DEU NO JORNAL DO BRASIL
A morte de Moacir Werneck ocorreu em meio às turbulências da repressão contra os donos ilegítimos do poder nos morros do Rio, e não foi devidamente registrada pelos jornais. Tive o privilégio de trabalhar com ele, quando o excepcional homem de imprensa chefiava a redação de Última Hora, no fim dos anos 50. Ele sobreviveu a uma equipe de grandes fazedores de jornal, como foram João Etchéverry, Octávio Malta e Samuel Wainer, o patrão, que gostava de se identificar como este repórter. Tendo nascido em 1915, foram de sua geração, além dos citados, Carlos Lacerda – seu primo e, a partir de certo momento, intransigente adversário ideológico e político – Jorge Amado, Osvaldo Peralva, Joel Silveira, Rubem Braga e tantos outros, que já se foram.
Há poucos meses fui visitá- lo. Ele, em companhia da leal, afetiva, inspiradora e vigilante Nenê – a uruguaia Glória Rodriguez – e da jornalista Rosa Freire Furtado, continuava o mesmo, com sua inteligência espiral. Visitava cada tempo histórico do mundo e do Brasil, como um topógrafo das ideias e dos homens que as criaram ou cultivaram.
Falou em Kant e em Lula; em seu outro primo, Nelson Werneck Sodré, em Celso Furtado, lembrou Carlos Lacerda e seus avoengos da nobreza fluminense. Recordou sua viagem à Europa – e à Alemanha – no momento em que se armava a borrasca do nazismo, em 1935, e descreveu o forte episódio da quase agressão sofrida por o terem visto como judeu. Salvaram- no sua presença de espírito e o bom conhecimento da língua alemã, que aprendera em Santa Catarina.
A morte de Moacir Werneck ocorreu em meio às turbulências da repressão contra os donos ilegítimos do poder nos morros do Rio, e não foi devidamente registrada pelos jornais. Tive o privilégio de trabalhar com ele, quando o excepcional homem de imprensa chefiava a redação de Última Hora, no fim dos anos 50. Ele sobreviveu a uma equipe de grandes fazedores de jornal, como foram João Etchéverry, Octávio Malta e Samuel Wainer, o patrão, que gostava de se identificar como este repórter. Tendo nascido em 1915, foram de sua geração, além dos citados, Carlos Lacerda – seu primo e, a partir de certo momento, intransigente adversário ideológico e político – Jorge Amado, Osvaldo Peralva, Joel Silveira, Rubem Braga e tantos outros, que já se foram.
Há poucos meses fui visitá- lo. Ele, em companhia da leal, afetiva, inspiradora e vigilante Nenê – a uruguaia Glória Rodriguez – e da jornalista Rosa Freire Furtado, continuava o mesmo, com sua inteligência espiral. Visitava cada tempo histórico do mundo e do Brasil, como um topógrafo das ideias e dos homens que as criaram ou cultivaram.
Falou em Kant e em Lula; em seu outro primo, Nelson Werneck Sodré, em Celso Furtado, lembrou Carlos Lacerda e seus avoengos da nobreza fluminense. Recordou sua viagem à Europa – e à Alemanha – no momento em que se armava a borrasca do nazismo, em 1935, e descreveu o forte episódio da quase agressão sofrida por o terem visto como judeu. Salvaram- no sua presença de espírito e o bom conhecimento da língua alemã, que aprendera em Santa Catarina.
Essa viagem o marcou e confirmou sua opção pela esquerda, que assumira um ano antes, ao participar, com Aparicio Torelly, da redação do Jornal do Povo, de vida efêmera. A sua viagem já fora um compromisso, porque participou, em Paris, de um encontro mundial de jovens, contra o fascismo em ascensão. Moacir foi, durante os 75 anos seguintes, um combatente contra a intolerância e a injustiça. Veterano de muitas prisões, não titubeou em arriscar-se durante a ditadura militar, prestando corajosa solidariedade aos presos e perseguidos.
Entre os encontros que tivemos, depois de minha saída da Última Hora, recordo-me de noite marcante, na casa do embaixador Carlos Alfredo Bernardes, quando falamos, os três, sobre os nomes mais importantes da filosofia alemã do século 20, como Cassirer e Wittgenstein, mas também discutimos os problemas políticos dos anos 70, em que a ditadura militar parecia inamovível. O embaixador, que fora secretário-geral do Itamaraty, quando San Tiago Dantas ocupava a chancelaria, conduzia a conversa com sua conhecida verve, mas Moacir foi a grande estrela da noite.
Outra vez, em jantar na casa de nosso amigo comum, Fernando Gasparian, Moacir, de repente, lembrou que era o mais velho da roda, porque havia passado dos oitenta. E nós nos demos conta de que ele era o mais jovem de todos, com seu porte elegante, sua voz firme, suas ideias que formavam desenhos lógicos e brilhantes, como se fossem as pedras de um grande caleidoscópio.
Entre os encontros que tivemos, depois de minha saída da Última Hora, recordo-me de noite marcante, na casa do embaixador Carlos Alfredo Bernardes, quando falamos, os três, sobre os nomes mais importantes da filosofia alemã do século 20, como Cassirer e Wittgenstein, mas também discutimos os problemas políticos dos anos 70, em que a ditadura militar parecia inamovível. O embaixador, que fora secretário-geral do Itamaraty, quando San Tiago Dantas ocupava a chancelaria, conduzia a conversa com sua conhecida verve, mas Moacir foi a grande estrela da noite.
Outra vez, em jantar na casa de nosso amigo comum, Fernando Gasparian, Moacir, de repente, lembrou que era o mais velho da roda, porque havia passado dos oitenta. E nós nos demos conta de que ele era o mais jovem de todos, com seu porte elegante, sua voz firme, suas ideias que formavam desenhos lógicos e brilhantes, como se fossem as pedras de um grande caleidoscópio.
E não lhe faltava otimismo com relação ao Brasil.
A geração de Moacir não foi apenas testemunha da história brasileira do século 20: ela conduziu, de suas trincheiras, o pensamento político nacional. O grupo, tenha participado diretamente ou não dos movimentos revolucionários dos anos 30, comandou a resistência intelectual contra o nazifascismo e sua expressão nacional, que foi o integralismo de Plínio Salgado. Hoje, parece ter sido tarefa fácil, mas não foi: grande parte da inteligência nacional se deixara fascinar pela retórica da extrema- direita. A única e decisiva diferença estava no humanismo solidário da esquerda, e no culto à liberdade de homens como Moacir Werneck de Castro, o jovem de 19 anos que acompanhou Aparicio Torelly na aventura de um jornalismo militante – e nessa trajetória se manteve até a morte.
A geração de Moacir não foi apenas testemunha da história brasileira do século 20: ela conduziu, de suas trincheiras, o pensamento político nacional. O grupo, tenha participado diretamente ou não dos movimentos revolucionários dos anos 30, comandou a resistência intelectual contra o nazifascismo e sua expressão nacional, que foi o integralismo de Plínio Salgado. Hoje, parece ter sido tarefa fácil, mas não foi: grande parte da inteligência nacional se deixara fascinar pela retórica da extrema- direita. A única e decisiva diferença estava no humanismo solidário da esquerda, e no culto à liberdade de homens como Moacir Werneck de Castro, o jovem de 19 anos que acompanhou Aparicio Torelly na aventura de um jornalismo militante – e nessa trajetória se manteve até a morte.
Um comentário:
Gilvan,
Belíssimo artigo!! Espero que tenha assinado o JB de novo. Leia o último parágrafo e entenderá o meu problema partidário atual.
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