terça-feira, 15 de novembro de 2011

UPP social :: Merval Pereira

A qualidade das operações policiais de ocupação das favelas cariocas para a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) tem melhorado a cada nova ação, e a retomada da Rocinha agregou ao respeito aos direitos humanos um fator fundamental para o seu sucesso: o serviço de inteligência que possibilitou a prisão da cúpula do tráfico no morro, especialmente o chefe das operações, o traficante Nem.

Embora as autoridades esclarecessem sempre que o objetivo das ações era retomar o território dominado pelo tráfico, e não prender os traficantes ou tentar acabar com o tráfico de drogas nas comunidades ocupadas, havia sempre a sensação de que uma parte da ação policial se frustrara com a fuga dos traficantes não se sabe bem para onde.

Com a retomada da Rocinha, viu-se que os chefes do tráfico de outras favelas pacificadas estavam "exilados" por lá.

Essa mudança de comportamento, aliás, já havia sido notada na ocupação do Complexo do Alemão, quando os limites da lei foram respeitados, assim como os direitos dos cidadãos, até mesmo dos traficantes.

A operação no Alemão mostrou que as forças policiais e militares tiveram uma boa atuação dentro do estado de direito, que era possível ser duro, manter a ordem, sem violação dos direitos civis, do direito da população.

Mesmo assim, houve relatos de abusos de poder por parte de policiais envolvidos na operação, e uma corregedoria foi instalada no local para ouvir as queixas dos moradores. Na Rocinha, grupos de defesa dos direitos civis estão de plantão. Eventuais abusos têm que ser reprimidos para que não se rompa a confiança da comunidade nas autoridades.

A qualidade da ação do governo foi aumentando à medida que as forças mostravam-se capazes de atuação coordenada em diversos níveis do aparato policial, realizando uma ação de natureza federativa.

A prestação de contas regular que foi feita à população desde os primeiros movimentos de ocupação continuou na da Rocinha, e o cuidado com detalhes como o de policiais não usarem mochila, para não deixarem dúvidas sobre o que carregavam, mostra que o objetivo de contar com o apoio da população, tanto local quanto da opinião pública de maneira geral, era um objetivo estratégico da ação policial.

Na ação da Rocinha, pela primeira vez de maneira explícita, ficou evidenciada a existência da banda saudável da polícia se contrapondo à tristemente conhecida "banda podre".

Os confrontos em que policiais que faziam escolta de bandidos foram presos por policiais que perseguiam os bandidos, ou os episódios em que policiais recusaram subornos altíssimos, mostraram que há uma base para se fazer um trabalho de reformulação das polícias, sem o qual estaremos enxugando gelo.

O treinamento dos policiais que operam nas UPPs tem esse objetivo, e já está em processo uma renovação de quadros que é fundamental para que, a médio e longo prazos, tenhamos uma polícia mais moderna e mais confiável.

A tomada da Rocinha evidencia também a importância das UPPs Sociais, que têm como objetivo promover o desenvolvimento social, incentivar o exercício da cidadania, derrubar fronteiras simbólicas e estimular a integração das favelas ao resto da metrópole.

"O papel da UPP Social é levar a República à favela", costuma resumir Ricardo Henriques, presidente do Instituto Pereira Passos (IPP), que está à frente do projeto.

Os principais obstáculos são a fragmentação de ações e a descontinuidade de projetos. É grande a dispersão de programas: há 197 deles para as favelas. Cada um com várias ações. A multiplicidade de ONGs que lutam entre si pelo controle da pobreza pode trazer tanta ineficiência às ações quanto a disputa dos diversos órgãos do poder público na área social.

Falta articular áreas do poder público, e uma história exemplar aconteceu no Morro da Providência, cujos moradores reclamaram a ausência de sinalização, causa de um crônico problema no trânsito local.

Pediam há 15 anos que o problema fosse resolvido. Bastou alguém entrar em contato com o Detran e, em 15 dias, um projeto de engenharia de trânsito foi executado no local.

Há um problema de gestão em toda essa área. A atuação da UPP Social do Morro da Providência será o modelo, com gestão integrada, participativa, em rede, sem ascendência hierárquica.

Uma das tarefas do IPP é coordenar as diversas ações para obter delas maior eficiência. A distribuição territorial dessas ONGs é outra tarefa, pois várias fazem a mesma coisa, enquanto há falta dos serviços que prestam em outras favelas.

A diferença não apenas geográfica, mas social, entre os morros ocupados exige quase que uma ação customizada, pelo menos inicialmente: os morros do Chapéu Mangueira e Babilônia, no Leme, são de classe média baixas e já se autodenominam de "Alto Leme", ao contrário da comunidade do Morro da Formiga, na Tijuca.

Segundo Ricardo Henriques, são chave para o programa a regularização fundiária e a formalização de um modo geral. Com relação à formalização dos pequenos negócios nas favelas, o peso dos impostos, das taxas e da própria burocracia pode significar problemas para os favelados.

Já há estudos para que uma legislação especial ajude os pequenos empreendedores nessas comunidades liberadas, que terão que se integrar à sociedade formal, aumentando seus gastos.

Isso porque já houve problemas em comunidades em que o poder público, com o objetivo de alcançar um "choque de ordem" no que antes era a informalidade controlada pelo tráfico, acabou causando problemas para os empreendedores que estavam instalados dentro de uma realidade completamente diferente.

A ideia é usar os cursos do Sistema S (Sesc, Senai, etc) para qualificar a mão de obra. O objetivo das UPPs Sociais é a integração "territorial e simbólica" da favela ao bairro, a ponto de não haver mais diferença entre um e outro.

FONTE: O GLOBO

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