DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Às vésperas de abrir o palco para um dos maiores espetáculos de sua História, o País vivencia um típico jogo de soma zero. Essa modalidade, como se sabe, tem como característica a disputa agressiva pelo controle das jogadas. O avanço de um jogador ocorre ante o recuo do outro. A vitória de um partido se dá por conta da derrota da sigla adversária.
Ou, para trazermos a imagem para estes dias acidentados, a queda da viga de um viaduto do Rodoanel sobre três carros, na Rodovia Régis Bittencourt, zera o jogo que os tucanos ganhavam dos petistas em razão do gol contra do apagão de Itaipu, que deixou no escuro 18 Estados, na semana retrasada. Os dois casos mostram a disputa contundente pelo poder que se trava no País, desprezando o fato de que efeitos dos desastres, se danos eventuais provocam à imagem de atores políticos em medição de forças, sequelas graves causam à própria comunidade nacional, por saírem de seu bolso, em última instância, os recursos para financiar os serviços do Estado.
A maneira como os atores políticos jogam suas cartas no tabuleiro define o estilo de governar, podendo empurrar o País para a frente ou para trás. No caso brasileiro, o estilo é de ataque recíproco, que caracteriza o jogo de soma zero. Os contendores, em intenso conflito, procuram assumir o controle das ações de forma a ganhar os torneios (eleições, votações parlamentares, posição no ranking do prestígio) a qualquer custo. Há, porém, um modo diferente e oposto de fazer política: é a ação plural e proativa, voltada para a criação de recursos. Nesse caso os participantes se esforçam para melhorar os vetores da administração, buscando benefícios oriundos da educação, da cultura ou da pesquisa técnico-científica nos mais variados campos. Os países que avançam mais rapidamente são os que optam por esse modelo. A história da ciência do planejamento registra dois exemplos clássicos para denotar visões opostas: o caso de Hitler, na 2ª Guerra, típico da disputa por tirar recursos de outros para redistribuí-los (jogo de soma zero), e o do Japão pós-guerra, caso notável de estilo superior de criação de recursos e oportunidades. A China, hoje, seria também exemplo desse tipo.
O Brasil, infelizmente, tem sido useiro e vezeiro na prática da queda de braço, da forma perde-ganha. E pelas escaramuças a que já começamos a assistir, ultimamente, o jogo de soma zero deverá ganhar status oficial no tabuleiro eleitoral. Para escapar dessa perspectiva se impõe aos contendores o dever de avaliar os altos interesses da Nação, e não deixar-se levar pelas baixas correntes que deságuam no oceano da mediocridade. O Brasil carece sair do ramerrão inócuo. Do besteirol sobre o maior e o menor apagão ou se blecaute é algo comum ou inédito. Nesse sentido, eis um breve roteiro na direção de uma forma altaneira de olhar o País. Trata-se de diretrizes que poderiam ajudar a era pós-Lula a sair do impasse verborrágico que sufoca a Nação. As propostas cairiam bem nos ensaios que os pré-candidatos iniciam no palanque pré-eleitoral. Os eixos têm como pano de fundo a hipótese de que Luiz Inácio, o presidente-símbolo da dinâmica social brasileira, fecha o ciclo da redemocratização iniciado em 1984 e, sob esse manto litúrgico, desce as cortinas sobre um tempo marcado por crises intermitentes nas relações entre o Estado e o sistema de representação social.
O marco inicial abriga a meta: democratizar a democracia. Trata-se, neste caso, de dar vazão ao esforço, que algumas nações já vêm empreendendo, para expandir a participação social no processo decisório, por meio de núcleos e entidades, visando a aumentar a inclusão social, melhorar as condições do trabalho, qualificar as políticas públicas, proteger o meio ambiente e os direitos humanos e evitar as pandemias. A estratégia tem como lume o incremento da democracia participativa. Nessa esteira emerge outro eixo, a busca de um projeto amplo para o País, consoante com o nosso estágio civilizatório. Programas dispersos, canhestros, para atender a conveniências eleitoreiras, serão substituídos por planos essenciais, integradores de necessidades geográficas, sociais e econômicas. No lugar de tijolos (PACs), paredes inteiriças. A terceira vertente contempla a via partidária, fonte permanente de mazelas. Os dutos das legendas estão entupidos. Os costumes, viciados.
Nessa área padecemos de uma dupla patologia: o aumento dramático da desmotivação e do abstencionismo e a sensação generalizada de que os cidadãos são cada vez menos representados. Revitalizar os partidos, dando-lhes substância, passa a ser tarefa indeclinável do ciclo pós-Lula.
O quarto eixo é o das relações entre os Poderes. Vácuos precisam ser preenchidos. A área infraconstitucional está esburacada, ocasionando intervenções do Poder Judiciário (que interpreta os vazios constitucionais) e consequentes críticas em torno da judicialização da política. Os ditames da harmonia e independência dos Poderes carecem sair do papel.
Significa consolidar as funções do Parlamento nos campos da legislação e da fiscalização, livrando-o da dependência do Executivo. Medidas importantes foram tomadas nesse sentido pelo atual comando da Câmara, mas o Executivo continua a influenciar outros Poderes.
Nesse ponto emerge a necessidade do quinto vértice: diminuição dos superpoderes do presidencialismo. Há instrumentos que podem conter seus excessos. Um deles é a adoção do Orçamento impositivo, pelo qual os recursos alocados serão usados nos fins destinados, sem manobras do Executivo. Sob certo cabresto, o ânimo para cooptar bases políticas seria arrefecido. A nomeação de ministros para o STF, por outro lado, seguiria a liturgia da escolha em listas tríplices organizadas por entidades. Quanto ao Poder Judiciário, restaria a aplicação estreita da norma constitucional, evitando insinuação de invadir a esfera do Poder Legislativo.
Sem a arrumação dos eixos institucionais o País abrirá as portas do futuro com as chaves do passado. Uma tragédia.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político e de comunicação
Às vésperas de abrir o palco para um dos maiores espetáculos de sua História, o País vivencia um típico jogo de soma zero. Essa modalidade, como se sabe, tem como característica a disputa agressiva pelo controle das jogadas. O avanço de um jogador ocorre ante o recuo do outro. A vitória de um partido se dá por conta da derrota da sigla adversária.
Ou, para trazermos a imagem para estes dias acidentados, a queda da viga de um viaduto do Rodoanel sobre três carros, na Rodovia Régis Bittencourt, zera o jogo que os tucanos ganhavam dos petistas em razão do gol contra do apagão de Itaipu, que deixou no escuro 18 Estados, na semana retrasada. Os dois casos mostram a disputa contundente pelo poder que se trava no País, desprezando o fato de que efeitos dos desastres, se danos eventuais provocam à imagem de atores políticos em medição de forças, sequelas graves causam à própria comunidade nacional, por saírem de seu bolso, em última instância, os recursos para financiar os serviços do Estado.
A maneira como os atores políticos jogam suas cartas no tabuleiro define o estilo de governar, podendo empurrar o País para a frente ou para trás. No caso brasileiro, o estilo é de ataque recíproco, que caracteriza o jogo de soma zero. Os contendores, em intenso conflito, procuram assumir o controle das ações de forma a ganhar os torneios (eleições, votações parlamentares, posição no ranking do prestígio) a qualquer custo. Há, porém, um modo diferente e oposto de fazer política: é a ação plural e proativa, voltada para a criação de recursos. Nesse caso os participantes se esforçam para melhorar os vetores da administração, buscando benefícios oriundos da educação, da cultura ou da pesquisa técnico-científica nos mais variados campos. Os países que avançam mais rapidamente são os que optam por esse modelo. A história da ciência do planejamento registra dois exemplos clássicos para denotar visões opostas: o caso de Hitler, na 2ª Guerra, típico da disputa por tirar recursos de outros para redistribuí-los (jogo de soma zero), e o do Japão pós-guerra, caso notável de estilo superior de criação de recursos e oportunidades. A China, hoje, seria também exemplo desse tipo.
O Brasil, infelizmente, tem sido useiro e vezeiro na prática da queda de braço, da forma perde-ganha. E pelas escaramuças a que já começamos a assistir, ultimamente, o jogo de soma zero deverá ganhar status oficial no tabuleiro eleitoral. Para escapar dessa perspectiva se impõe aos contendores o dever de avaliar os altos interesses da Nação, e não deixar-se levar pelas baixas correntes que deságuam no oceano da mediocridade. O Brasil carece sair do ramerrão inócuo. Do besteirol sobre o maior e o menor apagão ou se blecaute é algo comum ou inédito. Nesse sentido, eis um breve roteiro na direção de uma forma altaneira de olhar o País. Trata-se de diretrizes que poderiam ajudar a era pós-Lula a sair do impasse verborrágico que sufoca a Nação. As propostas cairiam bem nos ensaios que os pré-candidatos iniciam no palanque pré-eleitoral. Os eixos têm como pano de fundo a hipótese de que Luiz Inácio, o presidente-símbolo da dinâmica social brasileira, fecha o ciclo da redemocratização iniciado em 1984 e, sob esse manto litúrgico, desce as cortinas sobre um tempo marcado por crises intermitentes nas relações entre o Estado e o sistema de representação social.
O marco inicial abriga a meta: democratizar a democracia. Trata-se, neste caso, de dar vazão ao esforço, que algumas nações já vêm empreendendo, para expandir a participação social no processo decisório, por meio de núcleos e entidades, visando a aumentar a inclusão social, melhorar as condições do trabalho, qualificar as políticas públicas, proteger o meio ambiente e os direitos humanos e evitar as pandemias. A estratégia tem como lume o incremento da democracia participativa. Nessa esteira emerge outro eixo, a busca de um projeto amplo para o País, consoante com o nosso estágio civilizatório. Programas dispersos, canhestros, para atender a conveniências eleitoreiras, serão substituídos por planos essenciais, integradores de necessidades geográficas, sociais e econômicas. No lugar de tijolos (PACs), paredes inteiriças. A terceira vertente contempla a via partidária, fonte permanente de mazelas. Os dutos das legendas estão entupidos. Os costumes, viciados.
Nessa área padecemos de uma dupla patologia: o aumento dramático da desmotivação e do abstencionismo e a sensação generalizada de que os cidadãos são cada vez menos representados. Revitalizar os partidos, dando-lhes substância, passa a ser tarefa indeclinável do ciclo pós-Lula.
O quarto eixo é o das relações entre os Poderes. Vácuos precisam ser preenchidos. A área infraconstitucional está esburacada, ocasionando intervenções do Poder Judiciário (que interpreta os vazios constitucionais) e consequentes críticas em torno da judicialização da política. Os ditames da harmonia e independência dos Poderes carecem sair do papel.
Significa consolidar as funções do Parlamento nos campos da legislação e da fiscalização, livrando-o da dependência do Executivo. Medidas importantes foram tomadas nesse sentido pelo atual comando da Câmara, mas o Executivo continua a influenciar outros Poderes.
Nesse ponto emerge a necessidade do quinto vértice: diminuição dos superpoderes do presidencialismo. Há instrumentos que podem conter seus excessos. Um deles é a adoção do Orçamento impositivo, pelo qual os recursos alocados serão usados nos fins destinados, sem manobras do Executivo. Sob certo cabresto, o ânimo para cooptar bases políticas seria arrefecido. A nomeação de ministros para o STF, por outro lado, seguiria a liturgia da escolha em listas tríplices organizadas por entidades. Quanto ao Poder Judiciário, restaria a aplicação estreita da norma constitucional, evitando insinuação de invadir a esfera do Poder Legislativo.
Sem a arrumação dos eixos institucionais o País abrirá as portas do futuro com as chaves do passado. Uma tragédia.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político e de comunicação
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