A natureza ou a divina providência não leem jornais, assistem à TV ou se interessam pelos imbróglios armados pela humanidade. Seguem os roteiros, insensíveis aos seus devastadores efeitos. Nós, ao contrário, estamos condenados a uma eterna dependência noticiosa para saber o que nossos semelhantes estão aprontando nos quatro cantos do globo e que invariavelmente acabam por nos enredar. Há momentos em que a ira da natureza - ou dos deuses - junta-se à dos homens.
Como agora. Quinta-feira à noite, as análises dos especialistas internacionais eram sombrias diante da eminência de um banho de sangue na Líbia, do novo barril de pólvora que se acendia às margens do Mediterrâneo e do sacolejo que a onda verde (ou revolta árabe) causará na economia global ainda hospitalizada desde a crise de 2008.
Na manhã seguinte, pela TV e internet, testemunhamos em tempo real-virtual o abalo que o fortíssimo terremoto e o devastador tsunami provocaram no Japão - uma das sociedades mais avançadas, disciplinadas e prudentes do mundo, terceira economia mundial.
A catástrofe dita natural nos remete à fragilidade da nossa espécie e do nosso modo de vida, já o morticínio no norte da África funciona como advertência contra nossa irreprimível vocação para o autoengano e ilusões.
O ditador egípcio Hosni Mubarak caiu em 18 dias, apostava-se que o déspota líbio Muamar Kadafi também despencasse, talvez num prazo ligeiramente maior e que o paradigma logo se propagaria pela região.
Negativo: o clã Kadafi está militarmente firme, pronto para esmagar os rebeldes, a não ser que caia do céu, literalmente, uma ajuda externa. Esta ajuda não poderá vir das potências ocidentais que, desta vez, só tomarão alguma iniciativa militar com o suporte legal da ONU. Como este suporte seria liminarmente vetado pela China e Rússia, sócias-atletas do clube das autocracias e violadoras dos direitos humanos, qualquer tipo de intervenção pacificadora só poderia vir da Liga Árabe reunida no Cairo.
Fundada em 1945, a entidade tem um relativo peso político devido às divergências entre os interesses de seus 22 membros. Um eventual apoio aos rebeldes líbios significará um sinal verde aos insurgentes do Iêmen, Bahrein e Arábia Saudita o que criaria uma situação paradoxal: o triunfo do tirano "socialista" Kadafi servindo de inspiração aos conservadores regimes repressivos ora ameaçados, especialmente a Arábia Saudita que tem grande força dentro da Liga.
O poderoso Egito, ainda não estabilizado depois do turbilhão que decapitou o seu dirigente Hosni Mubarak, teria ponderáveis razões humanitárias para intervir em benefício do fragmentado vizinho: dezenas de milhares egípcios que trabalham na Líbia se acotovelam, famintos, há algumas semanas na fronteira.
Algum tipo de ajuda poderia abrir negociações entre os diferentes atores do conflito líbio oferecendo uma saída honrosa aos Kadafi e uma oportunidade ao estamento militar egípcio para consolidar sua função institucional.
De qualquer forma, uma nova realidade: a lenta recuperação da economia mundial foi subitamente estancada pelo forte aumento no preço do petróleo acionado pelo tsunami árabe. Associado ao catastrófico terremoto-tsunami ocorrido no Japão escancara-se uma agourenta conjunção de fúrias como há muito não se via.
Alberto Dines é jornalista
FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Como agora. Quinta-feira à noite, as análises dos especialistas internacionais eram sombrias diante da eminência de um banho de sangue na Líbia, do novo barril de pólvora que se acendia às margens do Mediterrâneo e do sacolejo que a onda verde (ou revolta árabe) causará na economia global ainda hospitalizada desde a crise de 2008.
Na manhã seguinte, pela TV e internet, testemunhamos em tempo real-virtual o abalo que o fortíssimo terremoto e o devastador tsunami provocaram no Japão - uma das sociedades mais avançadas, disciplinadas e prudentes do mundo, terceira economia mundial.
A catástrofe dita natural nos remete à fragilidade da nossa espécie e do nosso modo de vida, já o morticínio no norte da África funciona como advertência contra nossa irreprimível vocação para o autoengano e ilusões.
O ditador egípcio Hosni Mubarak caiu em 18 dias, apostava-se que o déspota líbio Muamar Kadafi também despencasse, talvez num prazo ligeiramente maior e que o paradigma logo se propagaria pela região.
Negativo: o clã Kadafi está militarmente firme, pronto para esmagar os rebeldes, a não ser que caia do céu, literalmente, uma ajuda externa. Esta ajuda não poderá vir das potências ocidentais que, desta vez, só tomarão alguma iniciativa militar com o suporte legal da ONU. Como este suporte seria liminarmente vetado pela China e Rússia, sócias-atletas do clube das autocracias e violadoras dos direitos humanos, qualquer tipo de intervenção pacificadora só poderia vir da Liga Árabe reunida no Cairo.
Fundada em 1945, a entidade tem um relativo peso político devido às divergências entre os interesses de seus 22 membros. Um eventual apoio aos rebeldes líbios significará um sinal verde aos insurgentes do Iêmen, Bahrein e Arábia Saudita o que criaria uma situação paradoxal: o triunfo do tirano "socialista" Kadafi servindo de inspiração aos conservadores regimes repressivos ora ameaçados, especialmente a Arábia Saudita que tem grande força dentro da Liga.
O poderoso Egito, ainda não estabilizado depois do turbilhão que decapitou o seu dirigente Hosni Mubarak, teria ponderáveis razões humanitárias para intervir em benefício do fragmentado vizinho: dezenas de milhares egípcios que trabalham na Líbia se acotovelam, famintos, há algumas semanas na fronteira.
Algum tipo de ajuda poderia abrir negociações entre os diferentes atores do conflito líbio oferecendo uma saída honrosa aos Kadafi e uma oportunidade ao estamento militar egípcio para consolidar sua função institucional.
De qualquer forma, uma nova realidade: a lenta recuperação da economia mundial foi subitamente estancada pelo forte aumento no preço do petróleo acionado pelo tsunami árabe. Associado ao catastrófico terremoto-tsunami ocorrido no Japão escancara-se uma agourenta conjunção de fúrias como há muito não se via.
Alberto Dines é jornalista
FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)
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