DEU NO VALOR ECONÔMICO
A falta de um líder carismático que mobilize a superestrutura numa mesma direção, a produção de programas às pressas sob encomenda para negociar adesões, e a ausência de ideias claras que revelem à sociedade a existência de um projeto de país são lacunas percebidas a olho nu no PMDB. Confrontadas com o gigantismo do partido, produzem a certeza que estamos diante de uma força desgovernada de grande potência.
Imagina-se que tenha sido a partir de uma observação como esta que o cientista político Luiz Felipe Alencastro construiu uma teoria, exposta em entrevista ao Valor há duas semanas, sobre o risco de o Brasil estar vulnerável a uma espécie de sistema governo que denomina de vice-presidencialismo.
Falava o professor sobre a possibilidade de o deputado Michel Temer (PMDB-SP) integrar, como vice, a chapa liderada por Dilma Rousseff (PT) como candidata a Presidente da República, o que, hoje, é praticamente uma realidade política. Ao argumentar, o cientista apresenta a candidata do PT como alguém sem experiência política e eleitoral, tendo como vice um deputado comandante de um superPMDB que filia 6 ministros de Estado, um deles presidente do Banco Central, 9 governadores, 5 vice-governadores, os presidentes da Câmara e do Senado, 91 deputados federais, 17 senadores, 27 diretórios estaduais, 4671 diretórios municipais, 1201 prefeitos, 6 prefeitos de capitais, 2 milhões de filiados, 15 milhões de simpatizantes.
Os números impressionam e pressionam. O partido consegue o que quer.
"O que me assusta é a idéia de ter Michel Temer como vice-presidente. Ele é deputado há décadas e foi presidente da Câmara duas vezes. Controla a máquina do PMDB e o Congresso à perfeição. Vai compor chapa com uma candidata que nunca teve mandato e é novata no PT", expõe. Para Alencastro, o presidencialismo brasileiro pressupõe um vice discreto, porque eleito de carona, só para levar ao grupo alianças e palanques. Afirma que aos trancos instaurou-se, no Brasil, um presidencialismo que tem dado certo. "O fato de haver dois turnos, associado à integração do vice na chapa do presidente, deu estabilidade ao sistema".
Nos últimos anos tem sido assim, com os casos Fernando Henrique e Marco Maciel, e Lula e José Alencar, exemplifica o professor para estabelecer as diferenças de agora: "Dilma e Temer formam uma combinação inédita. Uma candidata até então sem mandato associada a um político cheio de mandatos e dono do PMDB, que é o maior partido do Brasil". Alencastro explica que fala de "dono" porque se trata do cargo mais vistoso, e é um partido que nunca elegeu um presidente e "vai com sede ao pote".
"O PMDB pode estabelecer um vice-presidencialismo, com um papel de protagonista que seria descabido", é a sua hipótese. Esse imenso partido desgovernado assusta.
Para o historiador e cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília, Alencastro pode ter uma certa razão. "Sabe-se que o Temer é uma raposa velha, está há muito na política, e Dilma está estreando. Estrear na política por cima é muito difícil", afirma. Lembra, porém, que os vices, no Brasil, seja com presidentes fortes e experientes, fortes e inexpressivos politicamente, fracos, ou tenham o perfil que tiverem, se acomodam. " O vice-presidente não tem função executiva, a não ser a que lhe atribuir o presidente. Mesmo que tenha muito mais experiência, é difícil ultrapassar barreiras.
Marco Antonio Villa, professor de História Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), cita que a idéia do vice-presidencialismo vem sendo falada há uns dois, três meses, mas vê equívocos no raciocínio. Quando os meios acadêmicos começaram a falar sobre a tese a comparação era feita com 1985, quando, com a morte de Tancredo Neves, assumiu José Sarney, um vice-presidente dominado pelo PMDB. "O PMDB de 1985 não é o PMDB de 2010", ressalva.
"A diferença é abissal. De um lado porque a Dilma está com um partido forte, que tem 30 anos, tem larga experiência de luta política, está incrustado no interior do Estado brasileiro e tem vinculações com movimentos sociais. Portanto, o PT é um partido que tem todas as garantias para se mobilizar para defender seus interesses, ou partidários ou da cúpula partidária, não importa".
Para o historiador da UFSCar, o risco não está presente, a aliança com o PMDB deve-se única e exclusivamente ao tempo de televisão para propaganda eleitoral. "O Lula sabe que tem uma candidata fraca, mas era a única candidata propensa a aceitar seu projeto pessoal, que é voltar em 2014. Dilma Rousseff só foi conhecida publicamente em 2003, quando nomeada para o Ministério das Minas e Energia".
Para Villa, o processo lembra um pouco o mexicano PRI: "No México o presidente indicava seu sucessor, só que lá era fácil porque as eleições eram fraudadas, aqui é mais complicado". O professor assinala que para um candidato com essas circunstâncias, uma das condições indispensáveis é o tempo da televisão. "Sem isso esse projeto teria dificuldades de ser viabilizado, daí a aliança com o PMDB".
E como o partido é uma federação de caciques, as alianças são com frações do partido, que considera frágil. "Você ganha o tempo na televisão . Se a candidata não decolar, as divisões estaduais vão abandonando a candidata. O segredo do PMDB é esse. Aliança com o PMDB é sempre isso, você compra mas não leva todo o pacote".
Acredita também o professor que apesar de ser presidente do partido e presidente da Câmara, Temer não é propriamente reconhecido por ser um hábil articulador político, capaz de fazer sombra, sendo vice, ao presidente. "O Temer foi o último colocado como deputado federal em São Paulo em 2006. O PMDB, dos 70 deputados, elegeu 4, e ele foi o último".
Villa considera, inclusive, que a força do deputado no partido, hoje, vem exatamente da perspectiva de ser eleito vice-presidente. Não se vislumbram, portanto, condições objetivas para o risco.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
A falta de um líder carismático que mobilize a superestrutura numa mesma direção, a produção de programas às pressas sob encomenda para negociar adesões, e a ausência de ideias claras que revelem à sociedade a existência de um projeto de país são lacunas percebidas a olho nu no PMDB. Confrontadas com o gigantismo do partido, produzem a certeza que estamos diante de uma força desgovernada de grande potência.
Imagina-se que tenha sido a partir de uma observação como esta que o cientista político Luiz Felipe Alencastro construiu uma teoria, exposta em entrevista ao Valor há duas semanas, sobre o risco de o Brasil estar vulnerável a uma espécie de sistema governo que denomina de vice-presidencialismo.
Falava o professor sobre a possibilidade de o deputado Michel Temer (PMDB-SP) integrar, como vice, a chapa liderada por Dilma Rousseff (PT) como candidata a Presidente da República, o que, hoje, é praticamente uma realidade política. Ao argumentar, o cientista apresenta a candidata do PT como alguém sem experiência política e eleitoral, tendo como vice um deputado comandante de um superPMDB que filia 6 ministros de Estado, um deles presidente do Banco Central, 9 governadores, 5 vice-governadores, os presidentes da Câmara e do Senado, 91 deputados federais, 17 senadores, 27 diretórios estaduais, 4671 diretórios municipais, 1201 prefeitos, 6 prefeitos de capitais, 2 milhões de filiados, 15 milhões de simpatizantes.
Os números impressionam e pressionam. O partido consegue o que quer.
"O que me assusta é a idéia de ter Michel Temer como vice-presidente. Ele é deputado há décadas e foi presidente da Câmara duas vezes. Controla a máquina do PMDB e o Congresso à perfeição. Vai compor chapa com uma candidata que nunca teve mandato e é novata no PT", expõe. Para Alencastro, o presidencialismo brasileiro pressupõe um vice discreto, porque eleito de carona, só para levar ao grupo alianças e palanques. Afirma que aos trancos instaurou-se, no Brasil, um presidencialismo que tem dado certo. "O fato de haver dois turnos, associado à integração do vice na chapa do presidente, deu estabilidade ao sistema".
Nos últimos anos tem sido assim, com os casos Fernando Henrique e Marco Maciel, e Lula e José Alencar, exemplifica o professor para estabelecer as diferenças de agora: "Dilma e Temer formam uma combinação inédita. Uma candidata até então sem mandato associada a um político cheio de mandatos e dono do PMDB, que é o maior partido do Brasil". Alencastro explica que fala de "dono" porque se trata do cargo mais vistoso, e é um partido que nunca elegeu um presidente e "vai com sede ao pote".
"O PMDB pode estabelecer um vice-presidencialismo, com um papel de protagonista que seria descabido", é a sua hipótese. Esse imenso partido desgovernado assusta.
Para o historiador e cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília, Alencastro pode ter uma certa razão. "Sabe-se que o Temer é uma raposa velha, está há muito na política, e Dilma está estreando. Estrear na política por cima é muito difícil", afirma. Lembra, porém, que os vices, no Brasil, seja com presidentes fortes e experientes, fortes e inexpressivos politicamente, fracos, ou tenham o perfil que tiverem, se acomodam. " O vice-presidente não tem função executiva, a não ser a que lhe atribuir o presidente. Mesmo que tenha muito mais experiência, é difícil ultrapassar barreiras.
Marco Antonio Villa, professor de História Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), cita que a idéia do vice-presidencialismo vem sendo falada há uns dois, três meses, mas vê equívocos no raciocínio. Quando os meios acadêmicos começaram a falar sobre a tese a comparação era feita com 1985, quando, com a morte de Tancredo Neves, assumiu José Sarney, um vice-presidente dominado pelo PMDB. "O PMDB de 1985 não é o PMDB de 2010", ressalva.
"A diferença é abissal. De um lado porque a Dilma está com um partido forte, que tem 30 anos, tem larga experiência de luta política, está incrustado no interior do Estado brasileiro e tem vinculações com movimentos sociais. Portanto, o PT é um partido que tem todas as garantias para se mobilizar para defender seus interesses, ou partidários ou da cúpula partidária, não importa".
Para o historiador da UFSCar, o risco não está presente, a aliança com o PMDB deve-se única e exclusivamente ao tempo de televisão para propaganda eleitoral. "O Lula sabe que tem uma candidata fraca, mas era a única candidata propensa a aceitar seu projeto pessoal, que é voltar em 2014. Dilma Rousseff só foi conhecida publicamente em 2003, quando nomeada para o Ministério das Minas e Energia".
Para Villa, o processo lembra um pouco o mexicano PRI: "No México o presidente indicava seu sucessor, só que lá era fácil porque as eleições eram fraudadas, aqui é mais complicado". O professor assinala que para um candidato com essas circunstâncias, uma das condições indispensáveis é o tempo da televisão. "Sem isso esse projeto teria dificuldades de ser viabilizado, daí a aliança com o PMDB".
E como o partido é uma federação de caciques, as alianças são com frações do partido, que considera frágil. "Você ganha o tempo na televisão . Se a candidata não decolar, as divisões estaduais vão abandonando a candidata. O segredo do PMDB é esse. Aliança com o PMDB é sempre isso, você compra mas não leva todo o pacote".
Acredita também o professor que apesar de ser presidente do partido e presidente da Câmara, Temer não é propriamente reconhecido por ser um hábil articulador político, capaz de fazer sombra, sendo vice, ao presidente. "O Temer foi o último colocado como deputado federal em São Paulo em 2006. O PMDB, dos 70 deputados, elegeu 4, e ele foi o último".
Villa considera, inclusive, que a força do deputado no partido, hoje, vem exatamente da perspectiva de ser eleito vice-presidente. Não se vislumbram, portanto, condições objetivas para o risco.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
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