segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sob o espesso manto da fantasia... :: José Israel Vargas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Nosso "oráculo maior" tem repetidamente anunciado para breve os "amanhãs que cantam" como verdade absoluta. Diferentemente de seu homólogo délfico, ocupa-se também do passado, para ele, sempre maldito. Há pouco anunciou, com a ênfase que lhe é peculiar, nossa marcha batida rumo ao Primeiro Mundo para alcançarmos a 4.ª posição entre as economias mais avançadas.

Objetivo extremamente louvável, mas não se podem ignorar os inúmeros obstáculos a vencer e que não se rendem a mero falatório peripatético em palcos eleitoreiros.

Proclamou também como "o maior da humanidade" o investimento da Petrobrás no pré-sal; diante disso, são pífios investimentos como os da Nasa, entre outros muitos.

Admitindo o crescimento anual alegado de 7% dos PIBs do Brasil e da China, em relação a 2009, em 2010, adotando-se as taxas de 1% para EUA, Japão, Alemanha, França e Itália, de 4% para a Índia e 3% para a Rússia, pode-se fazer um exercício que mostra que o País ocuparia o 5.º lugar. Adotada, porém, a taxa histórica de nosso crescimento (média anual de 4% durante o regime republicano), o Brasil se colocaria, em 2020, no 5.º ou 6.º lugar, com PIB de US$ 3,141 trilhões. O rendimento per capita para a população, que então alcançará 207 milhões de habitantes (IBGE), ainda nos colocaria abaixo do 50.º lugar. Os objetivos mencionados seriam dificilmente atingidos, a menos que continuemos quase exclusivamente crescentes exportadores de matérias-primas e permaneça congelado em 1% o crescimento dos demais.

Somente a observação e a manipulação, direta ou indireta, da natureza permite conhecer seu comportamento e torna possíveis os imensos benefícios hoje desfrutados. A divisão do trabalho revelou que o desenvolvimento implica mobilização dos fatores de produção: capital, recursos naturais e trabalho - este, sobretudo, na forma de "capital humano". Nossa resposta às aspirações indeclináveis de conforto crescente, saúde, segurança e acesso aos bens culturais foi bem modesta até hoje, comparada, por exemplo, com países que emergiram das imensas destruições do último conflito mundial. Assim, a porcentagem de analfabetos em nosso país alcançava 50% em 1950 e hoje, segundo dados do IBGE, ainda temos 20% de analfabetos funcionais, além de 9,8% de adultos iletrados.

Ao longo de nossa vida republicana partimos de diminuta base de acumulação de capital, decorrente de nosso passado colonial, para finalmente desfrutarmos crescimento do nosso PIB de 4% anuais médios. Valor respeitável, devido a vantagens competitivas dos abundantes recursos naturais e populacionais. Na atual administração, esse crescimento tem sido em média de 4,3% anuais, colocando-a na 21.ª posição, comparada com administrações republicanas passadas. Não cabe, pois, o bordão de presumida "herança maldita"... A menos de também incluir-se nela. A despeito disso, nosso poder de compra por habitante nos situa hoje na 75.ª posição!

Apesar do progresso já realizado, mesmo que tardio, a situação da educação é ainda dramática. Segundo o Academic Ranking of World Universities (2010), a mais prestigiosa de nossas universidades, a USP, foi classificada entre o 101.º e o 150.º lugares, entre as principais instituições de todo o mundo. As cinco outras universidades de melhor classificação interna estão listadas entre a 201.ª e a 400.ª posições, em ordem decrescente.

O ensino fundamental e médio não desfruta melhor situação, segundo O Estado de S. Paulo, com base na avaliação internacional de desempenho de estudantes de 15 anos promovida em 2006 pela OCDE. Participaram 57 países, entre os quais o Brasil. As notas foram atribuídas em seis níveis de desempenho, 1 a 6. Dos alunos brasileiros participantes, 27,9% tiveram notas inferiores a 1, 71,6% alcançaram notas 1 a 4, só 0,5% atingiu nota 5 e nenhum alcançou a nota máxima, 6.

Nos países da OCDE, 56,7% dos estudantes tiveram desempenho acima da média de 500 pontos. No Brasil, apenas 15,2% dos estudantes conseguiram esse resultado, isto é, 84,8% ficaram abaixo da média!

O desenvolvimento pressupõe a capacidade de inovar, gerar e/ou apropriar-se de novas tecnologias, frutos da ciência e da engenharia, logo, da educação, cujo panorama, como se viu acima, é desolador. Não é, pois, surpresa que esse mal também ocorra na inovação, medida em geral pelo número de patentes concedidas. Recente publicação da Organização Mundial da Propriedade Intelectual lança preocupante luz sobre o nosso quadro. O Brasil colocou-se na 33.ª posição, em 2006, quanto ao número de patentes registradas por unidade do PIB, expresso em bilhões de dólares. E é o 23.º em relação ao número de patentes por despesa com investimento em ciência e tecnologia (ano de 2007), na mesma unidade. No Brasil, 90,5% das patentes aqui concedidas provêm do exterior (não residentes),

colocando-nos em 13.º lugar entre os países em desenvolvimento. Tais fatos estão seguramente vinculados à baixa participação do setor produtivo nos gastos nacionais com pesquisa e desenvolvimento (P&D), de apenas 6% em 1990, que evoluíram para 30% em 1998 e atingiram hoje cerca de 34%. Nos países industrializados e em alguns emergentes, de mercado aberto, as empresas chegam a despender 60% dos gastos com P&D.

Para superar nosso atraso torna-se indispensável: 1) Melhorar radicalmente o ensino básico, incluindo salário digno para seus professores; 2) aumentar a participação de P&D de 1,4% para 2%, pelo menos; 3) investir na formação de nossos engenheiros - segundo dados em entrevista à CBN, ingressam anualmente nas escolas de engenharia 130 mil alunos e se formam a cada ano apenas 30 mil, dos quais cerca de 20 mil teriam formação insuficiente; 4) reclassificar, por mérito, instituições universitárias, pela abolição do Regime Jurídico Único, que enquadra seus servidores.

Eis um programa mínimo de trabalho para que o próximo presidente comece a romper o espesso manto da fantasia!

Foi Ministro da Ciência e Tecnologia
(Artigo publicado em 18/9/2010)

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