Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Muito bem: o presidente Luiz Inácio da Silva intervém no Senado, faz de José Sarney um presidente tutelado pelo Palácio do Planalto, assume a custódia das lixeiras do Parlamento, submete o PT a um vexame ímpar e o que isso influi no processo da sucessão presidencial?
Ou, antes, o que a eleição de um presidente da República e a boa governança de um País têm a ver com a sustentação de um esquema político obsoleto e moralmente apodrecido?
A rigor, nada. Bem como a manobra não acrescenta um voto - podendo tirar muitos - a candidaturas governistas nem tampouco serve como garantia da adesão do PMDB à chapa com patrocínio oficial.
Não obstante, o argumento por trás dos movimentos do presidente Lula em defesa do presidente do Senado é o de que Lula age em prol da governabilidade e do êxito eleitoral de seus aliados em 2010.
Alega-se que o presidente da República atua no propósito de preservar a estabilidade política e de evitar uma "crise sem precedentes" no Senado que poderia "comprometer o restante do seu mandato".
Crise sem precedentes o Senado vive há pelo menos oito anos, período em que assiste ao permanente questionamento público dos presidentes escolhidos pelo colegiado, já se vê, por critérios que não levam em conta normas de boa conduta.
A intervenção explícita - de maneira nunca vista - do Poder Executivo, se influência tiver sobre a crise, será no seu agravamento. Quanto ao comprometimento do mandato de Lula, não é visível o motivo do receio.
São três as possibilidades de solução até agora apresentadas: a licença do presidente Sarney até a conclusão da investigação e desmonte das atividades da rede de ilicitudes montada ao longo dos últimos 14 anos; renúncia e realização de novas eleições; formação de um grupo suprapartidário para encaminhar as soluções, independentemente de Sarney sair ou ficar.
Objetiva e friamente nenhuma delas configura um problema.
Se Sarney pedir licença, assume o primeiro vice, Marconi Perillo, do PSDB. Alega-se que o governo "não aceita" entregar a presidência do Senado ao partido que será seu maior adversário em 2010 e que, ademais, Lula "detesta" Perillo.
Questão de gosto. Muita gente no Parlamento também deve "detestar" algum ministro do Executivo e nem por isso a nomeação de todos eles deixa de ser prerrogativa do presidente. No tocante à "entrega" do Senado à oposição, é de se perguntar por quê. Descontada a hipótese de o PSDB fazer a revolução, de que loucuras seria capaz o partido?
Tocaria a presidência com o mesmo espírito de composição que preside o Senado e pautou a escolha de um tucano para a primeira vice-presidência na Mesa comandada por Sarney.
Se Sarney renunciar, realizam-se novas eleições. E daí? Realizaram-se várias. Em quantidade maior que as regulamentares de dois em dois anos, em função de vacâncias anteriores no curso do mandato. Seria apenas mais uma. Com a mesma dificuldade de sempre: ausência de nomes de consenso.
Desta vez só seria preciso cuidado redobrado no quesito folha corrida.
A terceira possibilidade - recusada, mas até agora a mais ponderada - é a do grupo suprapartidário. O PSDB apresentou a sugestão, o PT encampou, mas a Mesa Diretora recusou, também suprapartidariamente, com receio de perder poder.
Não teria, é verdade, o controle absoluto sobre as investigações e eventuais reformulações, mas manteria suas funções habituais. O grupo administraria a crise e a Mesa continuaria no comando do Senado.
Falar em perda de poder pontual, deste ou daquele, nessa altura é irrelevante, pois o nome do jogo é a recuperação de um poder já perdido coletivamente.
Ou o Senado percebe que trata da sua sobrevivência ou os grupos dominantes continuarão a reboque das conveniências do Palácio do Planalto. Hoje ou amanhã, seja Lula ou outro o presidente da República.
O único risco real à governabilidade é exatamente o aprofundamento do desequilíbrio de poder entre os Poderes. Este é o tema atinente ao interesse do Parlamento como instituição.
Não é a motivação do presidente Lula para sustentar o insustentável.
A ele interessa apenas e tão somente concluir o seu mandato com índices altos de popularidade. É o seu patrimônio. Não pode inscrever em sua biografia nenhuma grande mudança estrutural no Brasil.
Sua obra se circunscreve à obediência de parâmetros instituídos pelo antecessor e mundialmente adotados. Caso se rebelasse contra eles, não governaria. Isso na economia.
Na política, seu legado será o do retrocesso. Lula leva da presidência a inédita popularidade.
É na preservação desse capital que joga quando opta pelo caminho do conservadorismo, em detrimento da aposta na moralização e na modernização de procedimentos.
Para isso, não hesita em sacrificar o PT.
Quando o senador Aloizio Mercadante cobra o reconhecimento da iniciativa do partido ao enfrentar o grupo de Sarney, comete apenas o equívoco de fingir que o presidente Lula não tem nada a ver com isso.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Muito bem: o presidente Luiz Inácio da Silva intervém no Senado, faz de José Sarney um presidente tutelado pelo Palácio do Planalto, assume a custódia das lixeiras do Parlamento, submete o PT a um vexame ímpar e o que isso influi no processo da sucessão presidencial?
Ou, antes, o que a eleição de um presidente da República e a boa governança de um País têm a ver com a sustentação de um esquema político obsoleto e moralmente apodrecido?
A rigor, nada. Bem como a manobra não acrescenta um voto - podendo tirar muitos - a candidaturas governistas nem tampouco serve como garantia da adesão do PMDB à chapa com patrocínio oficial.
Não obstante, o argumento por trás dos movimentos do presidente Lula em defesa do presidente do Senado é o de que Lula age em prol da governabilidade e do êxito eleitoral de seus aliados em 2010.
Alega-se que o presidente da República atua no propósito de preservar a estabilidade política e de evitar uma "crise sem precedentes" no Senado que poderia "comprometer o restante do seu mandato".
Crise sem precedentes o Senado vive há pelo menos oito anos, período em que assiste ao permanente questionamento público dos presidentes escolhidos pelo colegiado, já se vê, por critérios que não levam em conta normas de boa conduta.
A intervenção explícita - de maneira nunca vista - do Poder Executivo, se influência tiver sobre a crise, será no seu agravamento. Quanto ao comprometimento do mandato de Lula, não é visível o motivo do receio.
São três as possibilidades de solução até agora apresentadas: a licença do presidente Sarney até a conclusão da investigação e desmonte das atividades da rede de ilicitudes montada ao longo dos últimos 14 anos; renúncia e realização de novas eleições; formação de um grupo suprapartidário para encaminhar as soluções, independentemente de Sarney sair ou ficar.
Objetiva e friamente nenhuma delas configura um problema.
Se Sarney pedir licença, assume o primeiro vice, Marconi Perillo, do PSDB. Alega-se que o governo "não aceita" entregar a presidência do Senado ao partido que será seu maior adversário em 2010 e que, ademais, Lula "detesta" Perillo.
Questão de gosto. Muita gente no Parlamento também deve "detestar" algum ministro do Executivo e nem por isso a nomeação de todos eles deixa de ser prerrogativa do presidente. No tocante à "entrega" do Senado à oposição, é de se perguntar por quê. Descontada a hipótese de o PSDB fazer a revolução, de que loucuras seria capaz o partido?
Tocaria a presidência com o mesmo espírito de composição que preside o Senado e pautou a escolha de um tucano para a primeira vice-presidência na Mesa comandada por Sarney.
Se Sarney renunciar, realizam-se novas eleições. E daí? Realizaram-se várias. Em quantidade maior que as regulamentares de dois em dois anos, em função de vacâncias anteriores no curso do mandato. Seria apenas mais uma. Com a mesma dificuldade de sempre: ausência de nomes de consenso.
Desta vez só seria preciso cuidado redobrado no quesito folha corrida.
A terceira possibilidade - recusada, mas até agora a mais ponderada - é a do grupo suprapartidário. O PSDB apresentou a sugestão, o PT encampou, mas a Mesa Diretora recusou, também suprapartidariamente, com receio de perder poder.
Não teria, é verdade, o controle absoluto sobre as investigações e eventuais reformulações, mas manteria suas funções habituais. O grupo administraria a crise e a Mesa continuaria no comando do Senado.
Falar em perda de poder pontual, deste ou daquele, nessa altura é irrelevante, pois o nome do jogo é a recuperação de um poder já perdido coletivamente.
Ou o Senado percebe que trata da sua sobrevivência ou os grupos dominantes continuarão a reboque das conveniências do Palácio do Planalto. Hoje ou amanhã, seja Lula ou outro o presidente da República.
O único risco real à governabilidade é exatamente o aprofundamento do desequilíbrio de poder entre os Poderes. Este é o tema atinente ao interesse do Parlamento como instituição.
Não é a motivação do presidente Lula para sustentar o insustentável.
A ele interessa apenas e tão somente concluir o seu mandato com índices altos de popularidade. É o seu patrimônio. Não pode inscrever em sua biografia nenhuma grande mudança estrutural no Brasil.
Sua obra se circunscreve à obediência de parâmetros instituídos pelo antecessor e mundialmente adotados. Caso se rebelasse contra eles, não governaria. Isso na economia.
Na política, seu legado será o do retrocesso. Lula leva da presidência a inédita popularidade.
É na preservação desse capital que joga quando opta pelo caminho do conservadorismo, em detrimento da aposta na moralização e na modernização de procedimentos.
Para isso, não hesita em sacrificar o PT.
Quando o senador Aloizio Mercadante cobra o reconhecimento da iniciativa do partido ao enfrentar o grupo de Sarney, comete apenas o equívoco de fingir que o presidente Lula não tem nada a ver com isso.
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