Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Sete anos depois que o "risco Lula" elevou o dólar a US$ 3,9 -entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais - o Brasil registra um taxa cambial menor que a metade daquele valor e o mais baixo patamar de juros desde a criação da Selic, há 23 anos. Naquela campanha de 2002, ficou clara a reação do setor financeiro, forte aliado do governo Fernando Henrique Cardoso, à expectativa de vitória do PT.
Ao final deste segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, confirmam-se as previsões de que o governo petista, sem colocar em risco a hegemonia do capital financeiro, promoveu a ascensão política do setor produtivo nas relações com o Estado.
Essa promoção, que havia ficado clara com a paulatina mudança no papel do BNDES, de financiador do amplo programa de privatizações - não revertidas por Lula -- a fomentador da produção nacional, ganhou novo impulso com a crise, que acelerou a redução da taxa de juros e incrementou a produção para o consumo interno e as exportações.
As pontes lançadas por Lula para a aliança com o setor produtivo já haviam sido sinalizadas na primeira eleição para a presidência da Fiesp, vencida, pela primeira vez em 24 anos, por um candidato da oposição. A solidez da aliança foi confirmada pela reeleição de Paulo Skaf, em 2007, que acabou levando também o Ciesp, até então reserva de poder do grupo que dominou a federação empresarial politicamente mais robusta de São Paulo.
A modificação de três para quatro anos do mandato reeleito, era apenas mais um sinal do desapego das lideranças empresariais ao preceito de que não se mudam as regras de jogo em curso. Assim como haviam apoiado a reeleição de FHC, os empresários, ainda que informalmente, foram grandes fomentadores da tese do terceiro mandato para Lula.
A aproximação do governo Lula com o setor produtivo estende-se até a uma aliança branca com os sindicalistas, pela manutenção do imposto sindical, que serve tanto às estruturas de poder das lideranças dos trabalhadores quanto dos empresários da CNI e das federações estaduais da indústria.
Esta aliança foi verbalizada nos elogios às medidas do governo federal no enfrentamento da crise por metade dos 24 executivos eleitos como os melhores do ano pela nona edição da revista "Executivo de Valor". Há depoimentos entusiasmados:
- "O governo Lula está na direção certa. Ele é um grande presidente e político e um excelente comunicador" (Rubens Ometto/Cosan);
- "O Brasil é o país que tem tomado as medidas mais efetivas no gerenciamento da crise" (José Drummond Jr./Whirlpool);
- "O gerenciamento macroeconômico do Brasil tem sido muito responsável. O país tem sido um dos menos afetados pela crise porque o governo, com pragmatismo, incentiva setores geradores de empregos" (José Luciano Penido/VCP).
Em todos os 24 depoimentos intitulados "Se eu fosse presidente do Brasil" há demanda por mais reformas - a tributária no topo - , agilidade dos investimentos públicos e queda de juros, até de Roberto Setúbal (Itaú): "Tudo que está sendo feito, como baixar os juros e aumentar o PAC, está na direção certa". Os depoimentos foram colhidos antes da redução histórica dos juros para 9,25%.
Salta aos olhos no conjunto das declarações a adesão empresarial ao mercado interno e o reconhecimento do peso que as políticas sociais ganharam no país. São depoimentos que confirmam estudo da USP com 829 representantes das elites de seis países latino-americanos, relatado por Cristian Klein no EU& (05/06).
As elites brasileiras foram as que mais concordaram (69%) com a frase: "A democracia formal não basta para resolver a imensa desigualdade social na América Latina". Ainda que as respostas tenham que ser ponderadas pela composição diversificada desta elite ("pessoas com capacidade de influenciar seus pares e os destinos da nação nas áreas econômica, política, sindical cultura, acadêmica e jornalística"), a aliança com Lula fica explícita quando se confrontam as respostas dos entrevistados no Brasil e na Bolívia.
De origem social e política semelhante à de Lula, o presidente Evo Morales fez opções políticas mais marcadamente voltadas para as reivindicações da base da sociedade boliviana sem transigir com as demandas das elites. A Bolívia é, ao lado da Venezuela de Hugo Chávez, o país em que as elites mais concordam com a frase "As políticas de distribuição de renda prejudicam os mais competentes". A elite brasileira está entre as que mais discordam.
A adesão do empresariado brasileiro ao governo Lula não se transfere automaticamente para sua candidata à Presidência da República, a ministra Dilma Rousseff (PT), nem aos principais candidatos da oposição, os governadores tucanos José Serra (SP) e Aécio Neves (MG), como demonstrou série de reportagens de Yan Boechat, César Felício e Raquel Landim, do Valor (3, 4 e 5/06).
Em Dilma veem o perfil de executiva que Lula nunca encarnou, mas temem pela falta de carisma que sobra em seu principal cabo eleitoral; em Serra identificam maior disposição de enfrentar o BC, mas temem pela vocação à intolerância, ausente do atual governo e do anterior; e em Aécio, atestam adesão às teses empresariais, mas temem pela excessiva vocação conciliadora.
A habilidade de cada um deles em convencer o empresariado de que continuarão a contar no Planalto com um aliado que não sai das graças da esmagadora maioria da população, funcionará com um dos principais vetores de seu apoio.
A todos interessará mostrar que são capazes de manter o jugo sobre a instituição melhor dotada para submeter esta aliança incondicional ao crivo do interesse público, o Congresso Nacional. As críticas de que o crivo parlamentar dificulta a governabilidade cresceram à medida que os setores empresariais tiveram êxito em levar suas demandas diretamente ao Executivo. Foi assim que se enraizou a cultura de que medida provisória traz eficiência ao Legislativo, emenda parlamentar para a construção de uma ponte é paroquialismo e a corrupção é um problema de índole, enquanto empréstimo do BNDES é política industrial e política monetária é tema para sábios.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Sete anos depois que o "risco Lula" elevou o dólar a US$ 3,9 -entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais - o Brasil registra um taxa cambial menor que a metade daquele valor e o mais baixo patamar de juros desde a criação da Selic, há 23 anos. Naquela campanha de 2002, ficou clara a reação do setor financeiro, forte aliado do governo Fernando Henrique Cardoso, à expectativa de vitória do PT.
Ao final deste segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, confirmam-se as previsões de que o governo petista, sem colocar em risco a hegemonia do capital financeiro, promoveu a ascensão política do setor produtivo nas relações com o Estado.
Essa promoção, que havia ficado clara com a paulatina mudança no papel do BNDES, de financiador do amplo programa de privatizações - não revertidas por Lula -- a fomentador da produção nacional, ganhou novo impulso com a crise, que acelerou a redução da taxa de juros e incrementou a produção para o consumo interno e as exportações.
As pontes lançadas por Lula para a aliança com o setor produtivo já haviam sido sinalizadas na primeira eleição para a presidência da Fiesp, vencida, pela primeira vez em 24 anos, por um candidato da oposição. A solidez da aliança foi confirmada pela reeleição de Paulo Skaf, em 2007, que acabou levando também o Ciesp, até então reserva de poder do grupo que dominou a federação empresarial politicamente mais robusta de São Paulo.
A modificação de três para quatro anos do mandato reeleito, era apenas mais um sinal do desapego das lideranças empresariais ao preceito de que não se mudam as regras de jogo em curso. Assim como haviam apoiado a reeleição de FHC, os empresários, ainda que informalmente, foram grandes fomentadores da tese do terceiro mandato para Lula.
A aproximação do governo Lula com o setor produtivo estende-se até a uma aliança branca com os sindicalistas, pela manutenção do imposto sindical, que serve tanto às estruturas de poder das lideranças dos trabalhadores quanto dos empresários da CNI e das federações estaduais da indústria.
Esta aliança foi verbalizada nos elogios às medidas do governo federal no enfrentamento da crise por metade dos 24 executivos eleitos como os melhores do ano pela nona edição da revista "Executivo de Valor". Há depoimentos entusiasmados:
- "O governo Lula está na direção certa. Ele é um grande presidente e político e um excelente comunicador" (Rubens Ometto/Cosan);
- "O Brasil é o país que tem tomado as medidas mais efetivas no gerenciamento da crise" (José Drummond Jr./Whirlpool);
- "O gerenciamento macroeconômico do Brasil tem sido muito responsável. O país tem sido um dos menos afetados pela crise porque o governo, com pragmatismo, incentiva setores geradores de empregos" (José Luciano Penido/VCP).
Em todos os 24 depoimentos intitulados "Se eu fosse presidente do Brasil" há demanda por mais reformas - a tributária no topo - , agilidade dos investimentos públicos e queda de juros, até de Roberto Setúbal (Itaú): "Tudo que está sendo feito, como baixar os juros e aumentar o PAC, está na direção certa". Os depoimentos foram colhidos antes da redução histórica dos juros para 9,25%.
Salta aos olhos no conjunto das declarações a adesão empresarial ao mercado interno e o reconhecimento do peso que as políticas sociais ganharam no país. São depoimentos que confirmam estudo da USP com 829 representantes das elites de seis países latino-americanos, relatado por Cristian Klein no EU& (05/06).
As elites brasileiras foram as que mais concordaram (69%) com a frase: "A democracia formal não basta para resolver a imensa desigualdade social na América Latina". Ainda que as respostas tenham que ser ponderadas pela composição diversificada desta elite ("pessoas com capacidade de influenciar seus pares e os destinos da nação nas áreas econômica, política, sindical cultura, acadêmica e jornalística"), a aliança com Lula fica explícita quando se confrontam as respostas dos entrevistados no Brasil e na Bolívia.
De origem social e política semelhante à de Lula, o presidente Evo Morales fez opções políticas mais marcadamente voltadas para as reivindicações da base da sociedade boliviana sem transigir com as demandas das elites. A Bolívia é, ao lado da Venezuela de Hugo Chávez, o país em que as elites mais concordam com a frase "As políticas de distribuição de renda prejudicam os mais competentes". A elite brasileira está entre as que mais discordam.
A adesão do empresariado brasileiro ao governo Lula não se transfere automaticamente para sua candidata à Presidência da República, a ministra Dilma Rousseff (PT), nem aos principais candidatos da oposição, os governadores tucanos José Serra (SP) e Aécio Neves (MG), como demonstrou série de reportagens de Yan Boechat, César Felício e Raquel Landim, do Valor (3, 4 e 5/06).
Em Dilma veem o perfil de executiva que Lula nunca encarnou, mas temem pela falta de carisma que sobra em seu principal cabo eleitoral; em Serra identificam maior disposição de enfrentar o BC, mas temem pela vocação à intolerância, ausente do atual governo e do anterior; e em Aécio, atestam adesão às teses empresariais, mas temem pela excessiva vocação conciliadora.
A habilidade de cada um deles em convencer o empresariado de que continuarão a contar no Planalto com um aliado que não sai das graças da esmagadora maioria da população, funcionará com um dos principais vetores de seu apoio.
A todos interessará mostrar que são capazes de manter o jugo sobre a instituição melhor dotada para submeter esta aliança incondicional ao crivo do interesse público, o Congresso Nacional. As críticas de que o crivo parlamentar dificulta a governabilidade cresceram à medida que os setores empresariais tiveram êxito em levar suas demandas diretamente ao Executivo. Foi assim que se enraizou a cultura de que medida provisória traz eficiência ao Legislativo, emenda parlamentar para a construção de uma ponte é paroquialismo e a corrupção é um problema de índole, enquanto empréstimo do BNDES é política industrial e política monetária é tema para sábios.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
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