DEU EM O GLOBO
Em discursos e atos, presidente não esconde a saudade que terá do poder
Chico de Gois
BRASÍLIA. O presidente Lula está sofrendo de um mal que, se cura houver, só se manifestará, na hipótese mais otimista para ele, em 2014, na próxima eleição presidencial: crise de abstinência do gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto. Ou, para simplificar: saudade adiantada de ser presidente da República. O homem que tentou, tentou, tentou e conseguiu se tornar presidente, e presidente de novo, agora, quase como o personagem do romance de Gabriel García Márquez, vê anunciada a sua partida - não desta vida, é claro, mas da vida do glamour, em que ele, e só ele no Brasil inteiro, era o único presidente da República de plantão.
Os sinais da síndrome são visíveis. Ou audíveis. Desde o início do mês, Lula vem anunciando que vive um calvário. Não passa uma solenidade na qual não vocalize que faltam tantos dias para deixar a cadeira de presidente e que está difícil desencarnar, um verbo que adotou para si, como se, depois de passar a faixa para Dilma Rousseff, fosse vagar pelo mundo como um espírito de luz.
Ainda lá atrás, antes de entrar nessa fase mais saudosista, ele brincou quando falava de passar o poder para Dilma, que, se pudesse, "colava a faixa presidencial na barriga".
Até as pastilhas agora vão para Dilma
Na terça-feira passada, durante a entrega do Prêmio Nacional de Direitos Humanos, no Planalto, Lula deu o tom da lamúria:
- Está chegando um momento chato e desagradável do governo porque está chegando o final do mandato, e cada dia que vai se aproximando, tudo o que faço é a última que eu faço como presidente da República. Então, isso vai criando uma emoção desnecessária - disse.
Na cerimônia de formatura do programa Todos pela Alfabetização, dia 10, em Salvador, demonstrou em praça pública seu dilema de vida:
- Oito anos, Waldir (Pires, ex-ministro da Defesa), oito anos é pouco para quem está no governo, é muito para quem está na oposição. Para mim foi nada. Quando eu comecei a gostar, pronto: venceu meu mandato.
Para amenizar a dor da despedida, Lula recorre à pilheria de si mesmo. Outro dia, diante de ilustres convidados no Palácio do Planalto, provocou, com bom humor, o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Com uma pontinha de inveja do auxiliar que passará mais tempo no poder do que ele - Mantega está com Lula desde seu primeiro mandato e foi confirmado para permanecer na função no governo de Dilma -, Lula disse que, com a proximidade de se tornar um ex igual aos tantos que passaram por ali, já é menosprezado.
- Eu queria, primeiro, contar uma coisa para vocês: o que é o começo e o que é o fim de um mandato. Durante todo esse tempo, o Guido se sentava comigo nas reuniões e ele colocava uma latinha de pastilhas Valda cheia para eu chupar o quanto quisesse. Já vi agora ele em reunião com a Dilma: ele coloca a caixinha de pastilhas do lado da Dilma. Hoje ele chegou aqui, eu, como estava habituado, falei: Guido, cadê a pastilha? Ele tinha só uma no bolso! Certamente, esqueceu a caixinha na mesa de reuniões com a Dilma. Não tem nada, não.
Nada como um dia atrás do outro, Guido.
Na verdade, o que Lula tem é o mesmo mal que outros que passaram pela mesma cadeira. Fernando Henrique Cardoso, que permaneceu o mesmo tempo que Lula na função, também sofreu com o fim do poder. Dizia que um presidente se acostuma à rotina de ter sempre alguém que lhe faça tudo, até mesmo abrir uma porta. E que deixar esse cotidiano não é tarefa fácil.
Mas, o que mais FH sentiu falta, em termos de objeto de culto, não foi da cadeira propriamente dita, mas da piscina do Palácio da Alvorada, como ele próprio disse. Era ali que, diariamente, quando não estava em uma de suas muitas viagens, dava umas braçadas.
Mas nem todos são como Lula e FH. O ex-presidente Itamar Franco, que assumiu a função por imposição das circunstâncias, mantinha em seu gabinete uma folhinha na qual marcava com um X os dias que ia passando na sala que, para ele, se parecia com uma prisão. Itamar não tinha apego à faixa.
- O poder é efêmero - constatava o mineiro, que se sentia mais feliz governador de seu estado do que presidente de um país tão diferente.
Outro que deixou o cargo de presidente, mas não o apetite pelo poder, foi José Sarney, que cunhou a expressão "liturgia do poder". Apesar de fora do gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto, ele prova da cozinha de Lula - que, dizem os mais frequentes, tem mais sabores do que o café sem gosto servido na sala do presidente.
Em discursos e atos, presidente não esconde a saudade que terá do poder
Chico de Gois
BRASÍLIA. O presidente Lula está sofrendo de um mal que, se cura houver, só se manifestará, na hipótese mais otimista para ele, em 2014, na próxima eleição presidencial: crise de abstinência do gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto. Ou, para simplificar: saudade adiantada de ser presidente da República. O homem que tentou, tentou, tentou e conseguiu se tornar presidente, e presidente de novo, agora, quase como o personagem do romance de Gabriel García Márquez, vê anunciada a sua partida - não desta vida, é claro, mas da vida do glamour, em que ele, e só ele no Brasil inteiro, era o único presidente da República de plantão.
Os sinais da síndrome são visíveis. Ou audíveis. Desde o início do mês, Lula vem anunciando que vive um calvário. Não passa uma solenidade na qual não vocalize que faltam tantos dias para deixar a cadeira de presidente e que está difícil desencarnar, um verbo que adotou para si, como se, depois de passar a faixa para Dilma Rousseff, fosse vagar pelo mundo como um espírito de luz.
Ainda lá atrás, antes de entrar nessa fase mais saudosista, ele brincou quando falava de passar o poder para Dilma, que, se pudesse, "colava a faixa presidencial na barriga".
Até as pastilhas agora vão para Dilma
Na terça-feira passada, durante a entrega do Prêmio Nacional de Direitos Humanos, no Planalto, Lula deu o tom da lamúria:
- Está chegando um momento chato e desagradável do governo porque está chegando o final do mandato, e cada dia que vai se aproximando, tudo o que faço é a última que eu faço como presidente da República. Então, isso vai criando uma emoção desnecessária - disse.
Na cerimônia de formatura do programa Todos pela Alfabetização, dia 10, em Salvador, demonstrou em praça pública seu dilema de vida:
- Oito anos, Waldir (Pires, ex-ministro da Defesa), oito anos é pouco para quem está no governo, é muito para quem está na oposição. Para mim foi nada. Quando eu comecei a gostar, pronto: venceu meu mandato.
Para amenizar a dor da despedida, Lula recorre à pilheria de si mesmo. Outro dia, diante de ilustres convidados no Palácio do Planalto, provocou, com bom humor, o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Com uma pontinha de inveja do auxiliar que passará mais tempo no poder do que ele - Mantega está com Lula desde seu primeiro mandato e foi confirmado para permanecer na função no governo de Dilma -, Lula disse que, com a proximidade de se tornar um ex igual aos tantos que passaram por ali, já é menosprezado.
- Eu queria, primeiro, contar uma coisa para vocês: o que é o começo e o que é o fim de um mandato. Durante todo esse tempo, o Guido se sentava comigo nas reuniões e ele colocava uma latinha de pastilhas Valda cheia para eu chupar o quanto quisesse. Já vi agora ele em reunião com a Dilma: ele coloca a caixinha de pastilhas do lado da Dilma. Hoje ele chegou aqui, eu, como estava habituado, falei: Guido, cadê a pastilha? Ele tinha só uma no bolso! Certamente, esqueceu a caixinha na mesa de reuniões com a Dilma. Não tem nada, não.
Nada como um dia atrás do outro, Guido.
Na verdade, o que Lula tem é o mesmo mal que outros que passaram pela mesma cadeira. Fernando Henrique Cardoso, que permaneceu o mesmo tempo que Lula na função, também sofreu com o fim do poder. Dizia que um presidente se acostuma à rotina de ter sempre alguém que lhe faça tudo, até mesmo abrir uma porta. E que deixar esse cotidiano não é tarefa fácil.
Mas, o que mais FH sentiu falta, em termos de objeto de culto, não foi da cadeira propriamente dita, mas da piscina do Palácio da Alvorada, como ele próprio disse. Era ali que, diariamente, quando não estava em uma de suas muitas viagens, dava umas braçadas.
Mas nem todos são como Lula e FH. O ex-presidente Itamar Franco, que assumiu a função por imposição das circunstâncias, mantinha em seu gabinete uma folhinha na qual marcava com um X os dias que ia passando na sala que, para ele, se parecia com uma prisão. Itamar não tinha apego à faixa.
- O poder é efêmero - constatava o mineiro, que se sentia mais feliz governador de seu estado do que presidente de um país tão diferente.
Outro que deixou o cargo de presidente, mas não o apetite pelo poder, foi José Sarney, que cunhou a expressão "liturgia do poder". Apesar de fora do gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto, ele prova da cozinha de Lula - que, dizem os mais frequentes, tem mais sabores do que o café sem gosto servido na sala do presidente.
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