É no raio de ação do Ministério da Saúde, e sem necessidade de chantagear o contribuinte com a ameaça de uma nova CPMF embutida na Emenda 29, como vem fazendo a Frente Nacional do setor que atua no Congresso, que o governo Dilma vem realizando um propósito, declarado há cerca de quatro meses a um grupo de ministros, anunciado como ordem em reunião no gabinete presidencial do Palácio do Planalto. A presidente registrou, naquele dia, surpreendendo a todos, as mudanças que elevaram à classe média milhares de brasileiros, alertou que era necessário dar continuidade à atenção a eles dedicada até aqui e pediu que fossem estudadas medidas específicas para o grupo.
O programa de erradicação da miséria seria um passo à frente na trajetória do Bolsa Família, de resgate dos mais pobres, mas haveria necessidade urgente de ter políticas para atender a um grande número de pessoas em ascensão social. Essas, as pesquisas já mostram ao governo, querem ter educação, boas escolas para seus filhos, querem consumir coisas de melhor qualidade e saúde. Principalmente desejam que seus planos de saúde, e boa parte delas os tem, lhes dê a assistência que buscaram ao contratá-los.
Na educação, a presidente pediu ampliação da estrutura física no ensino superior, ou seja, do número de universidades, embora nessa seara o problema maior sempre tenha sido e continua a ser nos níveis educacionais básicos, tanto em quantidade quanto em qualidade. Mas a presidente faz questão de ter iniciativas específicas para a classe média e esta almeja a educação superior. Determinou ampliação da formação para o trabalho em escolas técnicas, e ampliação da formação em pós-graduação, as bolsas para cientistas no exterior.
Saúde é a área mais avançada em atenções à classe média
O que ela pretende, explicam seus auxiliares, é possibilitar a formação para o trabalho ao mesmo tempo que, na pós-graduação, pessoas com formação em alto nível tenham condições de atuar, formar uma "consciência crítica" na sociedade por intermédio da vida universitária.
"A China fez isso muito bem, o Brasil também precisa ter uma elite preparada, precisa dar conta desse contingente que quer elevar seu padrão de vida", argumenta autoridade da Presidência. Com certeza, uma conversa em outro rumo ao que tomou o PT nos dois mandatos do ex-presidente Lula.
Ainda não há respostas a essas encomendas, mas na saúde já existem. Pesquisas qualitativas mostram a eficácia das novas medidas, duas delas com resultados contabilizados.
A primeira, adotada em meados de fevereiro, com pouco mais de um mês da atual gestão, foi o programa que garante medicamentos gratuitos para hipertensão e diabetes na rede de farmácias privadas que têm farmácia popular.
Já são 17 mil farmácias cadastradas e o interessado pode obter o medicamento independentemente de ter uma receita do SUS, do consultoria particular, do plano de saúde. O programa atinge todas as classes sociais mas o governo já guarda dados de pesquisa qualitativa revelando que houve uma resposta muito forte na classe média.
A pesquisa mostra que o programa atingiu a classe B, C e parte da A, principalmente uma faixa preponderante de idosos que usa medicamentos para hipertensão e diabetes. Em seis meses de programa, segundo registros do ministro Alexandre Padilha, houve um aumento de 212% no número de hipertensos com acesso aos medicamentos e aumentou em 153% o número de diabéticos que foram buscar remédios na farmácia da rede privada. Há redes inteiras de farmácias cadastradas no Ministério da Saúde e o programa já atingiu mais de 5 milhões de hipertensos e diabéticos.
Um segundo grupo de iniciativas com impacto direto sobre a classe média, sobretudo a que contrata planos de saúde, está na área da saúde suplementar. Os balanços do Ministério mostram um recorde, nesses primeiros seis meses de gestão, no ressarcimento dos planos de saúde aos SUS, maior do que nos últimos três anos acumulados.
Outra medida foi a resolução da Agência Nacional de Saude que estabelece tempo médio de espera para procedimentos dos planos de saúde. Publicada em junho, a determinação entra em vigor em setembro próximo, dando tempo aos planos para se adaptarem. Esse programa tem um toque sensível à classe média de pequenos municípios. Com plano de saúde mas sem atendimento no local onde mora, o cidadão pode exigir do plano a garantia de transporte para outra localidade.
Também na ANS, foi adotada a medida da portabilidade do plano. Para o aposentado ou para quem deixa o emprego demitido onde tinha um plano coletivo, o contribuinte pode migrar para outro e levar a carência, por exemplo. E, mais uma que entrou ontem em consulta pública, também em saúde suplementar, trata de uma regra que garante incentivos dos planos de saúde, com descontos promocionais, para quem realizar atividades preventivas de proteção à sua saúde. Como, por exemplo, atividade física em academia ou participação em programa para parar de fumar.
A mais recente encomenda da presidente é a implantação de um programa nacional, do Ministério da Saúde, do que chamam no governo de interação domiciliar, o "home care".
Será executado através de repasses para Estados e Municípios que pagarão as equipes, vinculadas a hospitais, encarregadas de treinar o atendimento em casa.
Até o fim deste ano, o governo quer ter 250 equipes funcionando no novo programa.
Dilma Rousseff resolveu não dormir no ponto nesta questão. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro a refletir sobre a ascensão de um novo e numeroso contingente populacional à classe média e sugerir ao seu partido que tomasse a si um discurso e um projeto de país voltado a esse grupo. Depois dele, houve uma constatação unânime dos cientistas políticos de que a classe média, nova e antiga, está mesmo a merecer um trabalho de conquista política. E, sobretudo, eleitoral. Certamente as próximas eleições mostrarão a força real desse grupo. Para a presidente Dilma, que em termos de ação pode sair na frente, a classe média transformou-se em uma obsessão.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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