domingo, 6 de julho de 2008

DEU EM O GLOBO

NO RIO, ELEITORES TROCAM POLÍTICA POR FAVORES
Chico Otavio

Na Câmara Municipal, galerias ficam vazias durante debates; enquanto isso, centros sociais de vereadores lotam

GALERIAS DA Câmara do Rio completamente vazias e plenário com poucos vereadores: desinteresse dos eleitores pelo trabalho da Casa, mesmo quando são votadas questões importantes para a cidade, é crescente

Na última sessão antes do recesso, semana passada, a pauta da Câmara Municipal do Rio prometia barulho. Dois projetos que cancelariam a licitação para a concessão de linhas de ônibus iriam a votação. Certamente, a matéria mais polêmica do ano. Os vereadores, agitados, se devotam a intensas negociações. Mas o burburinho não ultrapassa as rodas de conchavo. As galerias estão vazias. Não aparece um único passageiro de ônibus para saber o que acontece ali. No plenário, ninguém nota o silêncio.

Nenhum balanço destes três anos e meio de legislatura ilustra melhor a rotina da Câmara do que a cena da semana passada. Enquanto as galerias ficam despovoadas, fruto do crescente desinteresse popular pela agenda da Casa, as salas de espera e os centros sociais dos vereadores estão apinhados de eleitores, cada qual com um pedido no bolso, um problema particular para resolver. A população trocou as grandes questões pelas pequenas causas.

Orçamento anual da Casa é de quase R$270 milhões

Em tese, não faltam elementos para situar a Câmara no centro do debate político. A Casa tem 50 vereadores (o número pode crescer para 51), mais de mil funcionários e enorme capacidade financeira, com um orçamento anual de quase R$270 milhões (5% das receitas municipais). Além disso, tem poderes constitucionais para iniciar projetos de caráter urbano (segmento mais poderoso nas grandes cidades) e de posturas municipais (de interesse da rotina da população).

Mas os próprios vereadores preferem as pequenas causas, muito próximas de seu eleitorado. O médico clínico Aloísio Freitas (DEM), de 62 anos, ao assumir a presidência da Câmara ano passado, entendeu que investir pesado nas comissões permanentes, como a que combate o consumo de drogas e a de defesa do consumidor, ajudaria a melhorar a combalida imagem da Casa.

Semana passada, quando a aprovação dos projetos que cancelaram a licitação dos ônibus lançava a Câmara num clima de fim de festa, pois o recesso coincide com o início da campanha eleitoral, Aloísio procurava apresentar números que sustentassem um balanço positivo da atual legislatura. Segundo ele, a Câmara votou 110 matérias por mês - "uma produtividade enorme, considerando que alguns destes projetos são polêmicos" - e registrou média de 20 presentes por sessão - metade mais um.

- Mesmo ausente, o vereador trabalha. Quando não está na Câmara, está em sua base - defendeu o presidente.

Até a semana passada, apenas um dos vereadores cariocas anunciou que não disputaria a reeleição. Se a taxa de renovação continuar baixa, o próximo mandato consagrará o fim dos chamados vereadores de opinião, ou temáticos, substituídos pelos prestadores de serviços. Experiente político carioca garante que é rara a lei que tramita com debate sobre o conteúdo.
- O sistema que se generalizou foi o de serviços sociais. Para mantê-los, se faz uma vinculação entre a tramitação de leis e o funcionamento dos serviços- comenta.

Levantamento indica que pelo menos metade dos atuais vereadores conta com centros sociais. Um deles pertence ao decano da Casa, Sami Jorge (PDT), de 84 anos, que completará o seu oitavo mandato. Ele garante que o seu serviço, no Alto da Boa Vista, é um dos mais antigos e sem objetivos eleitoreiros.

- Acredito na força divina e tenho uma missão: vencer para dividir. Obter para utilizar em benefício dos outros.

Partido do prefeito tem maioria: são 14 vereadores

Seja como for, a definição clássica do papel do vereador está longe desse modelo de atendimento. De acordo com o professor François Bremaeker, consultor do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam), dois pontos são essenciais na responsabilidade do vereador: legislar sobre assuntos de interesse do município e fiscalizar o Executivo - verificar, por exemplo, se orçamento está de acordo com a lei de diretrizes e o plano plurianual.

- O vereador não precisa ter conhecimento de todos os assuntos. Para isso, tem assessoria, própria ou do congresso parlamentar - diz.

O DEM, partido do prefeito Cesar Maia, tem 14 vereadores e uma maioria oscilante na Casa - já foi mais confortável.

A legislatura caminha para o último ciclo, deixando pelo menos dois vereadores eleitos em 2004 no meio do caminho. Um assassinado: o bispo Dr. Monteiro de Castro, em 7 de julho daquele ano.
Outro está preso e não deve disputar a reeleição: Jerônimo Guimarães, o Jerominho, acusado de formação de quadrilha armada e de chefiar a milícia "Liga da Justiça", que atuaria na Zona Oeste. Há pelo menos mais um vereador suspeito de envolvimento com milícias: Nadinho de Rio das Pedras, investigado por encomendar a morte de um policial.

Indagado se os casos ajudariam a ferir ainda mais a imagem da Câmara, o presidente Aloísio Freitas resguarda-se:

- Se o vereador é eleito, foi com o voto da população. Ela define quem merece e quem não merece.

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