Segundo matéria do jornal "O Estado de S. Paulo" de sexta-feira passada, entre os 40 países mais importantes do mundo, somente dez praticam hoje taxas reais de juros positiva, entre elas o Brasil, o recordista em juros altos. A taxa real de juros no Brasil de 6,8%, seguida do Chile com 1,5%, Austrália com 1,4%, África do Sul e Hungria com 1,2%, México com 1,1%, China e Colômbia com 1% e assim por adiante. Esses países também elevaram a taxa de juros para enfrentar pressões inflacionárias da mesma forma que o Brasil. Por que praticamos, cronicamente, um diferencial tão elevado de taxa de juros?
Os tradicionais culpados são o déficit público e a elevada dívida pública. Mas, neste particular, fizemos importantes avanços: o nosso déficit público, de cerca de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB), é baixo comparativamente à maioria dos países na lista acima e, mesmo em relação à dívida pública bruta, também melhoramos: o prazo médio é ainda hoje de 3,5 anos, mas melhor do que no passado; o risco de financiamento é elevado, mas diminuiu significativamente, sendo de cerca de um quarto a parcela vencendo em 12 meses; o risco de taxa de juros também caiu, a parcela da dívida pública indexada à taxa de juros e à taxa de câmbio, de cerca de 90% da dívida total, em 2002, caiu para 36,7%, em 2010.
Estes e outros avanços, em termos de estabilidade macroeconômica, permitiram uma queda significativa na taxa real de juros nos últimos anos. Entretanto é preciso lembrar que avanços na área fiscal e na estabilidade macroeconômica explicam a queda na curva de juros na sua ponta mais longa, que é comparativamente muito curta no Brasil. Com certeza, novos avanços na área fiscal e o aperfeiçoamento das suas instituições são fundamentais para derrubar a curva de juros na sua ponta mais longa.
Entretanto, a configuração da curva de taxa de juros no Brasil ainda nos coloca duas questões. Primeira, por que com os avanços fiscais e melhoria no perfil da dívida pública não houve avanço correspondente com o desenvolvimento do mercado de títulos de longo prazo no Brasil? O prazo médio do estoque da dívida pública é ainda de apenas 3,5 anos. Se a causa de juros elevado tem origem no setor público, por que o mercado privado de títulos de longo prazo não se desenvolve no Brasil? Segunda, por que o Banco Central, que atua na outra extremidade mais curta da curva de juros, pratica taxas de juros tão elevadas? Afinal, o Banco Central tem o monopólio da emissão de moeda de curso forçado, portanto, é única entidade absolutamente líquida, consequentemente, sem risco. Por que tal entidade tem que pagar taxas de juros tão elevadas no Brasil?
Essas questões nos remetem às regras operacionais do Banco Central, que foram implantadas no período de alta inflação e permanecem intactas, mesmo depois de mais de 15 anos de estabilização da inflação. No período de inflação alta, o risco da variação da taxa de juros é muito elevada, pois a inflação acelerava muito rapidamente, colocando em risco todo o sistema financeiro. Para reduzir esse risco, os ativos financeiros foram indexados à taxa diária de juros, de modo que sua variação mantinha os seus preços constantes.
Além disso, com alta inflação, toda a dívida pública (LFTs) era refinanciada diariamente no overnight, pagando a taxa de juros Selic. Com isso, o Banco Central passou a fixar diariamente a Selic, que permitia ao Tesouro Nacional refinanciar a sua dívida pública. Inacreditavelmente, o Banco Central mantém esse sistema monetário, que era funcional no periodo de hiperinflação, até hoje.
Mas a consequência prática desse sistema é que o Banco Central, pagando ainda hoje a taxa de juros Selic, que corrige os títulos públicos de longo prazo e incorpora prêmios de liquidez e de riscos, nas operações de overnight e compromissadas, aprisionou toda poupança nacional no mercado de moeda de curtíssimo prazo. As consequências dessas regras operacionais são devastadoras.
O sistema bancário, para competir com o Banco Central, tem que pagar aos seus depositantes, taxas de juros mais elevadas que a Selic e, ainda garantir também liquidez, portanto quase tudo está indexado ao CDI. Da mesma forma, no mercado de capitais, as operações tem, obrigatoriamente, um piso de retorno elevado estabelecido pela Selic, o que dificulta o seu desenvolvimento.
O Tesouro Nacional, por sua vez tem um concorrente que paga a mesma taxa de juros Selic nas operações overnight, que ele paga por seus títulos, mas que ainda garante liquidez imediata aos bancos. Diante desse concorrente não conseguirá alongar o prazo da sua dívida pública, mesmo que venha a ter superávits sistematicamente.
Diante desse quadro monetário, o Banco Central aprisiona, na ponta curta da curva de taxa juros, praticamente toda a poupança financeira do país e, portanto, inviabiliza a criação de um mercado de poupança. Nesse mercado é que deveriam ser negociados os títulos de dívida pública de longo prazo. O mercado de títulos privados de longo prazo também não tem como prosperar. Portanto, para reduzir a taxa de juros no Brasil é preciso desmontar esse sistema anacrônico, um verdadeiro entulho herdado do período de hiperinflação, que trava o desenvolvimento do país.
Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP,
FONTE: VALOR ECONÔMICO
Nenhum comentário:
Postar um comentário