domingo, 6 de julho de 2008

AS LEIS ELEITORAIS QUE TEMOS
Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

Enquanto a realidade muda de maneira veloz, nossa legislação sobre o tema parece antediluviana. Ela olha a internet com desconfiança, como “meio de propaganda”, só pensando como discipliná-la e mantê-la sob controle
Começou a campanha eleitoral de 2008 e um debate muito interessante já está em curso. É o primeiro de muitos que, provavelmente, teremos até o desfecho do processo e é relevante não apenas em si mesmo: por meio dele, podemos discutir aspectos mais constitutivos de nosso sistema político.
O que pode e o que é proibido a um candidato fazer na internet? Como ocorrerá a fiscalização do cumprimento das normas estabelecidas? Quais as punições para quem as descumprir? São perguntas típicas sobre o uso da internet nas campanhas, assunto que preocupa a todos, cidadãos e políticos.
A matéria vem aumentando de importância a cada eleição, acompanhando a evolução da internet no Brasil. Hoje, como sabemos, somos um dos 10 países do mundo com maior número de domicílios conectados, sendo que nossas taxas de utilização e de intensidade de uso superam as de muitas outras sociedades.
Em outubro deste ano, deveremos ter mais que o dobro de usuários ativos (aqueles, com mais de 16 anos de idade, que, no mês da pesquisa, se conectaram efetivamente à rede), comparados aos que tínhamos quando da última eleição. Em 2006, na eleição presidencial, a estimativa era de pouco mais de 10,5 milhões de usuários desse tipo. Para este ano, será surpresa se não chegarem a 25 milhões.
Ou seja, quase um, em cada cinco eleitores, muito provavelmente se conectará à internet no mês da eleição municipal. Se vai ou não acessar conteúdos políticos é difícil estimar, mas o certo é que eleitores com esse perfil formam já um contingente de tal tamanho que não pode ser subestimado ou, muito menos, ignorado. Enquanto a realidade muda de maneira veloz, nossa legislação sobre o tema parece antediluviana.
Ela olha a internet com desconfiança, como “meio de propaganda”, só pensando como discipliná-la e mantê-la sob controle. Na Resolução do TSE que regula a próxima eleição, por exemplo, a internet é posta em uma camisa-de-força, amarrada em sites “permitidos” e muitas proibições.
Em nome de algo que faz pouquíssimo sentido, o risco de que ela venha a ser instrumento de desigualdade ilegítima entre os candidatos, impede-se que a internet possa realizar seu verdadeiro papel, ser um meio de reduzir essas desigualdades.
O caso da eleição americana deste ano explica em que isso pode consistir. Barack Obama, segundo toda a melhor análise disponível, é uma espécie de John Kennedy da era da internet. Kennedy foi o primeiro político americano a compreender plenamente a importância da televisão e foi quem estabeleceu o padrão da política de seu tempo, feita por intermédio dela. Obama é seu sucessor, na era que está começando. Ao que tudo indica, será o primeiro presidente dos EUA eleito por ter sabido fazer da internet um instrumento de comunicação e de mobilização.
Há poucos meses, ninguém acreditava que tinha fôlego para superar seus rivais dentro do Partido Democrata ou para enfrentar a eleição contra os republicanos. Era pouco conhecido, não tinha dinheiro para se tornar visível (lembrando que não existe propaganda eleitoral gratuita nos EUA) e não passava de um azarão. Não foi na internet “antiga” que ele começou a ganhar a guerra. Sites pessoais, páginas “oficiais”, coisas parecidas, foram quase irrelevantes.
Foi na “nova internet”, da interatividade, que ele fez diferença, por meio de blogs, sites de relacionamento (como o Facebook e o MySpace), recursos como o YouTube e sua BarackTV.
Assim, ao contrário do que acreditam nossos “legisladores de fato” em matéria eleitoral, é com mais internet e não com menos que um candidato como Obama pode vencer.
Ficar policiando a rede, achando que se está criando uma “disputa mais equilibrada” é, apenas, um equívoco. Aliás, são atitudes como essa, que traduzem um sentimento de que cabe a alguém a tarefa de tutelar a democracia, que mais contribuem para que a nossa seja muito menos ativa e participativa do que seria bom.

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