terça-feira, 5 de abril de 2011

Governo cinzento :: Marco Antonio Villa

Analisar a política brasileira não é tarefa fácil. Nada parece ser o que realmente é. O cenário sempre é confuso. Verdade e mentira se misturam facilmente. O diz que diz supera a discussão programática. Há um gosto especial pela fofoca, pela pequena política. As polêmicas tem a profundidade de um pires.

A presidente Dilma completou cem dias de mandato. É vista como um verdadeiro fenômeno. Elogiada por todos, até pela oposição. Todos louvam sua habilidade política e a capacidade gerencial. Alguns lamentam ter votado na oposição, tão eficiente é a sua gestão.

Contudo, ninguém consegue identificar algo relevante realizado pela presidente nestes cem dias. O que ela realizou de tão brilhante? Quais os projetos apresentados? E os resultados daqueles desenvolvidos desde 2003? Ninguém sabe, ninguém viu. Só os áulicos - e haja áulico como no Brasil - é que saúdam o nada, o vazio. Pior, o governo revelou incapacidade e inoperância administrativas raramente vistas no Brasil.

Vamos aos fatos. Nos últimos três anos cresceu a demanda por etanol em mais de 70%. Já a oferta cresceu cerca de 20%. O resultado só poderia ser este a que estamos assistindo: desabastecimento somado com uma disparada nos preços. Frente à grave situação, o governo resolveu importar etanol e aumentar a adição de água. Convenhamos, é inacreditável. A presidente tem quatro ministérios que poderiam ter observado esse problema no seu nascedouro: Minas e Energia, Agricultura, Planejamento, além da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Claro que esses ministros não se destacam pela competência, vivacidade, brilho e conhecimento das áreas pelas quais são responsáveis. Mas não é um problema nosso. Qualquer pessoa sensata não convidaria Edison Lobão sequer para tomar um café; mas a presidente o convidou para gerir um dos ministérios mais importantes do seu governo.

As grandes obras civis do PAC são um fracasso. Os episódios de Jirau foram a gota-d"agua. Das poucas obras que estão sendo realizadas, todas estão com os cronogramas atrasados, o que aumenta ainda mais os custos, além de deixar de apresentar resultados no prazo estipulado. A infraestrutura do país está em frangalhos. Nada funciona a contento. Todos os principais portos têm graves problemas. As estradas de rodagem federais estão abandonadas. Basta uma chuva para que desabem dezenas de pontes, criando sérios obstáculos à circulação de pessoas e mercadorias.

A economia está sem direção. A meta da inflação de 2010 foi superada, e a de 2011 - ainda em março - foi considerada pelo BC como inviável. Portanto, teremos dois anos (alguns estimam também que em 2012 o fato vai se repetir) com as metas estouradas. A presidente assiste passivamente à disparada dos preços e à retomada paulatina da indexação. Vê dentro do próprio Palácio uma guerra surda contra o titular da Fazenda. Nada faz. No fundo, até gostaria de rapidamente se livrar de um ministro que não foi escolhido por ela. No Brasil presidencialista, o Ministério é formado por imposições (não indicações) de oligarcas e, como no caso atual, por solicitações pessoais do ex-presidente Lula.

Os programas sociais patinam. Minha Casa, Minha Vida" não conseguiu atingir sequer 20% da meta. Mesmo assim, demonstrando enorme eficácia propagandista, foi lançada a segunda etapa, isto quando faltam entregar 80% das casas da fase anterior.

E a Educação e Ciência e Tecnologia? Como é possível desejar ser um país emergente com os péssimos indicadores nestas duas áreas? Faltam verbas e, inegável reconhecer, faltam gestores. Os dois ministros são ruins. O que foi planejado nestes cem dias? Quais os passos dados para alcançar as metas? O Brasil comemora ser sede de uma Copa do Mundo. Claro que é bom, mas quando comemoraremos um Prêmio Nobel de Física?

Falando em Copa do Mundo, é notável a incompetência dos gestores, especialmente do ministro Orlando Silva. Tudo caminha para o improviso e para a realização de obras com licitações duvidosas, justificadas pela necessidade do evento cumprir o cronograma. Quaisquer crítica ou denúncia serão consideradas impatrióticas, claro. Silva, ainda nos vemos, mas onde está o titular do Turismo? Em São Luís? Como é mesmo o nome dele?

A ineficácia governamental é evidente. A máquina está inchada. Virou (e já faz algum tempo) instrumento de apresamento partidário. A quantidade de ministérios é tão grande que a presidente não deve se lembrar de todos. Mas, não satisfeita com a estrutura herdada de Lula, resolveu deixar a sua marca: criou mais um ministério, o das Pequenas Empresas. Mesmo assim não ficou plenamente satisfeita: vai criar mais um, o da Aviação Civil. Somos, entre as democracias ocidentais, o país que tem o maior número de ministérios.

Deveríamos ter um planejamento estratégico. Mas como tê-lo tendo à frente da secretaria Moreira Franco? Como falar em planejamento, se o ministério que leva este nome só faz o orçamento (e mal, como vimos, com os cortes de 50 bilhões)? Como pensar e bem planejar o futuro?

O país vai caminhando como um avião com piloto automático. Não deverá ocorrer alguma bobagem, mas também não haverá nenhuma ousadia. Faremos a lição como um aluno bem-comportado, como aqueles que não pensam, mas reproduzem docilmente às solicitações da professora. Estamos perdendo um tempo precioso. O Brasil pode aproveitar muito bem suas potencialidades, ser ousado. Deixar de lado elogios baratos é um bom começo. Reconhecer que o governo é cinzento revela somente realismo.

Marco Antonio Villa é historiador.

FONTE: O GLOBO

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