domingo, 13 de fevereiro de 2011

Itamar: "Eu vou combater a reeleição"

O ex-presidente chega ao Senado para fazer uma oposição inspirada em suas atuações passadas na Casa, quando "não se calava"

Denise Rothenburg e Josie Jerônimo

Em sua primeira sexta-feira em Brasília depois da posse no Senado, Itamar Franco (PPS-MG) foi ao Conjunto Nacional para comprar uma pequena televisão para o seu apartamento funcional. Na loja, atraiu a atenção de funcionários mais velhos. Afinal, há 16 anos Itamar era quase tão popular quanto Lula ao deixar a Presidência da República — por ter sido o presidente que implantou o Plano Real. Um dos vendedores criou coragem e se aproximou: “Fizemos uma aposta ali: o senhor é aquele ex-presidente?”. Itamar, sem pestanejar, respondeu. “Se eu for, o que você ganha?”. Ao saber o valor da aposta, R$ 20, o senador brincou: “Você ganhou. Então vai lá, pega o seu dinheiro e me dá R$ 10 de desconto”.

Nos tempos de presidente, Itamar costumava sair sozinho do Palácio da Alvorada e dirigir o próprio carro para visitar amigos. Certa vez, para desespero da segurança, foi ao circo. Os seguranças se espalharam pela arquibancada, sem que ele soubesse. Agora, de volta à cena política brasiliense, ele dá sinais de que não mudou. No Senado, chega pregando o fim da reeleição e rechaça o voto em lista. “Vou combater a reeleição (…).Fico muito preocupado quando dizem: vamos fazer uma eleição por lista. Se uma cúpula partidária dominar o partido por muitos anos e não gostar da sua atuação, você vai ser o último da lista”, diz. Só evita falar dos Fernandos — os dois ex-presidentes Collor e Fernando Henrique Cardoso. “Vamos mudar de assunto para que eu não seja indelicado com as senhoras.”

Vem aí a discussão da reforma política e, pelo jeito, vão ampliar a discussão para o mandato presidencial. O senhor é favor da reeleição?

Não, primeiro ela quebrou a ordem constitucional brasileira. Ao longo da vida pública, nós nunca tivemos reeleições neste país. Quando terminamos o Plano Real, nós tínhamos que ter três pilares: o da reforma política, da tributária e a fiscal. O que aconteceu em 1995? Em vez de fazer o que ainda não tinha sido feito, passaram a reeleição. A linha divisória que distingue um candidato no cargo e um candidato que apenas concorre é invisível. Eu acho que a reeleição permite muita corrupção. A máquina é usada de uma forma muito violenta. Vou combater a reeleição.

Então o senhor vai propor o quê? O mandato de cinco anos?

Acho que cinco seria o ideal. Não acho quatro pouco, mas cinco seria razoável.

Fala-se também em abrir uma janela para uma reacomodação partidária. O senhor é a favor? E o voto em lista?

Pode haver um choque de consciência do cidadão com o partido. Ele pode se sentir desconfortável. Os nossos partidos costumam ter uma minoria que os domina há muitos anos. De repente, é preciso 16 ou 18 anos para se chegar à cúpula, se chegar. Fico muito preocupado quando dizem: vamos fazer uma eleição por lista. Se uma cúpula partidária dominar o partido por muitos anos e não gostar da sua atuação, você vai ser o último da lista. Os partidos brasileiros ainda são regionais. Quer goste ou não, eles não são nacionais.

E que avaliação o senhor faz do PMDB de hoje?

O PMDB é como se fosse uma namorada, a gente nunca esquece. Esse partido não é o mesmo PMDB. A minha namorada está no céu. Não é aquele PMDB que nós fundamos em nível nacional, em janeiro de 1980. Eu fui o primeiro presidente do PMDB. Não é o mais o meu partido, eu fico calado, mas dá uma tristeza, viu…

Hoje, o PMDB e Collor se dão muito bem aqui no Senado. Como está o seu relacionamento com o ex-companheiro de chapa?

Sem ser indelicado, não quero falar sobre isso.

Talvez seja coincidência, mas o senhor critica a reeleição, promovida por FHC, não quer falar de outro Fernando, seu antecessor…. Os Fernandos não se dão com o senhor?

Não falo sobre eles. C’est la vie (assim é a vida).

E como é voltar ao Senado?

Quando eu cheguei ao Senado, nós tínhamos um MDB coeso. Eu tenho que me readaptar. O nosso líder era um líder que entendia que nós, da oposição, para tratar de qualquer assunto, teríamos sempre que estudar. Chegar apresentando dados, debatendo dados. O senador Virgílio Távora era o líder da ordem econômica do governo. Por um determinado dia, ele foi à tribuna e disse que o presidente Geisel não permitiria que empresas estrangeiras explorassem o petróleo. Quando foi seis horas da tarde, o presidente Geisel permitiu. Ele (Virgílio Távora) ficou tão envergonhado que ficou um mês sem aparecer na tribuna. Como é que o governo (de hoje) leva tanto tempo. O apagão se deu na quinta-feira e só hoje uma liderança do governo vem explicar o que aconteceu. A presidente conhece bem o problema energético. Não sei se ela conhece bem as usinas nucleares, a questão nuclear, mas a outra parte ela conhece bem.

E o Senado de hoje?

Não posso julgar o parlamento porque eu estou aqui há uma semana. Mas há influência total do Executivo no Legislativo. Há submissão até nas comissões parlamentares de inquérito. Coisa que nem no regime militar tínhamos, de proibir que um parlamentar da oposição presidisse uma comissão. Não vamos permitir que isso aconteça. Quero deixar claro que não estou julgando o Senado agora. A oposição naquela época não se calava. Naquele tempo, nosso mandato poderia ser cassado em 10 ou 15 minutos. Nós fomos eleitos pela oposição, nós temos que debater no campo das ideias, é a nossa obrigação.

Daí a sua ideia de chamar José Serra para discutir o salário mínimo?

Ele deve ter informações, deu muita ênfase a um salário de R$ 600, deve ter algum embasamento. Nunca houve um debate frontal entre a candidata e o candidato. Eu quero saber — e espero que o Senado não deixe de convidar. Existem as centrais sindicais, que podem ser convidadas também.

O senhor não estará assim abrindo um palanque para Serra na “casa” de Aécio, que chega aqui como a maior aposta da oposição para o futuro?

Não, meu palanque agora foi o do Aécio. Primeiro, acho cedo ainda. Se amanhã o Aécio for candidato, eu espero estar ao lado dele. Em relação ao Serra, ao longo da nossa vida política, nós nunca fomos mal educados um com o outro. Mas eu já achava que, no início do processo eleitoral, o Aécio somava mais em termos partidários do que ele. O Serra teve uma coisa que eu falei com ele. Eu estou na minha casa sentado, ainda indefinido, e vejo o candidato da oposição elogiando o candidato do governo. Então, para que eu vou mudar? Se até ele está elogiando, então deve ser bom. Falei isso pra ele (na campanha). Ele não falou nada. Acho que ele esqueceu Minas. Mas vamos deixar o Dr. Serra lá. Mas votei nele, viu.

Qual foi sua maior alegria e a maior tristeza na Presidência?

Em determinados momentos, nas horas mortas, o presidente tem que tomar decisões sozinho. A vida pública é muito bonita, mas ela tem fases que trazem na alma uma tristeza muito grande. Quem ingressa nela tem que aguentar. A maior alegria, além do Plano Real, foi ter passado a faixa presidencial ao meu sucessor, Fernando Henrique Cardoso, porque, quando eu entrei, disseram que meu governo não duraria 48 horas. Em 92, quando assumimos a Presidência da República, o país estava entristecido. E nós entregamos o governo democraticamente.

A maior tristeza?

Tem dia que a sua alma corre mais do que você. Então, você tem que puxar sua alma de volta. Se ela correr mais do que você, as tristezas são levadas por ela. Quando você a traz de volta, parte das tristezas ficam fora.

Que avaliação o senhor faz deste início do governo Dilma?

Eu escutei o discurso da presidente e achei interessante ela não ter dito o “nunca antes neste país”. Achei uma evolução, tomara que ela não tenha recaídas.

Pelo visto, o senhor está disposto a dar trabalho ao governo como oposição…

Dar trabalho, eu não sei se vou dar. Eu espero que, toda a vez que for possível, eu possa ajudar com a pequena experiência que tenho.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

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