque diz que perdeu a “alma” do projeto de flexibilizar leis de trânsito. Nele, havia originalmente mais chance de os motoristas cometerem infrações sem perder a carteira. Foi derrotada, no Congresso, também a sua proposta de desobrigar o uso de cadeirinhas para a proteção de criança pequena.

Os reais problemas do país são bem outros. A desigualdade faz com que o Brasil despenque no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Não é problema de agora, vem de muito tempo. O cientista político Átila Roque, da Fundação Ford, diz que o país tem um poder enorme de reinventar de maneira diferente a fórmula para continuar sendo sempre muito desigual:

— A permanência da desigualdade ao longo dos séculos, mesmo no período da democracia, é muito reveladora de uma certa vocação da sociedade brasileira para a desigualdade. Ela é muito complexa e só se realiza porque tem uma série de políticas e forças trabalhando para a sua manutenção.

Dorrit Harazim - No eixo Boris-Trump

- O Globo

Nunca foi fácil ao Reino Unido reconciliar passado de antiga potência imperial com o papel menor que lhe foi alocado no pós-Segunda Guerra

Existe uma corrente de pensamento bastante efervescente segundo a qual o conceito de eleição, tal qual o conhecemos, foi enterrado junto com o século 20. A ideia de que esta forma de consulta democrática consegue nivelar diferenças nacionais e concede ao vencedor tempo e espaço para implementar seu programa de governo é coisa do passado. Como escreveu o autor britânico John Harris, a política, depois que o mundo migrou para a vida on-line, passou a operar num ambiente de descrédito, cinismo e guerra tribal que a impede de chegar a qualquer desfecho. “Ninguém [mais] realmente vence”, conclui Harris. E mesmo quando vence, acaba mantendo a cabeça e o corpo em campanha eleitoral permanente. Vide o presidente Jair Bolsonaro.

O primeiro-ministro britânico Boris Johnson pode vir a ser a exceção à regra. Não apenas pela acachapante derrota eleitoral que impôs ao Partido Trabalhista esta semana, conquistando para o seu Partido Conservador a cobiçada maioria parlamentar ampla, geral e irrestrita. Ele também despachou Jeremy Corbyn, o líder trabalhista sem rumo exceto o precipício, para a vala comum dos políticos esquecíveis. Boris, como ele prefere ser chamado, venceu grande porque o país estava exaurido após três anos e meio de incerteza diária. Esta nação em busca de um futuro e uma identidade clara finalmente optou em tom irrefutável pela adesão ao Brexit — quaisquer que sejam os contornos e consequências dessa ruptura.

Mary Zaidan - O descentrado centro

- Blog do Noblat | Veja

Baixo nível do debate político

Lideranças populistas, partidos sem qualquer identidade, desigualdades extremas, educação precária são algumas das explicações para a rasura em que o debate político nacional se desenvolve. Os que se dizem de direita demonizam os de esquerda que satanizam os de direita. Os extremos sovam-se com braveza e baixarias para fermentar seus mitos, não raro sem saber o significado histórico-politico da direita e da esquerda no mundo e no Brasil. Ao centro cabe a impopular tarefa de arrumação.

O primeiro ano do governo Bolsonaro está aí para provar. Se andou um pouco foi por mérito do Congresso – em especial das forças de centro -, que colocou em pé a nova Previdência, expurgando dela coisas catastróficas como o sistema de capitalização defendido pelo ministro Paulo Guedes. Impôs limites à loucura pró-armas e à desregulamentação sem precedentes nas leis de trânsito. Não topou o excludente de ilicitude e muito menos permitirá taxação do seguro-desemprego. E o centrismo da sociedade impediu a ressuscitação da CPMF.

O centro desembaraça novelos, arranja alternativas, faz. Mas não sabe mostrar o que faz, portanto, não é reconhecido. Muito menos consegue encarnar os feitos em um líder eleitoralmente viável.
Diluídos em vários partidos e com espectro amplo à direita e à esquerda, os centristas têm enormes dificuldades de se enxergarem juntos. À direita, nem passa pela cabeça do governador paulista João Doria sentar à mesa com Rodrigo Maia do DEM ou com o também tucano Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul. O que dirá de abrir mão da candidatura presidencial para fora de seu partido, considerando alternativas como a de Luciano Huck. Viúvos do PT e sem chances nas disputas à esquerda, PSB e PDT nem consideram a hipótese de caminhar ao lado do PSDB, do DEM ou do Novo de João Amoedo. Arrepiam-se com Huck.

No Brasil de hoje se dizer de direita é fácil. É só seguir, ser ativo e brigão nas redes, dar um like e compartilhar as lives e os twitters do presidente Jair Bolsonaro, aclamar o guru Olavo de Carvalho, reproduzir e não criar encrenca com os filhos do chefe. Ser de esquerda, mais simples ainda: basta louvar Lula todos os dias.

Profetas do atraso, os dois líderes, interessados apenas em se manter à frente um do outro, inibem as conexões dos neurônios de seus adeptos. Tudo gira em torno deles.

Já no centro, a encrenca começa na falta de estofo de muitos de se assumirem como tal. Temem ser confundidos com o Centrão, que carrega a pecha da política do toma lá dá cá e de negociações espúrias. Envergonhada, a maioria se diz de centro-esquerda ou centro-direita. Até se unem em votações parlamentares, mas tratam de expor diferenças irreconciliáveis sempre que o papo é eleição.

Na sexta-feira, em reunião da Roda Democrática, grupo de discussão suprapartidário que busca saídas para essas armadilhas, o ex-deputado Roberto Freire, presidente nacional do Cidadania, apontou o exemplo de vitórias centristas em ambientes considerados pouco afetos a elas. Na Europa, que vive o drama da dissidência do Reino Unido, a união continental está sendo mantida pelas forças de centro contra o euroceticismo dos extremos de direita e esquerda.

Eliane Cantanhêde - ‘Fóssil colossal’

- O Estado de S.Paulo

De líder na proteção do meio ambiente, o Brasil virou alvo de chacota mundial

Definitivamente, não se pode dizer que 2019, primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, tenha sido positivo para a imagem do Brasil no exterior. O presidente atribui o mau momento à mídia, às esquerdas, a uma espécie de propaganda negativa sistemática. Mas será que é isso mesmo?

Na sexta-feira, em Madri, a Conferência do Clima da ONU (COP) conferiu ao Brasil o prêmio “Fóssil Colossal”, que, como o próprio nome diz, é uma ironia com os piores desempenhos na proteção do meio ambiente. É dramático, porque o Brasil despencou de um extremo a outro: de líder mundial de proteção para alvo de chacota.

No mesmo dia, a prestigiada revista Nature incluiu o professor Ricardo Galvão entre os cientistas do ano. E quem vem a ser? O presidente do Inpe que foi demitido e humilhado publicamente depois de Bolsonaro achincalhar os dados do instituto sobre desmatamento. E, veja bem, os novos dados coletados pelo próprio governo confirmaram depois o quanto o Inpe estava certo.

Em meio a essa sucessão de vexames, o presidente bateu boca num dia com a ativista adolescente Greta Thunberg – a quem chamou de “pirralha” – e no dia seguinte ela surgiu, toda poderosa, como personagem do ano e da capa da revista Time. O presidente bem poderia ter passado sem mais essa.

Vera Magalhães - Balbúrdia cultural

- O Estado de S.Paulo

Áreas da Educação e Cultura no governo Bolsonaro viram palco de guerrilha olavista

Há um ano, aconteceu em Foz do Iguaçu a 1ª Cúpula Conservadora das Américas, promovida na esteira da vitória de Jair Bolsonaro e que reuniu os principais expoentes do conservadorismo brasileiro e do continente. Ali os irmãos Weintraub fizeram uma palestra em dupla em que ensinavam como vencer o marxismo cultural nas universidades.

O caminho, ensinavam, era ser mais engraçado que o comunista. “O comunista te xinga de fascista, racista, e você fica se defendendo. Quando um comunista ou um socialista te xinga você xinga de volta, como ensinou o professor Olavo”, palestrava Arthur. Abraham emendava: “Como a gente ganha? Não sendo chato. A gente tem de ser mais engraçado que os comunistas. Como você ganha a juventude? Com humor e inteligência”.

Foi assim, com um esquete pseudo-humorístico, que os irmãos Weintraub foram abrindo espaço no bolsolavismo. Abraham e Arthur haviam se aproximado de Bolsonaro por intermédio do então deputado Onyx Lorenzoni. Naquele evento seminal, os dois propunham “aplicar a teoria do Olavo de Carvalho para lidar com o marxismo cultural”. Viriam a ocupar assessorias no Planalto e o primeiro, meses depois, substituiria Ricardo Vélez Rodriguez no Ministério da Educação.

Janio de Freitas - O crime em pacote

- Folha de S. Paulo

Proposta de Moro não tem nada de ação anticrime, só se refere ao pós

Aqui no chão, o massacre na favela paulistana de Paraisópolis fazia ecoarem, mais uma vez, os adjetivos usuais contra a barbaridade policial. Nas mordomias palacianas, o responsável primeiro e último pela política policial de São Paulo recitava, como um manequim falante, a defesa imediata dos assassinos, para desdizer-se quando viu os protestos.

a Câmara e o Senado encontravam a melhor oportunidade para aprovar o que restou de um papelório perpetrado por Sergio Moro, sob o batismo de “pacote anticrime”.
Se já vigente antes do assalto policial a Paraisópolis, o “pacote anticrime”, fosse em suas propostas originais ou pós-varredura parlamentar, não teria impedido, dificultado nem ao menos desestimulado o massacre. O crime encontraria o mesmo caminho aberto.

O “anticrime” proposto por Moro tratou só de mais anos na pena máxima, instância de julgamento, inocentação prévia de policiais matadores, arquivos de criminalidade, penalizações de crimes pelas redes.

Nada de ação anticrime. Tudo referente ao pós-crime, voltado mais para o Judiciário e os códigos de processo penal. Muito mais voltado para o criminoso consumado do que para o crime e sua facilidade atual. No entanto, esta diferenciação preliminar e leiga, indispensável e urgente, ainda não se mostrou nos saberes do juiz Sergio Moro.

Hélio Schwartsman - Como enfrentar o tio bolsonarista

- Folha de S. Paulo

Livro ensina a tornar produtivas conversas complicadas

As festas de fim de ano estão chegando. Isso significa que, se a sua família ainda não implodiu por causa da polarização política, você deve se preparar para a celebração natalina em que vai encontrar aquele tio bolsonarista de raiz seguida pelo Réveillon na casa da sobrinha trotskista.

A solução ideal seria pegar um avião para Nova York ou algum outro destino internacional, criando assim uma boa desculpa para faltar aos encontros familiares. O problema é que o dólar está pela hora da morte.

Uma alternativa um pouco menos custosa --apenas US$ 7 no Kindle-- é adquirir um exemplar de "How to Have Impossible Conversations" (como ter conversas impossíveis), lê-lo e aplicá-lo nas festas.

"How to Have...", de Peter Boghossian e James Lindsay, é basicamente um manual de autoajuda. Os autores, um filósofo e um físico, juntaram técnicas da psicologia, da epistemologia e da negociação de reféns para produzir o que chamam de "guia muito prático" para que conversas sobre temas politicamente carregados como mudança climática, aborto, porte de armas etc. se tornem produtivas, ou, pelo menos, não tão destrutivas.

Bruno Boghossian – Jair 8: 32

- Folha de S. Paulo

Ao desmentir suas próprias frases, Bolsonaro dá aula de manipulação

Não surpreende ninguém que Jair Bolsonaro esteja em conflito com a verdade e os fatos, mas ele se superou na última semana. O presidente alcançou a proeza de atacar e chamar de falsa uma informação que ele mesmo dera 24 horas antes.

Ao voltar para o Palácio da Alvorada depois de uma passagem pelo hospital, na quarta (11), ele disse: "Tem possível câncer de pele. Fizeram uma checagem em mim". A imprensa noticiou o fato, é claro. "Após exames, Bolsonaro diz que há possibilidade de ter câncer de pele" foi o título do texto publicado pela Folha.

Na noite seguinte, o presidente encarnou um ator canastrão numa transmissão ao vivo pelas redes sociais. "Teve uma fake news também que eu estava com câncer", reclamou. "É mentira em cima de mentira!"

Poderia até parecer que, finalmente, Bolsonaro confessava ser um fabricante de notícias falsas. Mas era só o exemplo mais nítido de seu método de manipulação. O presidente da República adultera fatos e frauda todo tipo de informação sem corar.

Vinicius Torres Freire- A economia nas derrotas das esquerdas

- Folha de S. Paulo

PIB e situação social do Reino Unido vão mal, mas conservadores ganham de lavada

Bem-estar social e economia não parecem ter sido os motivos da lavada do Partido Conservador na eleição britânica. “Economia”, de resto, é conceito amplo demais para servir de motivo de explicação, entre outros problemas.

Seja como for, explicar escolhas políticas tem andado mais difícil do que de costume nesta década de revoltas e reviravoltas. O nosso Junho de 2013 é um caso exemplar; o Reino Unido dá o que pensar para o Brasil de 2019 e para os Estados Unidos e sua crucial eleição de 2020.

Desde 2010, início da sequência de governos conservadores, a economia do Reino Unido cresceu à metade do ritmo registrado sob os governos trabalhistas deste século. A desigualdade de renda aumentou ligeiramente, mais visível na perda de renda dos 20% mais pobres e no aumento da renda dos 10% mais ricos.

Sob os conservadores, o gasto per capita em saúde pública cresceu 0,6% ao ano desde 2010, ante 3,3% da média desde o fim da Segunda Guerra. O gasto por estudante da escola fundamental caiu 8% desde 2010 e ainda mais no ensino médio. São dados oficiais compilados pela “Health Foundation” e pelo “Institute of Fiscal Studies”.

A situação obviamente não está boa e os britânicos estão revoltados, em especial trabalhadores de renda baixa, muitos agora ex-eleitores dos trabalhistas. Essa revolta, porém, se transforma em voto pelo brexit, contra imigrantes, em adesão a ideias autoritárias, em desconfiança de elites tecnocráticas, intelectuais e políticas. É um cenário conhecido e reconhecível em muitos países do mundo ocidental.

Elio Gaspari - Última morada de JK pede socorro

- Folha de S. Paulo / O Globo

'Fazendinha' só está intacta graças ao altruísmo de uma família modesta

Colhendo material para uma biografia de Juscelino Kubitschek, o repórter Lucas Figueiredo bateu em sua última morada, a “Fazendinha”, uma propriedade de 310 alqueires a 85 km de Brasília. Lá está a casa onde viveu o maior presidente da segunda metade do século. Intacta, graças ao altruísmo e sentido de história de uma família modesta, ela precisa que alguém ajude a preservar esse patrimônio.

É Lucas quem conta:

“No início da década de 1970, já de volta do exílio, JK comprou um pedaço de terra em Luziânia, interior de Goiás.

Começando do nada, construiu uma casa confortável (projeto de Oscar Niemeyer, com quatro suítes, pintada por fora de azul del rey para lembrar Diamantina), mas simples (o maior luxo era uma saleta que servia de sala de jogos e discoteca). Criou gado e produziu milho, trigo e café.

À noite, JK se punha na varanda a olhar as luzes de Brasília. Quando ele morreu, um admirador do ex-presidente, Lázaro Servo, comprou a fazenda, de porteira fechada.

Hoje, um dos filhos de Lázaro, Antônio Henrique Belizário Servo, mora na fazenda com a mulher, Rosana, e os filhos. Acordam cedo e trabalham muito para manter a fazenda produtiva.

A casa está hoje como se JK tivesse saído dela ontem. Os atuais moradores não usam a sala de estar, por exemplo. É proibido sentar nos sofás de vime e nas cadeiras estofadas de veludo alemão de cor laranja, todos originais. O carpete verde é original. A cozinha ainda guarda o fogão e as panelas da família. Nos armários, cristais, louças, prataria e roupa de cama dos Kubitschek.

Ruy Castro* - A morte do lateral

- Folha de S. Paulo

Todos os dias morre um jogador do passado. Mas só alguns merecem um obituário

A Folha deu (6/12): "Morre Coronel, lateral ídolo do Vasco e último 'João' de Garrincha". "João", no sentido de como-é-mesmo-o-nome-dele?, era o modo com que, segundo os jornalistas da época, Garrincha se referia aos laterais esquerdos que tentavam marcá-lo. Na verdade, a história do "João" fora uma invenção do repórter Sandro Moreyra na Copa do Mundo de 1958 e adotada gostosamente por seus colegas.

Garrincha não usava e não gostava dessa expressão, que desmerecia o adversário. Sabia que, chamado de "João", seu marcador viria com tudo para cima dele --tudo para não ser mais um "João".

Coronel, lateral esquerdo do Vasco em fins dos anos 50, foi o mais folclórico dos supostos "Joões" de Garrincha. Jordan, do Flamengo (pronunciava-se Jordã, não Djórdan), era um lateral clássico, que jogava na bola, e Altair, do Fluminense, apesar de mirrado, abusava dos carrinhos. Coronel era duro, mas leal, e, como não existiam cartões amarelos, corria atrás de Garrincha puxando-o pela camisa. Eles o enfrentavam no Maracanã pelo menos três vezes por ano cada um, e, em seu apogeu, de 1957 a 62, Garrincha os destroçava um a um.

O que a mídia pensa – Editoriais

Fim de ano promissor – Editorial | O Estado de S. Paulo

A expectativa de um bom fim de ano, com o consumo animando a economia, foi reforçada com a divulgação dos dados de outubro do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br). O indicador subiu 0,17%, na terceira alta mensal consecutiva, e ficou 2,13% acima do nível de um ano antes. O mercado apostava em resultado mais alto, mas, apesar disso, recebeu a novidade como um bom sinal. Informações já publicadas sobre a produção industrial, o mercado de serviços e a evolução do varejo haviam apontado a continuação da retomada no quarto trimestre. A mediana das expectativas coletadas pela Agência Estado havia sido 0,25%.Os analistas, no entanto, de modo geral avaliaram os novos números do IBC-Br como comprovação de uma firme tendência de recuperação econômica.

O indicador do Banco Central, publicado mensalmente, é usado como prévia do Produto Interno Bruto (PIB), divulgado a cada três meses pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Embora baseada em um conjunto limitado de informações, essa antecipação ajuda os economistas a compor suas apostas. As avaliações continuam positivas e as projeções de algumas instituições financeiras e consultorias já apontam crescimento econômico de 1,2% neste ano. No começo da semana, a mediana das projeções para 2019 estava em 1,10%, pouco acima do nível atingido na semana anterior, 0,99%. Quatro semanas antes ainda se estimava uma expansão de 0,92% para o PIB.

Música | Beth Carvalho - Andança

Poesia | Fernando Pessoa - Datilografia

Traço, sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano,
Firmo o projeto, aqui isolado,
Remoto até de quem eu sou.
Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tique-taque estalado das máquinas de escrever.
Que náusea da vida!
Que abjeção esta regularidade!
Que sono este ser assim!

Outrora, quando fui outro, eram castelos e cavaleiros
(Ilustrações, talvez, de qualquer livro de infância),
Outrora, quando fui verdadeiro ao meu sonho,
Eram grandes paisagens do Norte, explícitas de neve,
Eram grandes palmares do Sul, opulentos de verdes.

Outrora. Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tique-taque estalado das máquinas de escrever.
Temos todos duas vidas:
A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,
E que continuamos sonhando, adultos, num substrato de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,
Que é a prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixão.

Na outra não há caixões, nem mortes,
Há só ilustrações de infância:
Grandes livros coloridos, para ver mas não ler;
Grandes páginas de cores para recordar mais tarde.
Na outra somos nós,
Na outra vivemos;
Nesta morremos, que é o que viver quer dizer;
Neste momento, pela náusea, vivo na outra ...

Mas ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
Ergue a voz o tique-taque estalado das máquinas de escrever.