terça-feira, 27 de outubro de 2009

Papel da oposição

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O Brasil tem governo demais e oposição de menos. O presidente Lula fala e faz o que bem entende sem um contraponto. A oposição tem medo da popularidade do presidente e acha melhor não apontar suas falhas sequenciais. O PSDB se omite em questões importantes, o DEM é temático, o PSB é oficialmente da base, o PV começa a desenhar uma alternativa, o PMDB é governo e sempre será.

O novo ministro do Supremo José Antonio Toffoli não foi escolhido por seu currículo, mas por sua extensa folha de serviços prestados ao PT. Nos Estados Unidos, a juíza Sonia Sotomayor foi sabatinada por uma semana pelo Senado, e os republicanos quiserem saber o sentido de cada ato e declaração dela antes de aprová-la. Aqui, bastou meia dúzia de perguntas dos partidos de oposição, durante uma tarde, e ele foi aprovado. Na posse de Toffoli, lá estava na primeira fila batendo palmas para ele o governador José Serra, que é o nome da oposição que está na frente em todas as pesquisas de intenção de votos.

O anúncio do pré-sal foi montado como um palanque para a candidata Dilma Rousseff, e o projeto de regulação tem uma sucessão de erros, mas lá estava Serra no lançamento, reclamando apenas dos royalties. Cabe à oposição, de qualquer partido, mostrar os equívocos do caminho escolhido que favorece uma empresa de capital aberto, tira transparência do processo de escolha de investidores e não pesa o custo ambiental da exploração.

O PAC das cidades históricas é uma versão empobrecida de um projeto do governo passado, mas lá estava batendo palmas o governador de Minas, Aécio Neves, outro pré-candidato do PSDB.

O presidente deu uma entrevista em que nem Cristo foi poupado. Tudo o que Serra disse foi uma ironia de pouco alcance: "A entrevista é interessante porque mostra o que o presidente é."
Ninguém entendeu. Quando Lula ficou três dias num carnaval fora de hora, em cima de um palanque, com dinheiro público, alegando fiscalizar uma obra, Serra falou algo sobre irrigação nas terras ribeirinhas, e há um movimento de se saber o custo da viagem. Mas a transposição do Rio São Francisco deve ser discutida também por uma série de outros motivos. Teve licença ambiental condicionada a exigências até agora não cumpridas. O rio sofre com assoreamento, esgoto sanitário de inúmeras cidades ribeirinhas, e destruição da mata ciliar. A população não pode ficar na situação de apenas se queixar ao bispo.

O presidente Lula tem atacado o TCU sucessivamente e avisa que vai apresentar uma lista de absurdos que pararam obras importantes. A oposição sabe a lista de absurdos encontrados nas obras do PAC ou fora dele? É melhor que saiba porque o governo informa que está pensando em criar um conselho para que as obras contestadas sejam liberadas em rito sumário.

O governo atrasa a restituição de Imposto de Renda às pessoas físicas; desmoraliza, por erros gerenciais e falta de controle, o programa de avaliação do ensino médio; planeja construir dezenas de termoelétricas a combustível fóssil nos próximos anos; permite que o setor elétrico se transforme em feudo familiar de um aliado; faz ameaças públicas a uma empresa privada; o Rio afunda numa angustiante crise de segurança. Isso para citar alguns eventos recentes sobre os quais os políticos de oposição ou fazem protesto débil ou frases de efeito.

O Bolsa Família é um programa que distribui renda para quem precisa e tem o direito de receber. Mas um dos seus méritos iniciais, quando nasceu como Bolsa Escola em experiências municipais, era não ser uma concessão assistencialista. Está perdendo essa virtude. Seu maior desafio como política pública era ter uma porta de saída, ser uma alavanca para a mobilidade social. O governo não formatou essa porta de saída e o programa começa a perder qualidade. A oposição tem medo de criticar o que está errado no projeto, tem medo de desmascarar o uso político-eleitoral do programa, e de propor avanços. Toda política pública é uma ferramenta. O Bolsa Família pode e deve ser aperfeiçoado, sem ser abandonado.

O mundo está a 42 dias de sua mais crucial negociação internacional: a Cop 15, de Copenhague. O Brasil ainda não tem uma posição porque o governo se perdeu num debate interno ultrapassado sobre o conflito entre crescimento e controle das emissões dos gases de efeito estufa. O maior partido de oposição, o PSDB, trata a questão ambiental e climática como periférica. Tem um ou outro especialista no tema, mas os pré-candidatos passam pelo assunto com a leveza dos desinformados. O DEM concorda com o governo: azar do meio ambiente, e todo o poder aos desmatadores.

Oposição não é apenas para colher assinaturas para CPIs, que abandonará assim que o governo conseguir os postos de presidente e relator; nem é para ficar contra sistematicamente tudo, como ficava o PT. Seu papel é mostrar outros caminhos e escolhas; criticar, fiscalizar, propor. Em regimes parlamentaristas como o da Inglaterra, a oposição tem o bom hábito de montar um shadow cabinet, uma espécie de ministro sombra para cada área. Isso não impediu que a oposição inglesa votasse em leis com as quais concordava, como a legislação contra a mudança climática. Mas permite que a oposição tenha mais profundidade nas críticas e nas avaliações de políticas.

A democracia para ser inteira tem que ter governo e oposição. Há desafios imensos para o país e os partidos que não estão na base parlamentar têm que saber o que dizer sobre eles.

Não porque está se aproximando uma eleição presidencial, mas sim para que se saiba por que são oposição.

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