César Felício
BUENOS AIRES - Favorita absoluta para se reeleger na Argentina, a presidente Cristina Kirchner não terá carta branca do Congresso nos próximos dois anos para mudanças radicais, como alterar a Constituição e viabilizar sua permanência no poder além de 2015. As regras institucionais no país fazem com que a votação de Cristina para a Presidência -que poderá superar 60% dos votos válidos, segundo as últimas pesquisas - não se reflita na composição da Câmara e do Senado em 2012 e 2013.
A presidente deverá obter entre 120 e 135 dos 257 deputados e entre 36 a 40 dos 72 senadores, segundo a avaliação de cientistas políticos, com base na eleição primária de agosto. Hoje, ela está em minoria nas duas Casas, com 112 deputados aliados na Câmara e 36 senadores próximos. Mas Cristina deve ficar muito longe da força que teve em 2007, quando chegou à Presidência escoltada por 153 deputados e 47 senadores.
A oposição será muito mais forte no Congresso do que nas ruas porque a Argentina adota o sistema de renovação parcial nas duas casas. Agora será renovada a metade dos deputados e um terço dos senadores e quem está terminando o mandato é justamente a parcela que começou em 2007, quando os governistas tiveram uma grande vitória. Os oposicionistas eleitos em 2009, eleição em que o governo perdeu, terão mandato até 2013. É o caso, entre outros, do deputado Ricardo Alfonsín, candidato presidencial da União Cívica Radical, que deve ficar em quarto lugar na eleição deste ano.
"É muito difícil na próxima legislatura mudar a Constituição para Cristina ter um novo mandato em 2015 como presidente ou primeira-ministra", disse o cientista político Diego Raus, da Universidade de Buenos Aires (UBA). Segundo Raus, para viabilizar algum projeto continuísta, o kirchnerismo teria que fazer um pacto com grande parte da oposição.
A possibilidade de um projeto continuísta de Cristina é citada como uma ameaça real por candidatos oposicionistas e envolveria a mudança do sistema de governo para o parlamentarismo. O tema ganhou o primeiro plano pela iniciativa da candidata presidencial anti-kirchnerista Elisa Carrió, que acusou o socialista Hermes Binner, segundo nas pesquisas, de ser aberto a uma composição com Cristina, já que o parlamentarismo está em seu programa de governo.
O processo de mudança constitucional na Argentina é mais complexo que o brasileiro. O governo precisaria de maioria de dois terços na Câmara e no Senado para convocar uma eleição constituinte exclusiva para avaliar a proposta de mudança. Os eleitos se reuniriam e poderiam votar apenas "sim" ou "não", sem alterar o texto. Quando Carlos Menem alterou a Constituição em 1993, fez um acordo com a oposição, liderada então pelo ex-presidente Raúl Alfonsín, que ficou conhecido como "pacto de Olivos". Binner negou a possibilidade de reeditar o acordo.
Se Cristina obtiver uma ampla vitória na eleição parlamentar de 2013, quando se renovam as cadeiras ganhas pela oposição em 2009, poderia pensar relançar o debate.
O continuísmo está no DNA do kirchnerismo. Quando governador de Santa Cruz, o falecido marido de Cristina, Nestor Kirchner, que seria presidente entre 2003 e 2007, alterou a Constituição estadual para garantir a reeleição sem limites na Província.
Entre os seus aliados mais próximos, o único contudo que manifestou simpatia pelo tema não está na esfera eleitoral: é o ministro da Suprema Corte Eugenio Zaffaroni, um defensor do parlamentarismo desde 2007. "Um fator que mantém esta possibilidade viva é que o governo, mesmo não tendo uma força equivalente no Congresso, estará com seu bloco unido e a oposição permanecerá fragmentada", opinou o cientista político Julio Burdman, da empresa de consultoria Analytica.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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