domingo, 6 de julho de 2008

VARGAS, LULA E SUAS DIFERENÇAS
Suely Caldas


"Se vivo fosse Getúlio Vargas, hoje defenderia as privatizações", afirmou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso numa entrevista publicada no Estado em 2004, em edição comemorativa aos 50 anos da morte do ex-ditador. Vargas era um governante essencialmente pragmático: entre progresso econômico e ideologia política, ele não hesitava em colocar-se a favor do progresso. Foi assim com a Companhia Vale do Rio Doce, por ele criada em 1942, a partir de um acordo com o governo norte-americano em parceria com a Itabira Iron Ore Company, em tempos de nacionalismo ideológico arraigado. E assim seria hoje com as empresas estatais.

O presidente Lula é igualmente pragmático, tanto que desprezou pregações ideológicas históricas do PT e seguiu a política econômica do rival FHC. Mas difere de Vargas em um ponto central: tanto faz progresso econômico ou afirmação ideológica, Lula fica sempre com o que lhe oferecer maior popularidade política e munição contra o adversário. Foi assim na última campanha eleitoral, quando se aproveitou da desinformação popular e demonizou as privatizações só para acuar politicamente o vacilante adversário Geraldo Alckmin.

Ao longo de sua gestão, não por convicção ideológica, mas para centralizar poder, multiplicar cargos públicos e distribuí-los entre partidos aliados, Lula ampliou o tamanho do Estado, tornando-o mais caro para a população que o sustenta, e demoliu avanços democráticos ao interferir nas instituições, a elas impondo submissão aos desejos e interesses políticos momentâneos de seu governo. Ele deu o tom já na partida, em 2003: criou dez novos Ministérios para acomodar companheiros petistas e aliados. E seguiu em frente.

Agora mesmo, diante da necessidade de definir um modelo para explorar os megacampos de petróleo situados abaixo da camada pré-sal, Lula não pensou duas vezes, tomou isso como desculpa para criar mais uma estatal. E para que? A única explicação crível é o desejo de centralizar poder de decisão e dispor de um poderoso meio de distribuir cargos entre apadrinhados do PT e partidos aliados. Estatal é sempre assim: começa com uma pequena estrutura que vai inchando, inchando, abrigando desabrigados políticos, absorvendo favores partidários, engordando a cada governante que chega, até virar um inútil fato consumado difícil de ser desmanchado.

O Ministério de Minas e Energia alega que o papel da nova estatal seria associar-se a empresas privadas e captar rendimentos da comercialização desse óleo, já que os custos das atividades de pesquisa, extração e exploração seriam de responsabilidade da empresa operadora.

E precisa criar uma nova estatal para isso? Se existe a Agência Nacional do Petróleo (ANP) justamente para regular o mercado e definir taxas e impostos que irão remunerar a União pela propriedade das jazidas, para que criar uma estatal com duplicidade de funções? Está escrito na lei do petróleo que a atribuição de elevar taxas e impostos é da ANP, não de uma estatal. E, se no caso do pré-sal, o risco da operadora de não encontrar óleo é quase nulo, o lógico é cumprir a lei e a ANP dobrar para 80% a participação da União no lucro líquido da comercialização (excluídos os custos de produção), como têm sugerido especialistas. Para que uma nova estrutura manipulada por políticos?

No setor de energia elétrica, o governo anterior vendeu a maioria das distribuidoras estaduais.
Mas restaram as da Amazônia e duas do Nordeste, que, em 2007, somaram quase R$ 1,2 bilhão de prejuízos pagos pelos brasileiros. Não há dificuldade em vender as do Nordeste, mas as cinco da Amazônia carregam problemas estruturais, cuja solução depende de intervenção do governo. Por motivos diversos - seja pela baixa densidade demográfica ou pelo alto custo de transmissão por causa da enorme distância entre os consumidores - essas empresas não sobrevivem sem subsídio do governo. Para elas, o diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, tem uma proposta: o governo contrataria uma empresa pelo sistema de Parceria Público-Privada, definiria uma tarifa de subsídio e abriria um leilão: quem oferecesse a tarifa mais baixa levaria a empresa em troca da cobertura de subsídio fixada.

Há arranjos diversos para dar solução a estatais deficitárias, em decorrência da péssima gestão dos políticos. Se vivo estivesse, Getúlio Vargas estaria empenhado em aliviar o contribuinte, eliminando esses déficits estruturais. Mas o empenho de Lula é outro.

*Suely Caldas, jornalista, é professora da PUC-Rio.

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