Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Por muito menos, qualquer outra instituição ou pessoa envolvida em ilícito de natureza pública já teria sido objeto de abertura de comissão parlamentar de inquérito para investigar fatos plenamente determinados.
Mas, como a instituição em foco é o Parlamento e as pessoas envolvidas são congressistas, a saída por enquanto tem sido a anistia do passado e juras de apreço à probidade no futuro.
A última descoberta da série de ilícitos em exibição desde fevereiro, contudo, reduz muito a margem das manobras que vêm sendo usadas pelo Poder Legislativo no intuito de remendar uma história que não suporta mais remendos.
Quanto mais se tenta suavizar a situação com restaurações pontuais, mais danificada fica a credibilidade do Congresso, dos parlamentares, dos políticos, da política.
Na quarta-feira, o Estado desvendou um mistério, mostrando como foi possível nos últimos anos o Senado se transformar numa confraria de benesses sustentada por uma rede de ilícitos comandada a partir da diretoria-geral da Casa.
Os repórteres Rosa Costa e Leandro Colon revelaram a existência de mais 300 atos secretos por meio dos quais foram distribuídos empregos em troca de favores, criados cargos em comissão para acomodar apaniguados, assinados aumentos de salários, permitidas operações bancárias fora dos limites da lei, estendida a assistência médica vitalícia destinada aos senadores para funcionários, autorizados pagamentos de horas extras não trabalhadas e toda sorte de decisões a serem mantidas longe se qualquer controle.
Uma instituição onde existe esse tipo de prática sem justificativa legal e que contraria frontalmente um dos princípios constitucionais da administração pública - o da publicidade - não pode ser vista como o "Poder mais transparente da República", muito menos ser considerada a "casa do povo".
A descoberta deveu-se ao trabalho da comissão de sindicância interna criada há 45 dias para investigar irregularidades. Seria um ponto a favor do Senado, caso não tivesse havido a tentativa de ocultar a existência dos atos secretos que, uma vez detectados, passaram a ser publicados com data retroativa e sob a rubrica de "boletins suplementares".
Com isso, fica patente que as transgressões no Senado ocorreram por premeditação criminosa - única qualificação possível para aplicação de dinheiro público em vantagens pessoais -, cujo plano incluiu a ocultação dos esqueletos na gaveta do então diretor-geral, Agaciel Maia.
Não há desleixo administrativo. Ao contrário, pelo que se vê é tudo feito com muito esmero. E doses oceânicas de cinismo.
Os atuais e ex-integrantes da Mesa Diretora do Senado pretendem que se acredite na inocência deles. De nada sabiam. Agaciel Maia contratou a ex-presidente da Câmara Municipal de Murici, município politicamente dominado pela família Calheiros, por iniciativa própria.
Assim como achou por bem e espontânea vontade requisitar o ex-presidente da Assembleia Legislativa do Amapá - domicílio eleitoral de Sarney - para prestar serviço no conselho editorial.
Chega ser constrangedor ouvir e ver homens adultos tentando disfarçar o indisfarçável de maneira tão pueril.
Mas admitamos que Agaciel tenha formado um feudo transgressor pelas costas - não obstante embaixo dos narizes - de gente com décadas de experiência no ramo da esperteza. Nessa hipótese, seria aquilo que no auge do escândalo do mensalão o presidente Luiz Inácio da Silva chamou de "traidor".
Um homem assim tão venal, inclusive recentemente exonerado de suas funções por esconder patrimônio da Receita Federal, mereceria a desconfiança dos inocentes por ele iludidos.
No lugar disso, recebeu tratamento de compadre no casamento da filha dia desses, em Brasília. Estavam lá José Sarney, como padrinho, Renan Calheiros, Garibaldi Alves e Edison Lobão, todos com passagem pela presidência do Senado, onde o pai da noiva reinou absoluto durante quase 15 anos, cometendo infrações à revelia da chefia, uma gente completamente desatenta.
Tudo muito adequado. Mais não fosse pela escolha do tema musical extraído da trilha sonora de O Poderoso Chefão.
Hora incerta
A decisão da Petrobrás de divulgar informações obtidas por meios de comunicação privados "ao primeiro minuto do dia previsto para a publicação da matéria" ou é fruto da relutância em reconhecer por completo um erro ou é produto de autoritarismo incurável.
Não é da alçada da empresa petrolífera as decisões tomadas numa redação de jornal, revista, emissora de rádio ou televisão. A prerrogativa é exclusiva dos editores que não são obrigados a prestar contas ao Estado sobre quando, como e onde divulgarão seu material jornalístico.
Queira o bom senso, portanto, que a Petrobrás não se proponha a fazer como a ditadura na época da censura prévia e montar um serviço de controle do noticiário a ser publicado.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Por muito menos, qualquer outra instituição ou pessoa envolvida em ilícito de natureza pública já teria sido objeto de abertura de comissão parlamentar de inquérito para investigar fatos plenamente determinados.
Mas, como a instituição em foco é o Parlamento e as pessoas envolvidas são congressistas, a saída por enquanto tem sido a anistia do passado e juras de apreço à probidade no futuro.
A última descoberta da série de ilícitos em exibição desde fevereiro, contudo, reduz muito a margem das manobras que vêm sendo usadas pelo Poder Legislativo no intuito de remendar uma história que não suporta mais remendos.
Quanto mais se tenta suavizar a situação com restaurações pontuais, mais danificada fica a credibilidade do Congresso, dos parlamentares, dos políticos, da política.
Na quarta-feira, o Estado desvendou um mistério, mostrando como foi possível nos últimos anos o Senado se transformar numa confraria de benesses sustentada por uma rede de ilícitos comandada a partir da diretoria-geral da Casa.
Os repórteres Rosa Costa e Leandro Colon revelaram a existência de mais 300 atos secretos por meio dos quais foram distribuídos empregos em troca de favores, criados cargos em comissão para acomodar apaniguados, assinados aumentos de salários, permitidas operações bancárias fora dos limites da lei, estendida a assistência médica vitalícia destinada aos senadores para funcionários, autorizados pagamentos de horas extras não trabalhadas e toda sorte de decisões a serem mantidas longe se qualquer controle.
Uma instituição onde existe esse tipo de prática sem justificativa legal e que contraria frontalmente um dos princípios constitucionais da administração pública - o da publicidade - não pode ser vista como o "Poder mais transparente da República", muito menos ser considerada a "casa do povo".
A descoberta deveu-se ao trabalho da comissão de sindicância interna criada há 45 dias para investigar irregularidades. Seria um ponto a favor do Senado, caso não tivesse havido a tentativa de ocultar a existência dos atos secretos que, uma vez detectados, passaram a ser publicados com data retroativa e sob a rubrica de "boletins suplementares".
Com isso, fica patente que as transgressões no Senado ocorreram por premeditação criminosa - única qualificação possível para aplicação de dinheiro público em vantagens pessoais -, cujo plano incluiu a ocultação dos esqueletos na gaveta do então diretor-geral, Agaciel Maia.
Não há desleixo administrativo. Ao contrário, pelo que se vê é tudo feito com muito esmero. E doses oceânicas de cinismo.
Os atuais e ex-integrantes da Mesa Diretora do Senado pretendem que se acredite na inocência deles. De nada sabiam. Agaciel Maia contratou a ex-presidente da Câmara Municipal de Murici, município politicamente dominado pela família Calheiros, por iniciativa própria.
Assim como achou por bem e espontânea vontade requisitar o ex-presidente da Assembleia Legislativa do Amapá - domicílio eleitoral de Sarney - para prestar serviço no conselho editorial.
Chega ser constrangedor ouvir e ver homens adultos tentando disfarçar o indisfarçável de maneira tão pueril.
Mas admitamos que Agaciel tenha formado um feudo transgressor pelas costas - não obstante embaixo dos narizes - de gente com décadas de experiência no ramo da esperteza. Nessa hipótese, seria aquilo que no auge do escândalo do mensalão o presidente Luiz Inácio da Silva chamou de "traidor".
Um homem assim tão venal, inclusive recentemente exonerado de suas funções por esconder patrimônio da Receita Federal, mereceria a desconfiança dos inocentes por ele iludidos.
No lugar disso, recebeu tratamento de compadre no casamento da filha dia desses, em Brasília. Estavam lá José Sarney, como padrinho, Renan Calheiros, Garibaldi Alves e Edison Lobão, todos com passagem pela presidência do Senado, onde o pai da noiva reinou absoluto durante quase 15 anos, cometendo infrações à revelia da chefia, uma gente completamente desatenta.
Tudo muito adequado. Mais não fosse pela escolha do tema musical extraído da trilha sonora de O Poderoso Chefão.
Hora incerta
A decisão da Petrobrás de divulgar informações obtidas por meios de comunicação privados "ao primeiro minuto do dia previsto para a publicação da matéria" ou é fruto da relutância em reconhecer por completo um erro ou é produto de autoritarismo incurável.
Não é da alçada da empresa petrolífera as decisões tomadas numa redação de jornal, revista, emissora de rádio ou televisão. A prerrogativa é exclusiva dos editores que não são obrigados a prestar contas ao Estado sobre quando, como e onde divulgarão seu material jornalístico.
Queira o bom senso, portanto, que a Petrobrás não se proponha a fazer como a ditadura na época da censura prévia e montar um serviço de controle do noticiário a ser publicado.
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