O Senado impôs ontem nova derrota ao Rio e ao Espírito Santo, principais estados produtores de petróleo. Foi aprovado em votação simbólica o texto do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) que redivide todas as receitas da exploração, incluindo as de áreas já licitadas. Rio e ES podem ir ao STF.
Senado aprova proposta de divisão de royalties que prejudica Rio e ES
Perdas chegam a R$7,5 bi em 2019. Com aval da União, texto de Vital do Rêgo muda percentuais de campos de petróleo já licitados e determina que estados não produtores ganhem mais que os produtores, o que, para especialistas, é inconstitucional
Cristiane Jungblut, Mônica Tavares, Martha Beck e Danielle Nogueira
BRASÍLIA e RIO. O Senado impôs ontem nova derrota ao Rio e ao Espírito Santo, principais estados produtores de petróleo do país. Com aval da União, foi aprovado, em votação simbólica, o substitutivo do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), que redivide todas as receitas da exploração, incluindo aquelas obtidas nas áreas já licitadas. A sessão foi pautada por grande tensão e troca de acusações entre os estados produtores e as demais unidades da federação. As perdas para os cofres fluminense e capixaba são estimadas em R$4,3 bilhões somente em 2012, chegando a R$7,5 bilhões sete anos depois. Segundo estimativas do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), somente o Estado do Rio e seus 86 municípios deixarão de ganhar R$3 bilhões já em 2012.
Os estados produtores ficaram ainda mais isolados na votação de ontem do que em 2010, quando passou no Congresso a chamada Emenda Ibsen. Os senadores fluminenses e capixabas acusaram as demais unidades da federação ao longo da sessão de se apropriarem de recursos do Rio e do ES porque não tiveram coragem de de enfrentar a União e a Petrobras, que tiveram seus interesses poupados.
- Esse não é um relatório razoável. Estamos jogando irmão contra irmão, é isso que estamos fazendo - protestou o senador Lindbergh Faria (PT-RJ). - Este substitutivo dos royalties é marcha da insensatez.
- Eu preferia retirar recursos da União, mas (a presidente) Dilma não quis - rebateu Vital do Rêgo.
Dornelles: "Parecer é caótico para o Estado do Rio"
O senador Dornelles disse que, financeiramente, será o "caos" para o Rio:
- Esse parecer é caótico para o Estado do Rio de Janeiro. No campo financeiro, é o caminho do caos.
O governo negociou diretamente com Vital a supressão e a mudança de pontos de seu interesse, que mudavam conceitualmente o marco regulatório. Além disso, conseguiu restabelecer uma fatia de 22% nos royalties do pré-sal sob regime de partilha. O único acordo fechado pelo líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR), que beneficiou Rio e ES foi a eliminação do artigo 5. Este, ao alterar as referências que estabelecem a área de influência dos estados e municípios sobre as bacias de exploração (a "geografia das bacias"), provocaria enorme perda futura de arrecadação aos dois estados produtores.
Projeto segue para Câmara, onde será votado em 30 dias
Na hora da apreciação do substitutivo, na primeira votação simbólica, seis senadores fizeram questão de dizer que tinham votado contra: Ricardo Ferraço (PMDB-ES); Francisco Dornelles (PP-RJ); Marcelo Crivella (PRB-RJ); Ana Rita (PT-ES); Lindbergh Faria (PT-RJ); e Cristovam Buarque (PDT-DF). Na votação suplementar, o senador Magno Malta (PR-ES) também se manifestou.
Os produtores receberam o apoio do DEM e do PSDB e tiveram a oposição de PT e PMDB. Mas as bancadas não seguiram a orientação dos líderes, tendo votado majoritariamente de acordo com os interesses dos seus estados;
Todas as quatro emendas apresentadas pela bancada do Rio na tentativa de alterar o projeto de Vital e restabelecer as receitas dos produtores foram rejeitadas. A do senador Dornelles, que retirava dinheiro da União e das petroleiras para os estados, foi derrotada por 45 votos a 24, além de uma abstenção. No momento da votação, havia 70 senadores em plenário.
Aprovado no Senado, o projeto irá para a Câmara, onde o líder do governo na Casa, Cândido Vaccarezza (PT-SP), disse que só será votado em 30 dias.
O governo conseguiu ainda retirar do texto o artigo 1, que permitia à União entrar em joint ventures com empresas exploradoras diretamente. O marco regulatório original garante à Petrobras a prerrogativa de ser operadora, com 30% do consórcio, de todos os campos do pré-sal sob partilha.
- Foram retirados todos os penduricalhos - resumiu o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE).
A bancada do Rio vai centrar forças agora na votação da Câmara. O chamado Plano B conta ainda com um retorno do texto ao Senado - caso seja alterado pela Câmara -, além de pressionar a presidente Dilma Rousseff pelo veto e ir ao STF.
- O projeto tem muitas inconstitucionalidades. Vamos para a rua fazer campanha pelo veto da Dilma. Não saímos com espírito de derrota - afirmou o Dornelles.
- Não estou desanimado. Perdemos a batalha, mas não a guerra. A guerra vai ser agora na Câmara, no Senado e o empenho maior para que a Dilma vete, porque isso vai inviabilizar o Rio de Janeiro - disse Lindbergh.
No entanto, as sinalizações do Planalto são que um novo veto à redistribuição das receitas do petróleo é muito difícil devido ao alto custo político. Isso porque seria a segunda vez que o Executivo afrontaria uma decisão do Congresso Nacional sobre o mesmo tema e na mesma direção.
A bancada capixaba ameaçou ainda retaliar os não produtores em outras votações:
- Não é pra dividir tudo? Então vamos dividir tudo com todo mundo E quando formos discutir os royalties dos minérios? Todos os estados também poderão querer uma zona franca? - questionou Malta.
Para o advogado Giovani Loss, sócio do escritório Mattos Filho Advogados, alterar contratos de campos já licitados é "sensível juridicamente", uma vez que os governos estaduais e municipais já contam com a renda do petróleo em seus orçamentos. O ponto mais questionável do projeto, porém, é que ele prevê o repasse de um percentual da renda do petróleo maior a estados e municípios não produtores do que o destinado a estados e municípios produtores em 2020, independentemente de serem campos já licitados ou a serem licitados.
Isso fere a Constituição, que prevê, em seu artigo 20, parágrafo primeiro, o tratamento diferenciado para os estados produtores. Isso não significa que os não produtores não tenham direito a uma parcela da receita do petróleo, e sim que a compensação pela atividade petrolífera deve beneficiar mais os diretamente afetados por ela, ou seja, os produtores.
- Os estados não produtores teriam apenas um motivo para receber a compensação da indústria do petróleo: o fato de ele ser um ente da federação. Já os produtores teriam dois motivos: por ser um ente da federação e por ser impactado pela atividade em si - diz Loss.
O coordenador do Grupo de Estudos de Recursos Naturais da Universidade de Brasília (GERN-UnB), o advogado Gustavo Kaercher, lembra ainda que, se o objetivo é alcançar uma equidade distributiva, quem deveria abrir mão dos royalties e PEs nos campos a serem licitados seria a União. Isso porque na partilha a União já fica com o petróleo extraído pelas empresas:
- A União já vai abocanhar o maior pedaço. Não deveria, portanto, ter direito a royalties.
FONTE: O GLOBO
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