domingo, 6 de julho de 2008

EVOLUÇÃO 3X0 REVOLUÇÃO
Alberto Dines


Foi resgate, é certo. Mas surgem suspeitas de que a operação de salvamento de Ingrid Betancout e mais 14 seqüestrados teria sido paga em espécie. A operação militar seria uma operação logística para transportar os reféns com segurança. De qualquer forma, uma insofismável e devastadora derrota do narco-terrorismo colombiano.

Um dia antes, terça, 1º de julho, as comemorações dos 150 anos das teorias evolucionistas apresentadas por Charles Darwin e Alfred Wallace. Na quarta-feira, dia 2 de julho, a constatação de que o continente das revoluções está farto da política temperada com fúria e sangue.

Projetos revolucionários, “criacionistas”, têm vida curta, frutos de ilusões e ilusões não se sustentam, têm prazo de validade limitado. A revolução bolchevique na Europa durou apenas 62 anos com o custo em vidas humanas talvez superior à maior catástrofe bélica já registrada, a Segunda Guerra Mundial. Em compensação, a revolução americana completou nesta sexta, 4 de julho, 232 anos existência. No lapso de quatro dias, uma goleada de 3 x 0 da opção progressiva e progressista, contra os delírios maximalistas.

A revolução americana foi capaz de levar à Casa Branca uma figura tacanha como George W. Bush e também revelou o seu antídoto, o sofisticado Barack Obama. Depois da libertação de Ingrid, o presidente Lula afinal reconheceu que a ação armada não faz mais sentido na América Latina. Bem-vindo ao clube da democracia e da não-violência, mas nosso presidente está atrasado seis anos.

As mudanças através da evolução podem demorar, mas são definitivas. As espécies que sobrevivem não são as mais fortes, são as mais aptas a acompanhar as transformações, mais adaptáveis ao processo evolutivo de aperfeiçoamento.

Movimentos fratricidas – armados com Kalashnikovs ou facões, dá no mesmo – são anti-naturais, bruscos e brutais, não podem dar certo. Os métodos empregados pelas Farc são terroristas. E quem o constata é Fidel Castro ao dizer claramente que civis nunca deveriam ser seqüestrados, nem militares deveriam ser mantidos como prisioneiros nas condições da selva. Eram fatos objetivamente cruéis. Nenhum propósito revolucionário justifica isto”.

A mudança através da evolução é demorada, em compensação é mais sólida. O aperfeiçoamento gradual tanto das espécies como de regimes, civilizações e projetos é irreversível, as características adquiridas ao longo do processo de adaptação incorporam-se ao DNA.

O próprio futuro das Farc é obrigatoriamente darwinista – ou evoluem ou desaparecem. Ainda não foram aniquiladas, ainda contam com uma base territorial, dispõem de um farto arsenal de armamento leve, razoáveis recursos humanos e ilimitados recursos financeiros oriundos do narcotráfico. Mas a sua sobrevivência depende exclusivamente da sua capacidade de adaptar-se às realidades criadas pelo resgate.

A opção terrorista e pseudo-revolucionária deixou as Farc isoladas, com um limitado repertório de opções exclusivamente armadas. Se pretendem sobreviver não lhes resta outro caminho senão uma corajosa reversão política em direção da paz.

Foram certeiras e concatenadas as sucessivas declarações de Ingrid Betancourt depois de libertada. A cabeça política da ousada ex-refém e ex-candidata à presidência se reajustou com extraordinária velocidade às novas circunstâncias. A prisioneira que só pensava em suicidar-se, depois das emoções do reencontro com os filhos e com a liberdade ofereceu propostas muito claras: drástica condenação da barbárie terrorista, união nacional em torno do presidente Uribe, conclamação aos vizinhos (Rafael Corrêa e Hugo Chávez) para juntarem-se ao esforço contra a violência (ou pelo menos que não o sabotem) e prioridade absoluta ao processo de paz.

Ingrid parece a encarnação da evolução. Os enigmas relativos ao seu resgate tornam-se secundários. Ela sai da selva diretamente para o pódio mundial como uma nova Marianne, a celebrada alegoria da República Francesa, hoje símbolo mundial.

Sem o barrete frígio, a franco-colombiana preferiu a jaqueta da guerra na selva para camuflar a sua tremenda carga de energia, amor à vida e determinação. A América Latina tem nova efígie.

» Alberto Dines é jornalista.

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