Ainda não se inventou nada menos relativo do que a democracia, entre as demais maneiras de governar, a concluir diante do que se vê na periferia de um mundo que, em vez de resolver, complica os problemas universais – é o que se pode admitir como variante do que disse o velho Winston Churchill a propósito do eterno tema da democracia, quando considerou a questão, ao jeito vitoriano de ver o futuro como projeção do passado. No qual, sem favor, foi dos últimos a apostar.
As diferenças entre a democracia e as outras maneiras de proceder no governo se mantêm e podem variar aqui e ali, mas – em princípio – guardam distância, que não podem reduzir sem apressar as consequências. Se cederem à tentação de se aproximarem, nenhum dos dois pilares da democracia – governo e oposição – sobreviverá para documentar à luz da História o que tiver acontecido. O ponto fraco desse raciocínio de entressafra é que ainda não entrou em cena quem responsabilize a oposição por alguma criatividade no exercício de qualquer sistema de governo. Ela, oposição, se sente uma eterna excluída. Até hoje não passou de um mal indispensável o tributo que a democracia é obrigada a pagar. Nega-se à oposição status de poder, e essa discriminação a obriga a ser a irmã mais velha do governo, com as implicâncias inatas à função de solteirona que lhe coube na distribuição de papéis nesta peça sem fim. Em princípio, um bom governo, daqueles que só existem na teoria, dispensaria na prática a necessidade de oposição. Mas tão difícil quanto um bom governo é uma oposição à altura. Também em princípio, um governo não consegue ser considerado bom por todos os governados. A questão não é de fácil encaminhamento. E oBrasil mantém um passivo grande de contas a ajustar um dia.
Na sequência que intercalou ditaduras e regimes constitucionais na História do Brasil no século 20, o período mais quente se registrou sob a Constituição de 1946, quando a oposição saiu do zero graças aos triunfos aliados nos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial e deu a impressão de que chegaria ao poder na primeira eleição presidencial. Mas foram três derrotas seguidas e uma vitória tardia com Jânio Quadros, e que mal durou um semestre, por excesso de oposicionismo acumulado numa proposta – União Democrática Nacional – que, dentro do governo, continuou a pensar e agir como se ainda estivesse fora. E o presidente eleito, de vassoura na mão, não sabia a quantas andava porque ainda não vicejava no Brasil a pesquisa de opinião que faz a cabeça dos governantes. Ou seja, o nível de exigência estava acima do tolerável e o próprio presidente, num momento de lucidez (segundo uns) ou de insanidade (conforme outros), renunciou por falta de meios e de tempo para dar conta da missão. O ciclo militar veio nas consequências do desatino, e a ditadura sucedeu ao parlamentarismo de fachada, atrás do qual se batia cabeça com cabeça e, mais uma vez, a esquerda pagou a conta da despesa de direita.
Mas a história não termina por aí. A ditadura teve, evidentemente a contragosto, uma oposição de origem múltipla e eficácia limitada num Congresso Nacional esvaziado de função política e agraciado com vantagens que se multiplicaram e se enraizaram com o tempo. Oposição a favor não se sustenta. A que se reorganizou no final salvou o último ato de uma história mal contada e pouco avaliada nas consequências que semeou e floresceram com atraso. É por aí que se deveria tomar o fio de uma história referida por alto e com tendência de baixas cotações no exercício parlamentar.
A falta que faz uma boa oposição não se deve à inexistência apenas de uma teoria ainda nem formulada mas de uma iniciativa nascida do instinto de sobrevivência, que não é o último mas o primeiro a se retirar. Democracias se medem é nessas horas, cujo mostrador são os fatos vistos contra a luz.
Wilson Figueiredo escreve nesta coluna aos sábados e terças-feiras.
FONTE: JORNAL DO BRASIL
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