sábado, 23 de outubro de 2010

Declaração de voto :: Cacá Diegues

DEU EM O GLOBO

Quando, em 1960, aos 20 anos de idade, votei pela primeira vez para presidente da República, devo ter sido, entre os conhecidos de minha geração, um dos raríssimos eleitores do marechal Lott, sisudo militar fragorosamente derrotado pelo jovem e carismático Jânio Quadros. Na volta da democracia, 29 anos depois de minha estreia nas urnas, votei em Lula contra Collor. Em seguida, por duas vezes em Fernando Henrique e mais duas novamente em Lula (a perspectiva de alternância de poder faz bem ao regime democrático e obriga os mandatários a serem mais sensatos).

Não me arrependo de nenhum desses votos e, nos dois em que fui vencido, os desempenhos de Jânio e Collor no poder me deram toda razão.

Estou convencido de que vivemos, nestes últimos 18 anos, o melhor momento da história da República. A partir dos dois anos de Itamar Franco, quando tudo começou, o país viveu, durante mais os dois mandatos de Fernando Henrique e os dois de Lula, seu mais longo período de consolidação democrática, estabilidade financeira, crescimento econômico, melhoria dos serviços públicos e uma inédita distribuição de renda.

Tudo isso de maneira talvez parcimoniosa demais para nosso gosto, mas sempre permanente e regular.

Mas é claro que, no vendaval de paixões provocado por uma eleição como esta, nada disso é relevante para os competidores que se dilaceram.

E todos, em algum momento, perdem o pé do estribo em que se equilibram sobre a montaria de seus partidos, nessa corrida doida. Partidos que não têm muita coisa que os oponha, a não ser idiossincrasias políticas, às vezes provincianas, quase sempre nascidas em tempos imemoriais.

É uma aberração histórica, possivelmente incompreensível para os pesquisadores do futuro, que Fernando Henrique e Lula tenham precisado fazer alianças com Antonio Carlos Magalhães e o PMDB para a tal “governabilidade”, uma expressão sofisticada para indefinição programática, falta de caráter político. E uma ameaça que parece querer nos lembrar que uma força maior que o voto popular está esperando o governante na esquina, a fim de golpeá-lo se não cumprir as regras de forças ocultas, que ninguém sabe precisamente quais são e por que são.

O presidente Lula é um democrata e nessa condição exerceu seus dois mandatos. Basta lembrar seu comportamento no episódio do terceiro mandato que certamente obteria, em nome da “governabilidade”, se assim o quisesse. Bati de frente com seu governo algumas vezes, sobretudo no início dele, quando contestei as regras para a cultura estabelecidas sem participação do MinC, e, depois, durante o delírio autoritário do projeto da Ancinav.

No primeiro caso, em poucos dias o presidente tinha reconhecido o equívoco cometido por alguns de seus auxiliares e devolvido a administração cultural ao ministério da área, como cabia. No caso da Ancinav, assim que o projeto chegou a uma reunião ministerial, foi, por indicação do presidente, rejeitado por unanimidade.

Não posso deixar de gostar dele.

Lula é um protagonista do Cinema Novo, com toda a saudável complexidade do conflito brasileiro entre o arcaico e o moderno, uma pertinente representação simbólica do Brasil, um personagem de “Vidas secas” que foi parar em “Terra em transe”. Mas não gosto quando ele assume um lado Padim Ciço e se deixa anunciar “pai dos pobres” e outros sebastianismos milagreiros que não colaboram com o estágio da civilização brasileira.

Sempre que entra em cena um pai protetor elimina-se a vontade dos filhos, sua capacidade de pensar por eles mesmos.

Mas um presidente em exercício é presidente de todos os brasileiros, inclusive daqueles que lhe fazem oposição. Não pode pedir a extinção de partidos, demonizar a imprensa que não o apoia, se tornar juiz de um jogo de bolinhas de papel e balões de borracha produzido pela irracionalidade e violência de fanáticos que não devem ser estimulados. Lula vai ficar na história como um dos grandes presidentes do Brasil e já virou um ismo representativo de uma era. Não pode pisar na bola na saideira da campanha eleitoral. grande Rosa de Luxemburgo dizia que a liberdade é, antes de tudo, a liberdade de quem discorda de nós (ela acabou traída pelos radicais de seu partido socialista e assassinada pelos social-democratas de Weimar).

Décadas depois, o não menos grande Isaiah Berlin, ignorado pelos radicais do liberalismo que ele defendia, completava o pensamento de Rosa dizendo que a liberdade do lobo não pode justificar o extermínio dos cordeiros. Esses são os únicos limites intransponíveis da liberdade democrática.


Cacá Diegues é cineasta.

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei do texto e até que enfim encontro alguem com o mesmo pensamento que o meu.Nunca votei no LLULLA , acho uma figura patética e mau carater , que joga o pobre contra o rico,para fazer media com povo. Graças a D'us o seu mandado termina em 31/12/2010.AMÉM

Vila disse...

Não sabia que Cacá Diegues é tão tolo. Sempre supus que fosse homem inteligente. A importância de um governo democrático que não tira a dos seus adversários é essa: todos falam e escrevem à vontade e, assim, todos logo veem quem é quem. Cacá Diegues, NUNCA MAIS!