A crise deflagrada com as denúncias de corrupção no Ministério do Esporte deverá custar ao PCdoB o comando da pasta. O Palácio do Planalto já avisou dirigentes do partido que a própria imagem do governo da presidente Dilma Rousseff começa a ficar desgastada. O PCdoB comanda o ministério há quase nove anos, desde o início do governo Lula, e manteve o cargo com Dilma, mesmo diante dos desvios no programa Segundo Tempo constatados nos últimos anos pela Controladoria Geral da União, que cobra a devolução de R$ 49 milhões repassados em 67 convênios. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pedirá abertura de inquérito no STF para investigar as denúncias contra o ministro Orlando Silva e seu antecessor no cargo, Agnelo Queiroz
É hora de sair, companheiros
Planalto avisa ao PCdoB que partido deve entregar logo o Esporte, e ministro, o cargo
Gerson Camarotti e Maria Lima
Sem conseguir conter a crise política que envolve o ministro do Esporte, Orlando Silva, e seu partido, o Palácio do Planalto já emitiu sinais de que seria melhor o PCdoB entregar logo o cargo e conduzir o processo de saída do ministro. Segundo interlocutores da presidente Dilma Rousseff, quanto mais demorar essa solução, mais o PCdoB e o governo ficarão fragilizados. Dilma chega hoje à noite da viagem à África e pode se encontrar ainda hoje com Orlando e com o presidente do PCdoB, Renato Rabelo. Dirigentes do partido já admitiam reservadamente que podem ficar sem o Ministério do Esporte, tamanho o desgaste político.
O desgaste atinge não só o ministro, que está no foco de denúncias de irregularidades, mas todo o partido, uma vez que o PCdoB comanda a pasta há quase nove anos, desde o primeiro ano do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E desgasta a imagem do governo da presidente Dilma, que manteve o partido à frente do Esporte mesmo ciente dos desvios no programa Segundo Tempo nos últimos anos - a Controladoria Geral da União (CGU) apontou irregularidades em 67 convênios e o governo cobra mais de R$49 milhões em recursos desviados por ONGs, prefeituras e governos estaduais desde 2006.
Enquanto estava em Moçambique, ontem, a presidente Dilma foi informada por auxiliares do Palácio do Planalto que o tiroteio contra Orlando se intensificou, apesar das explicações do ministro e da avaliação política de que ele teve bom desempenho nos depoimentos na Câmara e no Senado. Já é reconhecido no núcleo do governo de que o ministro do Esporte está extremamente fragilizado, e que, se ficar no cargo, será uma espécie de "fantasma" até sua substituição definitiva na reforma ministerial que deve ocorrer em janeiro.
Integrantes do PCdoB receberam o recado do Planalto. Procurado pelo GLOBO, o presidente do partido, Renato Rabelo, reagiu à possibilidade de conduzir a saída de Orlando. Disse que conversaria com a presidente Dilma para avaliar a situação, mas adiantou que não aceita fazer acordo para a substituição do ministro.
- Pela boa relação que temos, vou conversar com a presidente Dilma e ouvir a opinião dela. Quando Dilma chegar, vou deixar claro que o ministro é dela. Ela é que decide. Neste caso, a dinâmica (para desgastar os ministros) se repete. Mas o PCdoB reage diferente. Há uma tentativa de desidratar o ministro e dizer que ele é politicamente inviável - disse Rabelo. - Foi criada a seguinte situação: "Como vou manter um ministro que está com desgaste?". Mas o PCdoB não vai piscar primeiro, não fazemos acordo assim. Vou falar para a presidente: "O ministro é seu".
Nas conversas de bastidores, setores do PCdoB apostavam na conversa com a presidente para tentar reverter o quadro, embora já admitindo que, se não receberem uma manifestação clara de apoio político de Dilma, a permanência no governo ficará inviável.
- Na luta política, não adianta só o que é justo. Depende muito da capacidade de reunir forças. E sem o governo do nosso lado, não teremos forças - reconheceu um líder do PCdoB.
Uma outra preocupação, essa mais pragmática, rondava ontem o PCdoB: os ataques ao ministro Orlando começam a atingir outros membros da legenda, com potenciais prejuízos eleitorais nas eleições municipais do ano que vem. Poderão respingar, principalmente, em nomes do partido que vão disputar eleições majoritárias em 2012. É o Caso das deputadas Manuela D"Ávila (PCdoB-RS), para a prefeitura de Porto Alegre; Perpétua Almeida (PCdoB-AC), de Rio Branco; o presidente da Embratur, Flávio Dino (PCdoB-MA), para a prefeitura de São Luís; e o prefeito de Olinda Renildo Calheiros, que deve disputar a reeleição.
Os comunistas também constatavam que, se fosse na gestão do ex-presidente Lula, o ministro Orlando Silva já estaria blindado - o ministro até já recebeu um telefonema de solidariedade do ex-presidente, no fim de semana. De forma mais discreta, Lula tem defendido a permanência de Orlando, segundo relato de petistas.
Do outro lado, no governo, avalia-se que, apesar de Orlando Silva ter reagido rapidamente às acusações, o ministro e o PCdoB erraram na condução da crise ao partir para o ataque contra o governador Agnelo Queiroz (PT-DF). O PCdoB responsabilizou Agnelo pela proximidade com o soldado João Dias, pivô do escândalo envolvendo denúncias contra o programa Segundo Tempo.
- Não é inteligente colher inimigos entre os aliados, comentou um palaciano.
Diante disso, o PCdoB decidiu mandar emissários para tentar fazer uma reconciliação com o governador petista e, com isso, evitar o fogo cruzado com o aliado histórico. O presidente nacional do PT, Rui Falcão, foi lacônico ao ser questionado se o ministro tinha o apoio dos partidos da base aliada:
- Do PT, até o momento, sim - afirmou Rui Falcão sobre Orlando.
Entre os aliados, mesmo depois do depoimento de Orlando no Senado, o clima é de espera por fatos novos para definir se sustentam ou não sua permanência no cargo.
- A condição política do ministro não é boa, embora seja inquestionável que ele está sendo firme, partindo para cima de seu delator. Mas não ajuda o fato de ele aparecer todo dia nas páginas em denúncias de corrupção, e não para falar da Copa ou das Olimpíadas. Ele terá o apoio até que tudo seja esclarecido. Mas se acontecer um fato novo, ninguém segura - disse um cacique peemedebista.
Dilma monitora passos de Orlando
Da África, onde está desde a manhã de segunda-feira, a presidente Dilma está monitorando todos os passos de Orlando Silva e a repercussão política da crise, tendo avaliado ontem que os esclarecimentos feitos por ele no Congresso foram adequados, porém não suficientes para afastar a pressão política pela sua saída. Nem serviram para eliminar de vez as suspeitas que recaem sobre ele. Quando voltar a Brasília, ela deverá tratar pessoalmente do assunto. Ontem, Dilma chegou a Maputo, onde se encontrou com empresários brasileiros do setor de mineração e da construção civil e depois teve reunião com o presidente Armando Guebuza.
Para tentar minimizar o clima de apreensão na comitiva presidencial na África, o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, repetia ontem o discurso inicial da presidente Dilma, de que o governo continua se valendo da presunção de inocência. E criticou as denúncias sem provas do soldado da PM do Distrito Federal João Dias Ferreira, ex-filiado do PCdoB:
- Ele (João Dias) não tem currículo, ele tem prontuário. Quero ver como ele vai sair dessa.
Além dos depoimentos do ministro e de outras denúncias sobre irregularidades em convênios do Ministério do Esporte, Dilma acompanha atentamente, da viagem, as providências e apurações da Controladoria Geral da União (CGU). O comando do órgão tem mantido a presidente informada sobre a existência ou não de comprometimento do ministro em desvios já constatados.
FONTE: O GLOBO
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