DEU EM O GLOBO
O Brasil estreou esta semana em Madri o modelo 2011 do Novo Mundo. Foi o primeiro país convidado a participar do Congresso Nacional de Meio Ambiente, uma bienal que, como seu nome está dizendo, desde sua primeira edição, lá vão quase 20 anos, foi um acontecimento estritamente "nacional". Ou seja, espanhol.
Chegar lá antes de todos os outros países latino-americanos, que falam a mesma língua dos anfitriões, não é pouca coisa. E a delegação brasileira fez o possível para valorizar seus trunfos, do Pré-Sal ao Pós-Lula. Ouviu mais de uma vez dos espanhóis que seus recursos naturais dão "inveja". Em troca, um porta-voz da delegação brasileira declarou, modestamente, que seu país não tem a pretensão de resolver todos os problemas do mundo.
O congresso é, antes de mais nada, um foro de "negócios ambientais", embora corra em seus auditórios o ambientalismo puro-sangue dos colégios de físicos e de monastérios budistas. Ali, só dá para vender autoconfiança com cautela. Ficou claro que a Amazônia terá que se render de uma vez por todas ao avanço das hidrelétricas, por exemplo. Mas as novas barragens serão construídas sobre plataformas fluviais, que prometem levar consigo os canteiros de obras quando a usina estiver pronta e deixar na retaguarda florestas recompostas.
Em suma, o Brasil conseguiu falar de crescimento numa Europa cada vez mais conformada com a ideia de que, queiram ou não, até os países ricos terão que aprender a viver com menos. E, se possível, viver melhor com menos. O Palácio Municipal de Congressos ficou, durante os quatro dias de debates, inundado de folhetos sobre o futuro possível com a desordem climática. Só na Espanha, 7.500 quilômetros de ferrovias já viraram Vias Verdes, exclusivas para andarilhos e ciclistas. Entraram também nos roteiros turísticos as Vias Pecuárias, que são 4,2 mil quilômetros de caminhos milenares, traçados por pastores entre vales e montanhas.
Parques e bosques se multiplicam ultimamente, partindo quase do centro de Madri até os confins mais ásperos da Espanha. Na capital, cinco depósitos de entulho ferroviário foram reflorestados e ajardinados. E, no país inteiro, 300 administrações locais aderiram formalmente a um vasto protocolo de adaptação ao clima. Com tantas prefeituras amarradas a metas estritas para o tratamento do lixo, o aproveitamento do metano como eletricidade, a devolução do esgoto ao estado de água potável ou o fomento de energias alternativas da eólica à geotérmica, o mercado não poderia ficar imune à mudança. Hoje, gravita ao redor dessa Rede Espanhola de Cidades para o Clima o comércio de soluções privadas para problemas públicos. Oferece desde casas que poupam eletricidade ou uma nova encarnação como "vidro ecológico" e cerâmicas finas a tubos de imagem de TVs e computadores obsoletos.
Foi nessa moldura de austeridade compulsória que o Brasil mostrou a fartura de seus recursos naturais. E nem era preciso percorrer os outros estandes. Bastava descer na estação de metrô mais próxima e reemergir a esmo em qualquer canto de Madri, para dar de cara com uma capital europeia que, em nome do aperto, parecia mais dourada neste outono. Porque plantou 15 milhões de árvores, encheu de flores suas alamedas, abriu na terra batida 286 quilômetros de passeios, tirou das ruas 385 mil carros particulares, embarcou mais 2,5 milhões madrilenhos por dia nos transportes públicos eletrificados e passou a tratar sua paisagem como um direito inalienável de todo cidadão.
Basta uma volta por Madri para sentir que no Brasil está faltando alguma coisa. Ou seja, a suspeita de que certas coisas um dia podem faltar. E é melhor que não façam falta.
Marcos Sá Correa é jornalista.
O Brasil estreou esta semana em Madri o modelo 2011 do Novo Mundo. Foi o primeiro país convidado a participar do Congresso Nacional de Meio Ambiente, uma bienal que, como seu nome está dizendo, desde sua primeira edição, lá vão quase 20 anos, foi um acontecimento estritamente "nacional". Ou seja, espanhol.
Chegar lá antes de todos os outros países latino-americanos, que falam a mesma língua dos anfitriões, não é pouca coisa. E a delegação brasileira fez o possível para valorizar seus trunfos, do Pré-Sal ao Pós-Lula. Ouviu mais de uma vez dos espanhóis que seus recursos naturais dão "inveja". Em troca, um porta-voz da delegação brasileira declarou, modestamente, que seu país não tem a pretensão de resolver todos os problemas do mundo.
O congresso é, antes de mais nada, um foro de "negócios ambientais", embora corra em seus auditórios o ambientalismo puro-sangue dos colégios de físicos e de monastérios budistas. Ali, só dá para vender autoconfiança com cautela. Ficou claro que a Amazônia terá que se render de uma vez por todas ao avanço das hidrelétricas, por exemplo. Mas as novas barragens serão construídas sobre plataformas fluviais, que prometem levar consigo os canteiros de obras quando a usina estiver pronta e deixar na retaguarda florestas recompostas.
Em suma, o Brasil conseguiu falar de crescimento numa Europa cada vez mais conformada com a ideia de que, queiram ou não, até os países ricos terão que aprender a viver com menos. E, se possível, viver melhor com menos. O Palácio Municipal de Congressos ficou, durante os quatro dias de debates, inundado de folhetos sobre o futuro possível com a desordem climática. Só na Espanha, 7.500 quilômetros de ferrovias já viraram Vias Verdes, exclusivas para andarilhos e ciclistas. Entraram também nos roteiros turísticos as Vias Pecuárias, que são 4,2 mil quilômetros de caminhos milenares, traçados por pastores entre vales e montanhas.
Parques e bosques se multiplicam ultimamente, partindo quase do centro de Madri até os confins mais ásperos da Espanha. Na capital, cinco depósitos de entulho ferroviário foram reflorestados e ajardinados. E, no país inteiro, 300 administrações locais aderiram formalmente a um vasto protocolo de adaptação ao clima. Com tantas prefeituras amarradas a metas estritas para o tratamento do lixo, o aproveitamento do metano como eletricidade, a devolução do esgoto ao estado de água potável ou o fomento de energias alternativas da eólica à geotérmica, o mercado não poderia ficar imune à mudança. Hoje, gravita ao redor dessa Rede Espanhola de Cidades para o Clima o comércio de soluções privadas para problemas públicos. Oferece desde casas que poupam eletricidade ou uma nova encarnação como "vidro ecológico" e cerâmicas finas a tubos de imagem de TVs e computadores obsoletos.
Foi nessa moldura de austeridade compulsória que o Brasil mostrou a fartura de seus recursos naturais. E nem era preciso percorrer os outros estandes. Bastava descer na estação de metrô mais próxima e reemergir a esmo em qualquer canto de Madri, para dar de cara com uma capital europeia que, em nome do aperto, parecia mais dourada neste outono. Porque plantou 15 milhões de árvores, encheu de flores suas alamedas, abriu na terra batida 286 quilômetros de passeios, tirou das ruas 385 mil carros particulares, embarcou mais 2,5 milhões madrilenhos por dia nos transportes públicos eletrificados e passou a tratar sua paisagem como um direito inalienável de todo cidadão.
Basta uma volta por Madri para sentir que no Brasil está faltando alguma coisa. Ou seja, a suspeita de que certas coisas um dia podem faltar. E é melhor que não façam falta.
Marcos Sá Correa é jornalista.
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