domingo, 15 de dezembro de 2019

Janio de Freitas - O crime em pacote

- Folha de S. Paulo

Proposta de Moro não tem nada de ação anticrime, só se refere ao pós

Aqui no chão, o massacre na favela paulistana de Paraisópolis fazia ecoarem, mais uma vez, os adjetivos usuais contra a barbaridade policial. Nas mordomias palacianas, o responsável primeiro e último pela política policial de São Paulo recitava, como um manequim falante, a defesa imediata dos assassinos, para desdizer-se quando viu os protestos.

a Câmara e o Senado encontravam a melhor oportunidade para aprovar o que restou de um papelório perpetrado por Sergio Moro, sob o batismo de “pacote anticrime”.
Se já vigente antes do assalto policial a Paraisópolis, o “pacote anticrime”, fosse em suas propostas originais ou pós-varredura parlamentar, não teria impedido, dificultado nem ao menos desestimulado o massacre. O crime encontraria o mesmo caminho aberto.

O “anticrime” proposto por Moro tratou só de mais anos na pena máxima, instância de julgamento, inocentação prévia de policiais matadores, arquivos de criminalidade, penalizações de crimes pelas redes.

Nada de ação anticrime. Tudo referente ao pós-crime, voltado mais para o Judiciário e os códigos de processo penal. Muito mais voltado para o criminoso consumado do que para o crime e sua facilidade atual. No entanto, esta diferenciação preliminar e leiga, indispensável e urgente, ainda não se mostrou nos saberes do juiz Sergio Moro.

Que influência pode haver, para quem está na criminalidade, se a pena máxima a que se sujeita for de 30 ou, como aprovada agora, de 40 anos? Em grande número, esses fora da lei começaram no crime, muito jovens, como meio de sobrevivência no país hostil aos pobres. O país onde a imensa massa de meios financeiros e materiais nunca se desviou, em dimensão efetiva, das classes rica e média-alta para fazer, por dever de justiça cívica e por inteligência, o que até resultaria em prevenção da criminalidade.

A geração de lucro tem precedência, no Brasil, sobre qualquer outra destinação possível do dinheiro público-privado. Quem luta pela permanência do socialmente frutífero Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, são os construtores e seus lucros potenciais.

É a regra do capitalismo duro, ultraliberal, exclusivista no sentido de excluidor e concentrador. Quanto à polícia? A matança é nos bairros da pobreza. A cada onda de protesto, retiram-se da rua os policiais acusados (não para a cadeia, porém), compram-se algumas centenas de equipamentos, mudam-se dois ou três comandos. Agora, governo novo, de justiceiros: nesse caso, um pacote —obtuso, inconstitucional, ineficaz.

Submeter as polícias à lei, treiná-las muito bem para a ação técnica, e não mais homicida por finalidade. Despovoá-las dos marginais, e então tratá-las como profissionais competentes devem ser tratados.

O tempo para medidas assim práticas não é muito, consideradas as levas de jovens lançadas, pela economia do desemprego e das carências, na subvida do submundo. E vista, ainda, a crescente capacidade de fogo disponível para esses maltratados. A verdade é que as polícias estão derrotadas, incapazes de reter a ação e o crescimento dos seus adversários. E derrota continuada termina por ser derrota definitiva.

A situação atual já é um capítulo sem precedente: a expansão do que está à margem da lei deixou de ser apenas horizontal para ser também vertical. Os impasses e obstruções do caso Marielle Franco, o intocável Fabrício Queiroz, a intrigante sinuosidade do Ministério Público na investigação de Flávio Bolsonaro e seu gabinete, o poder miliciano e suas conexões com o poder.

Mas, como parte disso, a proposta do ministro da Justiça foi o tal “excludente de ilicitude”, que deixa de considerar ilícito o assassinato por policial “sob violenta emoção”. Derrubada pelos parlamentares, Moro e Bolsonaro pretendem restaurá-la. Afinal, a situação já é outra.

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