domingo, 13 de fevereiro de 2011

O canto desafinado das oposições :: Gaudêncio Torquato

Uma nota de pé de página revela traços do ethos nacional: as máscaras de Tiririca e Dilma Rousseff são as preferidas dos brasileiros para o carnaval; já as máscaras de Serra e Marina são as menos vendidas. A cara de Tiririca, o palhaço que se elegeu deputado, e a de Dilma, a técnica que se elegeu presidente da República, deverão ser as mais vistas na folia carnavalesca. A explicação? Ambos expressam atributos que emolduram o jeito de ser do brasileiro: a improvisação, o deboche, a irreverência, de um lado; a identificação com o poder, a opção pelos vitoriosos, de outro. Tiririca encarna a índole bagunceira e pouca afeita à formalidade; já a mulher presidente, além de ser a novidade da estação, projeta a ideia de força e de mando, de respeito e autoridade, valores reconhecidos nos perfis que detêm competência (e tinta na caneta) para nomear, demitir, decidir, ordenar. Puxar personagens com esse estofo para os salões da folia é dar vazão ao sentimento das ruas. O deputado e a presidente representam, portanto, o verso e o reverso, o poder informal e o poder formal, conjuminados na ampla radiografia da nossa cultura.

Se as máscaras do ex-governador de São Paulo José Serra e da ex-senadora Marina Silva abarrotam estoques, não é por serem feias ou bonitas, bem desenhadas ou extravagantes, mas porque ambos perderam as eleições. O caleidoscópio da paisagem desenhada pelo povo nada mais é que um desfile de personagens e suas representações. Assim, quem perdeu posição na política fica fora de foco, com exceção de quem consegue pular na gangorra, subindo e descendo, como Geraldo Alckmin, por exemplo, ou de figurantes que furam a névoa do tempo, como José Sarney e Paulo Maluf, cujas máscaras continuam à disposição em qualquer loja do ramo. O que tem chamado a atenção, porém, é a pequena atração exercida ultimamente por Serra, seja no mostruário das máscaras, seja no próprio palco da política. A sensação é de que o ex-candidato a presidente se encontra, agora, num patamar exageradamente baixo no ranking da influência. Ou, em outras letras, atende no balcão de fundo. O que teria acontecido para distanciamento tão acentuado, considerando que, mesmo derrotado no último pleito, chegou a ter quase 44 milhões de votos? Tentemos algumas hipóteses, a começar pela onda governista, que, na abertura de ciclos administrativos, invade fronteiras, ampliando territórios e apagando rastros das oposições.

Serra, como se sabe, tem sido o alvo mais impactado pela vitória da candidata petista. Seu afastamento do centro político tem que ver com o ditado "quem é dono da flauta dá o tom". Seu toque é débil. Neste momento, a orquestra tucana parece desafinada ante a regência (precária) de Sérgio Guerra, que pleiteia voltar ao comando do partido. Os acordes mais afinados são dados pelo maestro Fernando Henrique Cardoso, aliás, deixado à margem por ocasião da campanha presidencial, sob o argumento de que poderia ser alvo fácil de bombardeio. O fato é que o PSDB dá sinais de que o perfil em ascensão na floresta tucana e nas hostes oposicionistas é o do senador Aécio Neves, cujo bom desempenho em Minas Gerais (além de sua eleição, contabiliza a vitória do governador Antonio Anastasia e a do senador Itamar Franco) o habilita a ser o principal jogador no tabuleiro de 2014. E é fato também que o PSDB atravessa uma das curvas mais fechadas de sua trajetória. Mais que uma disputa envolvendo lideranças, o partido vive uma crise de identidade. Ao longo dos anos foi forçado a repartir o escopo da social-democracia com outras siglas, incluindo o PT. Desde que foi criado, em 1988, sempre circulou pelo meio da pirâmide - classes médias, profissionais liberais, núcleos acadêmicos e formadores de opinião -, nunca frequentando as margens. Ganhou, com alguma razão, o selo de partido elitista.

É visível o esforço do ex-presidente FHC para oferecer um norte aos tucanos desorientados. Basta ler a orientação tática e estratégica que o ex-presidente fornece nas pistas dos temas prioritários e formas de atuação política, objeto de seu artigo Tempo de muda, neste jornal (6/2). Abrir o verbo e falar forte, conforme sugere o sociólogo à oposição, seria, afinal de contas, bom conselho? Ou será que faltam interlocutores e ouvintes? Montaigne dizia que o poder da palavra pertence metade a quem fala e metade a quem ouve. Donde se pinça a dúvida: quem está motivado a ouvir a mensagem da oposição? Os milhões de eleitores que votaram em Serra continuam fiéis a ele? É sabido que a mudança no campo da adesão eleitoral é intensa, principalmente num país de comportamento volúvel como o nosso. Os votos de ontem podem já não ser os de hoje, seja por causa da atração fatal exercida pelo governismo, seja pela identificação do povo com os novos condimentos adicionados ao tempero social. A maioria da população parece contente com os novos ares, sob o abrigo social agora administrado pela nova governante. Por conseguinte, o anzol oposicionista não consegue fazer boa pescaria, a não ser fisgar um grupo de peixes que habita o centro da lagoa.

Se as oposições pretendem botar a locomotiva na linha para puxar um trem social mais comprido, hão de arrumar estratégias que abarquem a reorganização partidária, visando, primeiro, ao pleito municipal de 2012. Os primeiros tijolos do edifício político são feitos com o barro dos municípios. E, convenhamos, o PSDB deles está distante, enquanto o DEM definha a olhos vistos. Qualquer projeto de poder sem sólida base municipal equivale a castelos construídos na areia. As querelas internas, por seu lado, estiolam a meta da unidade oposicionista. Por último, a lembrança de que horizontes mais abertos para as forças oposicionistas passam, necessariamente, pelos bons ventos a serem soprados pelas administrações dos dois maiores colégios eleitorais do País: São Paulo e Minas. Desafio maior: seus governantes deverão azeitar intensamente as máquinas para evitar o corrosivo desgaste de material.

Jornalista, é professor titular da USP

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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