domingo, 15 de dezembro de 2019

Bruno Boghossian – Jair 8: 32

- Folha de S. Paulo

Ao desmentir suas próprias frases, Bolsonaro dá aula de manipulação

Não surpreende ninguém que Jair Bolsonaro esteja em conflito com a verdade e os fatos, mas ele se superou na última semana. O presidente alcançou a proeza de atacar e chamar de falsa uma informação que ele mesmo dera 24 horas antes.

Ao voltar para o Palácio da Alvorada depois de uma passagem pelo hospital, na quarta (11), ele disse: "Tem possível câncer de pele. Fizeram uma checagem em mim". A imprensa noticiou o fato, é claro. "Após exames, Bolsonaro diz que há possibilidade de ter câncer de pele" foi o título do texto publicado pela Folha.

Na noite seguinte, o presidente encarnou um ator canastrão numa transmissão ao vivo pelas redes sociais. "Teve uma fake news também que eu estava com câncer", reclamou. "É mentira em cima de mentira!"

Poderia até parecer que, finalmente, Bolsonaro confessava ser um fabricante de notícias falsas. Mas era só o exemplo mais nítido de seu método de manipulação. O presidente da República adultera fatos e frauda todo tipo de informação sem corar.

Se Bolsonaro diz A pela manhã e o oposto de A no fim do dia, ele espera que uma parte da população acredite cegamente na última versão. A última pesquisa do Datafolha mostrou que 43% dos brasileiros nunca acreditam em suas declarações, mas apontou também que 19% sempre confiam no que ele fala.

É por isso que ele tenta desqualificar seus críticos e desacreditar o trabalho da imprensa profissional. A ideia é que só exista uma história a ser contada, aquela que o favoreça.

Para construir a realidade paralela, vale tanto atacar versões que incomodam o governo como dar declarações absurdas e acusar Leonardo DiCaprio de "tacar fogo na Amazônia", só para tumultuar o debate.

Bolsonaro costuma citar o versículo bíblico João 8:32: "E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará". O trecho fala da libertação daqueles que aceitam a palavra divina, mas o presidente distorce até as Escrituras para explorá-las em sua guerra contra os fatos. Como se vê, o governo não busca apoio, mas veneração.

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